Nas sonatas para violoncelo de quase todo o barroco até aquelas de Boccherini, o teclado limitava-se ao acompanhamento em baixo-contínuo de um solista que, normalmente, tentava aprontar algo no registro agudo do instrumento, sem que houvesse nelas, praticamente, uma parte para teclado independente. Os grandes Mozart e Haydn, modelos mais importantes para o jovem Beethoven, deram completamente de ombros ao violoncelo como solista em música de câmara, muito por conta das limitações dos instrumentos de antanho, cujo som tendia a ser abafado pelos pianos nos registros graves, o que desestimulava quaisquer intenções virtuosísticas. No entanto, os luthiers do final do século XVIII fizeram o violoncelo evoluir enormemente, de modo que, quando da visita de Beethoven à corte de Berlim em 1796, havia já um bom número de solistas de renome no instrumento outrora tido somente como um grave e modesto acompanhante. E, assim como aconteceria depois com o violinista Bridgetower e a sonata “Kreutzer”, foi um encontro de virtuoses a centelha para a criação intempestiva de uma obra revolucionária – no caso, de Beethoven com os irmãos Jean-Pierre e Jean-Louis Duport, primeiro e segundo violoncelistas da corte da Prússia, encabeçada ela própria por um violoncelista amador, o rei Friedrich Wilhelm II. Entusiasmado com o que ouviu dos irmãos, Ludwig escreveu com rapidez este par de sonatas, no que certamente contou com a consultoria dos virtuoses franceses, e estreou-as ainda na corte, tocando ele próprio a elaborada, independente parte do piano, inventando assim, praticamente sozinho, a sonata clássica para violoncelo e piano.
Se as sonatas têm tantos nomes e sobrenomes ilustres envolvidos em sua gênese, há bastante mistério sobre quem inspirou as três séries de variações para violoncelo e piano compostas por Beethoven, duas das quais estão incluídas neste disco. As exigências técnicas, bem menores que aquelas das sonatas, deixam-nas ao alcance de competentes amadores, e é bastante provável que tenham sido escritas por encomenda para alguns deles, inda mais por conta dos populares temas que lhes servem de base. A série mais interessante, aquela sobre o tema de “Judas Maccabaeus” de Händel, atesta o vivo interesse de Beethoven na música do saxão, que descobrira através de um de seus patronos, o barão von Swieten, e que o inspiraria ainda por muito tempo, como atesta a citação bastante conspícua e literal dum tema do “Messiah” na Missa Solemnis, já no final de sua carreira.
Cresci ouvindo essas sonatas com tantos ótimos duos (Rostropovich/Richter, Fournier/Gulda, Maisky/Argerich) que ficou difícil escolher um só deles para compartilhar com os leitores-ouvintes. Optei pelo que talvez é o menos conhecido entre os de excelência, o do violoncelista neerlandês Pieter Wispelwey e do pianista croata Dejan Lazić. Li em algum lugar que Wispelwey é um dos precursores da geração de generalistas-especialistas, por estar à vontade tanto com as cordas de tripa e a música antiga quanto com aquelas de aço na música moderna. Aqui, com um violoncelo Guadagnini e cordas de aço, ele dialoga maravilhosamente com o ótimo Lazić, que não nos deixa esquecer o apreço com que Beethoven, então mais conhecido como pianista do que como compositor, escrevia para brilhar nas partes destinadas a ele mesmo. Mesmo para quem já as conhece bem, as sonatas soam como novidades excitantes e equilibradas – e as variações, que mesmo sob arcos e mãos ilustres tendem a aborrecer um tanto, cintilam à altura de quem as escreveu.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5
No. 1 em Fá maior
1 – Adagio sostenuto
2 – Allegro
3 – Rondo: Allegro vivace
Doze Variações em Fá maior sobre “Ein Mädchen oder Weibchen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, Op. 66
4 – Thema
5-16 – Variationen 1-12
Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5
No. 2 em Sol menor
17 – Adagio sostenuto ed espressivo
18 – Allegro molto più tosto presto
19 – Rondo: Allegro
Doze Variações em Sol maior sobre “See the conqu’ring hero comes”, do Oratório “Judas Maccabaeus” de Händel, para violoncelo e piano, WoO 45
20 – Thema
21-32 – Variationen 1-12
Pieter Wispelwey, violoncelo
Dejan Lazić, piano
Vassily
Haverá postagem do CD2? O CD1 impressionou!
Não falo em nome do Vassily, daqui a pouco ele responde.
Mas uma coisa eu te garanto, daqui a alguns meses teremos um repeteco dessas sonatas na 1a gravação de Wispelwey, com o pianista P.Komen, em instrumentos da época de Beethoven. CDs há muito tempo fora de catálogo, tive um trabalhão pra conseguir!
Caros CP e Pleyel,
Sim, as demais obras de Beethoven para violoncelo e piano em nossa série também ficarão a cargo de Wispelwey e Lazić.
Alegra-me saber que Wispelwey agradou! Pretendo postar mais coisas dele, enquanto aguardo a postagem pelo Pleyel da bela (e dificílima de encontrar) parceria com Paul Komen no mesmo repertório.