Prestamos, antes tarde que ainda mais tarde, nossa homenagem ao magnífico Mariss Jansons, que deixou este vale de lágrimas no estrebucho do último novembro. Falo em lágrimas, e também de como Jansons, depois de longa enfermidade, deixou o mundo, antes mesmo de lembrar as duras circunstâncias em que veio a ele: na Letônia ocupada por Hitler, talvez o pior momento no século para se nascer letão e de ventre judeu, um pouco depois de sua mãe escapar do gueto de Riga e de sua liquidação. Cresceu sob a inspiração do pai regente, que sucumbiu a um infarto no palco, e de uma mãe cantora lírica, e seguiu sua formação no mesmo Conservatório de Leningrado em que depois lecionaria, no qual também estudaram Tchaikovsky e Shostakovich, que sempre estariam no cerne de seu repertório. O posto de assistente na Filarmônica local, liderada pelo legendário Mravinsky, trouxe-lhe notoriedade e convites, não sem várias pestanas queimadas por conta de seus opressores de Moscou, para trabalhar e estudar com Karajan e Swarowsky. Sob sua direção (1979-2000), a discreta Filarmônica de Oslo saltou para um patamar com que nunca sonhara entre as orquestras do mundo. Depois de mais de vinte anos a comandá-la, deixou-a para assumir a Sinfônica de Pittsburgh (1997-2004), não sem antes repetir a escrita do pai e infartar no palco, desgraça que só não foi completa porque foi prontamente atendido depois do colapso. Em seguida, encontraria os conjuntos mais importantes de sua formidável carreira: a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam (2004-2015) e, ainda mais notavelmente, a Sinfônica da Rádio Bávara, que conduziu até o final da vida, e com quem realizou a gravação ao vivo que ora compartilhamos.
O Réquiem de Wolfgang Rihm, composto em 2016 e cuja première nossos leitores-ouvintes apreciarão nas faixas a seguir, é, na tradição de “Um Réquiem Alemão” de Brahms, menos uma obra litúrgica do que uma reflexão sobre a vida e a morte, baseada em textos tão diversos quanto sonetos de Michelangelo, poemas de Rilke e salmos bíblicos, e concluída por “Strophen”, de Hans Sahl, donde seu epíteto. Constrito, ainda que com momentos de velada celebração, é uma composição que me deu, desde a primeira audição, a impressão de merecer manter-se no repertório. Jansons demonstra aqui sua fabulosa capacidade de compreender uma obra por inteiro – no caso, imensa, novíssima, inédita, sem qualquer tradição interpretativa em que se pudesse basear – e expressar em sua leitura um maravilhoso senso de continuidade e coerência. Rihm derramou-se em elogios, e nossos leitores-ouvintes, creio eu, hão de se lhe juntar ao coro.
Já com saudades do maiúsculo Maestro que, por todos os relatos, era um humilde servo da Música, tão exigente quanto gentil com seus colegas e generoso com seus muitos protegidos, e enquanto me desculpo pelo que talvez seja a indelicadeza de colocá-lo a reger seu próprio Réquiem, faço votos de que, lá nas Esferas, haja música tão extraordinária quanto a que nos deixou moldada pela batuta.
RIHM – REQUIEM-STROPHEN – MARISS JANSONS
Wolfgang RIHM (1952)
REQUIEM-STROPHEN, para solistas, coro e orquestra (ESTREIA MUNDIAL)
PARTE I
1 – I: Initial
2 – II
3 – III: Kyrie
PARTE II
4 – IV: Sonett I
5 – V.a: Psalm
6 – VI: Sonett II
7 – V.b: Psalm
8 – VII: Sonett III
PARTE III
9 – VIII
10 – IX: Lacrimosa I
11 – X: Sanctus
12 – XI
PARTE IV
13 – XII: Lacrimosa II
14 – XIII: Agnus Dei
15- XIV: Epilog (Strophen)
Mojca Erdmann e Anna Prohaska, sopranos
Hanno Müller-Brachmann, barítono
Coro e Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara
Mariss Jansons, regente
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Vassily
Olá, Vassily!
Bela e justa homenagem ao Mariss Jansons!
Bom domingo!
RD
Viva Jansons, regente de grande carisma! Viva Rihm, um dos mais talentosos compositores da atualidade!