Embora tido por muitos como austríaco, Biber nasceu na cidadezinha boêmia de (cuidado a língua!) Stráž pod Ralskem, ou Wartenberg, o que o torna elegível para inclusão nesta série, ainda que não encontremos qualquer registro da forma tcheca de seu nome, que seria (a língua, cuidado com ela!) Jindřich Ignác František Biber.
Provavelmente o maior violinista de seu tempo, Biber trabalhou em Graz e na simpática sopa de diacríticos que é Kroměříž antes de chegar à corte de Salzburg, onde consolidou sua fama e fortuna. Foi um compositor muito inventivo para diversos conjuntos instrumentais, e suas obras para violino eram tidas como o suprassumo do virtuosismo em sua época.
A reputação dessas Sonatas dos Mistérios (ou do Rosário) só fez crescer desde sua publicação em 1905, mais de duzentos anos após a morte do compositor. Cada uma das quinze sonatas para violino e órgão refere-se a um dos Mistérios do rosário católico (cinco gozosos, cinco dolorosos e cinco gloriosos), com um programa mais sugerido do que puramente descrito musicalmente (em vivo contraste com sua “Sonata Representativa”, que também postaremos aqui). Além de raspar o fundo do tacho da técnica violinística disponível na época, Biber usou e abusou do recurso da scordatura, que consiste na alteração da afinação do violino de maneira a obter efeitos colorísticos e ressonâncias indisponíveis na afinação padrão.
A série é concluída por uma solene passacaglia, uma das mais antigas obras para violino solo. Ela foi muito difundida, em cópias manuscritas, ainda durante a vida do compositor, e considerada o pináculo de toda literatura violinística até que Sebastian Bach e sua monumental Chacona acenassem para Biber lá bem do alto. A solista Gabriela Demeterová – que, ao vivo, tem aparência bem mais amistosa que a garota de olhar dardejante que aparece nas fotos de divulgação – faz a perigosa travessia violinística com muita competência e sem qualquer incidente, acompanhada pelo versátil Jaroslav Tůma, que, verão vocês em publicações futuras, toca todos os teclados imagináveis.
BIBER – MYSTERY SONATAS
Heinrich Ignaz Franz von BIBER (1644-1704)
Sonatas para a Glorificação dos Quinze Mistérios da Vida de Maria e de Cristo
DISCO 1
Sonata I: Anunciação do Nascimento de Cristo pelo Arcanjo Gabriel (modo dórico)
01 – Praeludium
02 – Variatio. Aria: Allegro
03 – Finale
Sonata II: Visitação de Maria por Isabel (Lá maior)
04 – Sonata
05 – Allemande
06 – Presto
Sonata III: Nascimento de Cristo, Adoração dos Pastores (Si menor)
07 – Sonata
08 – Courante
09 – Double
10 – Courante (da capo)
11 – Adagio
Sonata IV: Apresentação de Cristo no Templo (modo dórico)
12 – Ciaccona
Sonata V: Jesus aos Doze Anos no Templo (Lá maior)
13 – Praeludium
14 – Allemande
15 – Gigue
16 – Sarabande
17 – Double
18 – Sarabande (da capo)
Sonata VI: O Sofrimento de Cristo no Monte das Oliveiras (Dó menor)
19 – Lamento
20 – Adagio
Sonata VII: A Flagelação de Cristo (Fá maior)
21 – Allemande
22 – Variation
23 – Sarabande
24 – Passacaglia para violino solo
DISCO 2
Sonata VIII: A Coroação com Espinhos (Si menor)
01 – Sonata
02 – Presto
03 – Gigue
04 – Double I
05 – Gigue (da capo)
06 – Double II
07 – Gigue (da capo)
Sonata IX: Jesus carrega a Cruz (Lá menor)
08 – Grave
09 – Corrente
10 – Double I
11 – Double II
12 – Finale
Sonata X: A Crucificação (Sol menor)
13 – Praeludium
14 – Aria con variazioni
Sonata XI: A Ressurreição (Sol maior)
15 – Sonata
16 – Adagio
17 – Andante
Sonata XII: A Ascensão de Cristo (Dó maior)
18 – Intrada
19 – Aria
20 – Allemanda
21 – Courante
22 – Double
23 – Courante (da capo)
Sonata XIII: A Descida do Espírito Santo (Ré menor)
24 – Sonata
25 – Gavotte
26 – Gigue
27 – Sarabande
Sonata XIV: A Assunção de Maria (Ré maior)
28 – Allegro maestoso
29 – Aria (Ciaccona)
30 – Gigue
Sonata XV: A Coroação de Maria (Dó maior)
31 – Sonata
32 – Aria con variazioni
33 – Canzone
34 – Sarabande
35 – Variation
Gabriela Demeterová, violino
Jaroslav Tůma, órgão
Vassily Genrikhovich
Depois de conhecer estas peças com Reinhard Goebel e especialmente com John Holloway, fica difícil acreditar em outra interpretação, mas quem se aventura a tanto só pode ser brilhante. Ouçamos, pois. Grato!
Dardo Tranquilizante- Divertido! e impressionante . Obrigado mais uma vez e mais uma vez.
Guillermo
statework.blogspot.com
Biber é muito bom, mas melhor ainda foi o dardo tranquilizante.
Excelente surpresa!! Confesso que nunca dei atenção ao Biber, com a ideia equivocada de que fosse mais tardio, já com aqueles traços de classicismo que tanto me desagradam… E aí de repente ele me aparece como uma reserva extra, inesperada, de delícias que me fizeram lembrar Pachelbel, que tanto aprecio – talvez até com elaboração um pouco mais complexa que a deste – e numa interpretação realmente deliciosa! Obrigado, mais uma vez!
Sem nem falar do dardo tranquilizante… desde já forte candidata a melhor piada do ano no blog – hehehe!
Como pode um álbum tão maravilhoso ter uma arte tão horrorosa? Hahaha
Pra ver como nem sempre há bom gosto na música erudita…
De qualquer forma, bela escolha, Vassily.
Sempre que os senhores postam música antiga ou ópera, minhas pupilas se dilatam, meu coração palpita e sinto uma quentura ousada subir por entre meus canais condutores, do pé à cabeça, até me roubar por completo e, num estrondo, jogar-me estatelado no chão.
Enfim…
Hahaha, também me assustei com a capa. Demeterová depois se redimiria com poses mais convencionais e mesmo sorridentes em seus trabalhos seguintes. Tenho mais Biber para postar, e gravações de Demeterová tocando obras de mestres pouco conhecidos da Boêmia, que talvez lhe venham reavivar a referida quentura!