Sim, precisamos falar sobre a Pastoral.
É uma questão importante, urgente, até. Considero esta a mais difícil das sinfonias de Beethoven em termos de categorização histórica. É uma sinfonia clássica com antecipações românticas, mas também é uma sinfonia já romântica em espírito, porém clássica em forma. Seria uma obra atemporal que reivindica independência a uma classificação de estilo? Seja como for, permanece num limiar sutil entre a pura expressão sensível (quase um poema sinfônico) e a forma-sonata expandida. Entre tantas possibilidades, de certa forma algo contraditórias, mantém a Pastoral sua imponente beleza além de qualquer conflito de interpretação. Mas qual delas consegue traduzir de maneira mais plena seu espírito universal? Considero impossível haver um consenso, já que falamos de expressão sensível, mas aponto algumas gravações que entendo como referenciais para esta obra:
1.Bruno Walter, Columbia Symphony Orchestra CBS (1962)
Esta gravação já consagrada é sem dúvida uma das preferidas de público e crítica. É uma leitura sincera e espontânea, que prima pelas harmonias sutis das mudanças de tom, e preserva a orquestração clássica original, quase camerística. Um fato inusitado para a época. Walter capta o estilo bucólico sem preconceitos estilísticos, e essa honestidade de propósitos se configura numa Pastoral de universalidade emocional patente. O último movimento é de uma sutileza comovente.
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2.Herbert von Karajan, BPO DG (1962)
A contrapartida é a leitura de Karajan do mesmo ano 1962. Insípida e afetada, destoa das demais sinfonias gravadas neste ciclo também já clássico, que (re-)lançou a Filarmônica de Berlim como orquestra de excelência pelo mundo afora, depois do trauma da II Guerra. É uma interpretação bastante forçada, e muito pouco inspirada, trazendo o mesmo Beethoven titânico da V Sinfonia para esta, de caráter absolutamente diverso. Serve para estabelecer um termo de comparação bastante útil entre as leituras clássicas e românticas. A última versão da Pastoral gravada por Karajan em 1984 não é nem digna de estar neste post.
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3.Nikolaus Harnoncourt, The Chamber Orchestra of Europe TELDEC (1991)
No pioneiro auge das gravações que se pretendiam ‘históricas’ ou ‘de época’, Harnoncourt se mostra surpreendente. Na mesma pegada que outros maestros se aventuraram, notadamente John Eliot Gardiner e Christopher Hogwood, Harnoncourt é o que consegue melhor equilíbrio entre o clássico formal e o bucolismo romântico. Seus ritmos são notadamente clássicos, mas tem uma suavidade ambígua que o coloca num limiar bastante diverso de seus colegas. Gardiner e Hogwood são bem mais carregados de modismos estilísticos que se caracterizam pela leitura histórica, e Harnoncourt opta por deixar a música fluir. A Tempestade nos remete às fúrias de Gluck, e soa com ecos da tempestade e ímpeto que tanto mobilizaram os imediatos antecessores de Beethoven. É a gravação que melhor capta o que talvez teríamos escutado em sua época, combinado com as intenções descritivas pré-românticas do mestre.
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4.Karl Böhm, VPO DG (1971)
Böhm também pertence à tradição romântica alemã, da qual Karajan é seu representante mais famoso. Mas Böhm tem um diferencial: não foi diretamente afetado pela fama megalomaníaca, e se reserva por isso o direito de fazer uma leitura sincera. É um Beethoven romântico por excelência, mas nem por isso menos interessante. Pelo contrário, a sinceridade de Böhm nos contagia, deixando-nos acreditar que talvez Beethoven pudesse ser, na verdade, um romântico enrustido.
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5.Liszt Transcription – Cyprien Katsaris TELDEC (1981)
Para quebrar a hegemonia, uma versão para piano. Esta gravação, feita em 1981 pelo pianista grego-francês Cyprien Katsaris foi, estranhamente, a primeira vez que se lançou a transcrição de Liszt. Não é uma versão qualquer, tem a marca de pelo menos dois gênios. Eu gosto muito porque realça as mudanças harmônicas que na orquestra ficam diluídas nos timbres. Aqui, a tonalidade fica em evidência, e percebe-se o quanto essa tal harmonia era cara a Beethoven. E nos mostra uma outra faceta curiosa: música boa é sempre boa, quer original ou transcrita.
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6.Kurt Masur, Gewandhausorchester Leipzig PHILIPS (1973)
Essa gravação eu conheci através da Enciclopédia Salvat dos Grandes Compositores, uma publicação espanhola que teve seus dias de glória no Brasil no final da década de 80. No início me parecia muito razoável, mas só depois que ouvi diversas outras versões (Bernstein-NYPhO, Abbado-VPO e as demais aqui descritas) é que me dei conta que é a leitura que melhor capta o clima de espírito pastoral, independente da abordagem de estilo. Andamentos suaves, dinâmica sutil, timbres bem delineados. Uma tempestade épica, um finale glorioso, faz parecer que todo o universo dança.
Ao lado da gravação de Bruno Walter, considero esta a verdadeira Pastoral. A gravação de Masur com a mesma Gewandhaus de Leipzig feita nos anos 90 não chega aos pés dessa. Confiram.
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CHUCRUTEN
Realmente, a Pastoral é no mínimo sui-generis, difícil de classificar … diria de transição, mas já no período final da transição, porém escancaradamente romântica em alguns momentos. Lembro principalmente dessa gravação citada do Karajan, que me impressionou em um primeiro momento, quando a ouvi, mas depois perdi o interesse. A proposta de Harnoncourt me surpreendeu, e volto a ela de vez em quando. Não conheço essa gravação do Walter, nem a do Masur, que vi para vender em alguns sebos. Minha preferência ficaria com o bom e velho Karl Böhm, que nunca me decepcionou, e Abbado, bem, por uma questão pessoal, gosto muito de sua primeira versão com a Filarmônica de Berlim, talvez a versão que mais ouvi na minha vida. Mas que baita postagem … uma verdadeira aula. Sugiro analisares agora a Eroica, que tenho ouvido muito atualmente. Ou vamos deixar para o ano que vem, quando comemoraremos os 250 anos de nascimento de Beethoven. Quem viver, verá.
As sinfonias de Beethoven, assim como as de Brahms, ouvi em dezenas e dezenas de interpretações. Destas selecionadas aqui, só não ouvi a transcrição do Liszt. A de Karajan e a de Harnoncourt são as piores entre esta seleção. Aliás, acho quase tudo com Karajan ruim ou regular. Com relação a essas duas, há gravações bem melhores por aí e mais representativas. Também acho que interpretações históricas da obra de Beethoven são um erro. Beethoven lutou toda sua vida contra a “falta de potência” das orquestras e instrumentos. Acho um saco sinfonias de Beethoven, ou o que seja, com instrumentos de época. Estou certo de que ele também detestaria, pois já não gostava em sua própria época. A de Bohm acho a melhor entre as selecionadas. Particularmente, não aprecio o Beethoven de Masur.
Devo ter umas 40 ‘pastorais’, talvez mais. Não sendo músico, estou limitado ao que ouço e ao meu gosto. Porque se prefere uma versão a outra, é inexplicável. Prefiro versões mais lentas e é toda a diferença que encontro. Não consigo distinguir a performance de cada músico na orquestra. Assim, deixarei aqui as minhas versões preferidas: Walter, Celibidache (muito, muito lenta, fica o aviso), Andre Cluytens, Bohm e Kubelik (com a orquestra de Paris). Karajan nunca entendeu o espírito da 6ª de Beethoven, na minha opinião. Como li algures: passeia pelo campo, sim, mas em vez de ir a pé, vai de Porsche.
Lindo post. Acho que assino embaixo. Gosto demais do Masur da Salvat que tenho em vinil. Vamos ver como se sai o Sr. Andris Nelsons na Pastoral. Estou ouvindo sua integral aos poucos.
Agradeço pelo excelente post. A interpretação de Walter foi a primeira que ouvi, ainda garoto. Sem dúvida, uma das que mais aprecio. Uma curiosidade: por que Walter não repete a exposição no 1º movimento? Aliás, se não me engano, Karajan faz o mesmo em sua gravação de 1962.
No meu comentário, escrevi: “Acho um saco sinfonias de Beethoven, ou o que seja, com instrumentos de época.” Faltou acrescentar: ou o que seja de Beethoven. Para que não se entenda que não gosto de nenhum tipo de gravação histórica.
Klemperer!!!