Publicada originalmente em novembro de 2015, reativada em dezembro de 2019, atualizada em maio de 2022
Rostropovich pode ter tido mais fama – merecidíssima, aliás, pela assombrosa técnica e enorme musicalidade, pela importância como pedagogo e pedra fundamental de toda uma escola violoncelística, e, como não se bastasse isso tudo, também pelo ser humano formidável que foi -, mas, se vocês fizessem uma enquete entre o panteão do violoncelo do século XX, provavelmente constatariam que o mais querido entre os violoncelistas era o parisiense Paul Tortelier (1914-1990).
Este “violoncelista dos violoncelistas” foi, como Rostropovich, um grande pedagogo e ativista político, além de ávido ciclista e muito bom flautista – em seus encontros com amigos, o violoncelo normalmente calava-se para a flauta falar. Ao contrário do hiperativo, calvo e bonachão Slava, Tortelier era um sujeito de calma proverbial, vasta cabeleira e muito poucas palavras. Rostropovich gargalhava ao contar como eram comparados a Quixote e Panza, e dedicou várias páginas de sua biografia a uma apologia do amigo. Numa delas, conta que ele costumava, ao tocar para amigos as Suítes de J. S. Bach, cantarolar sobre alguns movimentos vocalises improvisados, ao estilo do que Gounod fizera ao transformar um prelúdio do “Cravo bem Temperado” em sua famosa “Ave Maria”, e que sua voz, incrivelmente, impressionava mais do que seu instrumento.
Ainda que Slava muito lamentasse que seu colega não tivesse registrado para a posteridade seu talento como cellista-canoro, nós outros não podemos lamentar: mesmo com a boca fechada, Tortelier deixou-nos essa belíssima gravação das Suítes, repleta do timbre nobre e fraseado elegante que o fizeram tão admirado por seus pares. Ah, e aumentem o volume, porque a EMI resolveu deixar tudo bem baixinho, talvez para que escutemos o mestre no silêncio que merece.
Nota de Vassily em 2022: o texto acima refere-se à gravação de 1961, a primeira das duas que o mestre faria em estúdio. Quando o publicamos originalmente, em 2015, ele fazia parte duma série com todas as gravações que tenho das suítes, e eventualmente chegaria à segunda gravação, feita em 1982, que é muito superior e aclamada como uma das melhores jamais feitas dessas preciosas obras. Para que os leitores-ouvintes também possam conhecê-la e compará-la à irmã mais velha, resolvi também deixá-la disponível.
ooOoo
BACH – LES 6 SUITES POUR VIOLONCELLE – PAUL TORTELIER
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
SEIS SUÍTES PARA VIOLONCELO SOLO, BWV 1007-1012
SUÍTE NO. 1 EM SOL MAIOR, BWV 1007
01 – Prélude
02 – Allemande
03 – Courante
04 – Sarabande
05 – Menuet I & II
06 – Gigue
SUÍTE NO. 2 EM RÉ MENOR, BWV 1008
07 – Prélude
08 – Allemande
09 – Courrante
10 – Sarabande
11 – Menuet I & II
12 – Gigue
SUÍTE NO. 3 EM DÓ MAIOR, BWV 1009
13 – Prélude
14 – Allemande
15 – Courante
16 – Sarabande
17 – Bourrée I & II
18 – Gigue
SUÍTE NO. 4 EM MI BEMOL MAIOR, BWV 1010
01 – Prélude
02 – Allemande
03 – Courante
04 – Sarabande
05 – Bourrée I & II
06 – Gigue
SUÍTE NO. 5 EM DÓ MENOR, BWV 1011
07 – Prélude
08 – Allemande
09 – Courante
10 – Sarabande
11 – Gavotte I & II
12 – Gigue
SUÍTE NO.6 EM RÉ MAIOR, BWV 1012
13 – Prélude
14 – Allemande
15 – Courante
16 – Sarabande
17 – Gavotte I & II
18 – Gigue
BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE (gravação de 1961)
BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE (gravação de 1982)
Paul Tortelier, violoncelo
Vassily Genrikhovich
Sem dúvida uma das grandes interpretações da obra. Obrigado pelo seu (habitual) bom gosto!
Thanks a lot for your prompt answer!
Cheers Daniel, from Spain…
Grande Vassily, magnífica postagem.
Grato.
As melhores sonatas para celo e piano de Beethoven que já ouvi são com ele. Ouça-mo-lo em Bach, então. Grato!
Muchas gracias
O melhor registro da Seis Suites para Cello foi feito por Tortelier em 1983. A de 1961 é boa, mas nem comparável à de 1983. Na época do lançamento do disco, todos os grandes violoncelistas concordaram que aquela era a melhor versão até então registrada. Foi uma espécie de ‘testamento’. Paul Tortelier faleceu em dezembro de1990.
Henrique Marques Poro
Olá, Henrique!
Você, eu, os grandes violoncelistas e um sem-número de músicos e melômanos concordamos com isso: a gravação lançada em 1983 é extraordinária. Lá em 2015, quando comecei uma série de publicações com gravações das Suítes para violoncelo, eu pretendia chegar algum dia ao registro mais recente de Tortelier. Como a série não foi adiante, e depois de ler seu comentário, achei que as duas gravações deveriam estar na postagem, para que os leitores-ouvintes pudessem conhecê-las e compará-las. Aí estão. Grato pela contribuição!
Caro Vassily,
Desculpe não ter acompanhado os comentários. Daí que só hoje, navegando pelo blog, li sua resposta. Grato por isso. Ouço as Suites desde antes dos 20 anos. Por volta dos 15 anos, depois de conhecê-las na versão histórica de Casals, responsável por libertar o Cello das amarras que escondiam as enormes possibilidades do instrumento. Os alunos estudavam com um livro no sovaco prendendo o braço ao corpo. Um horror. Casals jogou fora o livro, dispensou o professor e deu no que deu. Essas Suites podem ser ouvidas sempre e como se queira. Hoje já temos várias versões excelentes. Mas as Seis, com calma e não de um gole só, devem ser apreciadas como um conjunto. Elas formam uma ideia, da 1a. Suite à 6a, pela ordem. Não é obrigatório ouvi-las assim, é claro, mas é uma experiência que sugiro aos amigos.
Abraços