Boccherini (1743-1805): Música de Câmara – Cuarteto Casals

Boccherini

La musica notturna delle strade di Madrid

Cuarteto Casals

Eckart Runge

Carles Trepat

 

O disfarce precisava ser perfeito. Fazer com que um navio de guerra fique parecido a um navio de pesca de baleia não é fácil, mas tudo funciona, afinal, estamos em um grande filme. A batalha segue sangrenta até que o Capitão Aubrey e a sua turma tomam o invencível Acheron. Mais tarde, festejando a vitória com Maturin, médico-cirurgião e cientista do navio, o capitão descobre que o filme ainda não acabou e deve seguir um pouquinho mais. Sim, estou sendo vago pois não sou de dar spoiler. Se bem que o filme, O Mestre dos Mares, é um clássico. E os heróis continuam sua comemoração tocando música, Aubrey ao violino e seu amigo Stephen Maturin, ao violoncelo. Foi aí que eu falei alto e todo mundo no cinema olhou para mim: Boccherini!!! A música serve a cena como uma luva na mão! Como é linda esta música.

O’Brien em seu disfarce de agente secreto…

O filme é imperdível, um clássico dirigido por Peter Weier em 2003 e a história é um resumo dos muitos livros escritos por Patrick O’Brian tendo a dupla de amigos Jack Aubrey e Stephen Maturin como principais personagens. Claro que os dois são também músicos. Pois se você ainda não viu o filme, não se faça de rogado e ande logo, pegue a pipoca e boa diversão. Eu sai do lounge do PQP Bach corp. em busca de uma boa versão da música daquelas cenas finais.

Foi assim que cheguei a este espetacular disco com peças de câmera de Luigi Boccherini. A peça mais conhecida deste compositor é um justamente famoso minueto e o quinteto que abre este disco e teve algumas de suas partes tocadas pelo Capitão Aubrey e seu amigo Stephen Maturin.

Boccerini nasceu na Itália, mas passou a maior parte de sua vida na Espanha, a serviço de nobres espanhóis. No quadro de Goya ele é retratado usando libré. Ele é contemporâneo de Haydn e Mozart e a sua música é melodiosa e tem grande influência da cultura espanhola. Seu instrumento mais proeminente é o violoncelo e ele deixou lindos concertos para este instrumento. Mas não o dispensem como compositor de algumas peças bonitinhas. Boccherini foi quem mostrou o caminho, se não estabelecendo a forma de quartetos de cordas, honra esta que cabe a Haydn, mas dando ao violoncelo seu papel de igual nesta formação, livrando-o definitivamente do ranço do baixo contínuo. Além disso, seus quintetos de cordas tinham formação diferente daquela usada por Mozart em seus quintetos, trocando a segunda viola pelo segundo violoncelo. Aliás, esta formação adotada por Boccherini é a que Schubert usou em seu Quinteto em dó maior, certamente uma obra maximal.

Luigi, segundo Goya…

A música de Boccherini foi acusada melodiosa e simples, com boas pitadas de nostalgia, mas devemos lembrar que ele viveu tempos de transição de estilos e foi submetido às intempéries criadas pelo que, na falta de palavra mais adequada, chamaremos destino. Para sobreviver, especialmente em seus últimos anos, teve que produzir peças que serviam aos gostos de editores de música, especialmente Pleyel (ah, Pleyel…), de Paris. Mas tudo agora é história e podemos escolher entre suas obras e ouvir e celebrar este original compositor.

A justamente famosa ‘La musica notturna delle strade di Madrid’ é quase um acidente. A vida na corte espanhola não era fácil, a intriga corria solta. O vilão era o violinista real, o italiano Brunetti (ah, Brunetti…). Luigi encontrou guarida servindo o infante espanhol, Don Luis, irmão do rei, Carlos III. Mas a vida não era, definitivamente, fácil.

Doña María Teresa de Vallabriga y Rozas, segundo Goya

O infante casou-se com María Teresa de Vallabriga y Rozas Español y Drummond, uma aristocrata aragonesa. Aristocrata, mas o casamento foi considerado morganático e o infante foi viver longe de Madrid, em Arenas de San Pedro, próximo a Ávila. Boccherini aí viveu servindo ao príncipe por nove (tranquilos) anos. Mas a saudades (ah, a saudade mata a gente…) batiam lá de vez em quando. Saudades, é claro, de Madrid e seus encantos. Assim foi que surgiu inspiração para o quinteto que Luigi chamou ‘La musica notturna delle strade di Madrid’ e quase não o publicou, um de seus maiores sucessos até hoje. Isto porque a teoria musical vigente era que música deveria ser nada além de ‘forma sonora em movimento’ (‘töned bewegten Formen’). Mas um editor, especialmente aquele que busca o vil metal, sabe farejar o que ‘o povo gosta’. E lá se foi o quinteto a encantar mais gentes além da pequena corte do infante, que certamente deve ter soltado longos suspiros ao ouvir a peça. Esta começa evocando os sinos anunciando a Ave Maria, segue por soar de tambores, pelo minueto dos cegos, que antes dos telejornais, tinham o papel de comentar os escândalos do dia, sempre cantando e tocando suas guitarras.

É por isso que nesta parte os violoncelistas devem colocar seus instrumentos sobre seus joelhões e tocá-lo como se fosse uma guitarra, bem como podemos ver na cena do filme. E o cortejo segue maravilhoso, chegando a passacalle dos cantores de rua – Los Manolos – a parte que eu desavergonhadamente mais gosto. Você poderá ler tudo como é o resto, pois Boccherini ele mesmo deixou claras instruções e está lá no livreto, junto com os arquivos do álbum.

Mas Luigi é cheio de surpresas, se você ainda não o conhece. O disco tem ainda um quinteto com uma guitarra cujo último movimento é um fandango! Veja o completo repertório do álbum.

Luigi Boccherini (1743 – 1805)

Quinteto de cordas em dó maior, G. 324, Op. 30, 6 ‘La musica notturna delle strade di Madrid’
  1. Il campane quando suonano l’Ave Maria; II. Il tamburo del quartier dei soldati; III. Minuetto dei ciechi
  2. Il rosário: Largo assai – Allegro
  3. ‘Los Manolos’, Modo di suono, e canto – VI. Allegro vivo
  4. Ritirata – Maestoso
Quinteto de cordas N. 6 em mi maior, G. 275, Op. 11, 5
  1. Amoroso
  2. Allegro con spirito
  3. Minuetto – Trio
  4. Andante
Quarteto de cordas em sol menor, G. 205, Op. 32, 5
  1. Allegro comodo
  2. Andantino
  3. Menuetto con moto – Trio
  4. Allegro giusto
Quinteto com guitarra N. 6 em ré maior, G. 448
  1. Pastorale
  2. Allegro majestoso
  3. Grave assai – IV. Fandango

Cuarteto Casals

Abel Tomàs Realp, violino
Vera Martínez Mehner, violino
Jonathan Brown, viola
Arnau Tomàs Realp, violoncelo

Eckart Runge, violoncelo

Charles Trepat, guitarra

Com Daniel Tummes, castanholas

Produção: Martin Sauer

Gravado em abril de 2010 no Teldex Studio, Berlim

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FLAC | 366 MB

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MP3 | 320 KBPS | 182 MB

Boccherini saiu muito jovem de Lucca, sua cidade natal, e viveu em vários grandes centros musicais, como Roma e Paris, antes de mudar-se para a Espanha. Em uma certa fase de sua vida, juntamente com Filippo Manfredi, Pietro Nardini e Giuseppe Cambini, formaram o primeiro quarteto para apresentações regulares de que se tem notícia. Bem na tradição quarteto italiano. Os membros do quarteto estão neste quadro retratando a corte do infante, pelo espetacular Goya, que também aparece no quadro.

Mas tudo isto são histórias, não deixe de baixar o disco e ouvir tudo, que foi muito bem gravado. Aproveite!

René Denon

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