“Concerto do Século” é um título bastante presunçoso para esta gravação da celebração dos 85 anos (jubileu esquisito, né?) do Carnegie Hall em Nova York, e que eu comprei no Carrefour nos anos 90.
Os talentos reunidos talvez justifiquem a presunção: afinal, se hoje Leonard Bernstein, Isaac Stern, Yehudi Menuhin, Vladimir Horowitz, Slava Rostropovich e Dietrich Fischer-Dieskau provavelmente estão, entre uma piada e outra de Slava, a fazer música no Olimpo, no tempo em que eles repartiam conosco o ar pestilento do Hades era bem difícil vê-los repartindo um palco.
O repertório é um saco de gatos difícil de entender, cujo único critério de eleição, parece, era o da Roda da Fortuna. Talvez quisessem apenas achar pretextos para reunir o notável panteão musical e ganhar dinheiro com isso – a edição de luxo da gravação, por exemplo, limitada a mil exemplares e autografada pelos artistas, ainda pode trocar de mãos pela ninharia de duas mil e trezentas doletas.
Essa, no entanto, é uma questão que empalidece quando imaginamos o espetáculo sui generis que não deve ter sido assistir aos célebres instrumentistas cantando (!) o Hallelujah de Händel que encerra o festim musical. Não conseguimos, em momento algum, discernir suas vozes em meio ao coro e, por isso, provavelmente devamos à Oratorio Society e à Filarmônica de New York nossos efusivos agradecimentos.
Ver Horowitz soltando um dó de peito certamente foi uma das trombetas do Apocalipse, mas o fechamento meio bizarro do concerto não condiz com algumas das belezas nele contidas. Ok, o Concerto Duplo de Bach com Stern e Menuhin é decepcionante, meio cru e cheio de arestas, e também fica difícil entender por que o “Pater Noster” à capela de Tchaikovsky está ali, perdido entre Bach e Händel. No entanto, o “Pezzo Elegiaco” que abre o belo Trio em Lá menor de Tchaikovsky (com Stern, Horowitz e Rostropovich) e o Andante da Sonata para violoncelo e piano de Rachmaninov (com Rostropovich e Horowitz) são tão bons que a gente fica cá com os botões a se perguntar por que diachos deles foram tocados só excertos.
O ouro maciço, entretanto, está no MA-RA-VI-LHO-SO “Dichterliebe” de Schumann, na voz de seu maior intérprete, Dietrich Fischer-Dieskau, e com Horowitz ao piano. Não conseguiríamos tecer loas bastantes à maior voz do século XX, então concentramos nossos confetes sobre Horowitz, que não só acompanha impecavelmente como também acrescenta tensão e lirismo a momentos cruciais. Para mim, esta é disparadamente a melhor gravação que existe desta obra-prima do gênero, e tenho certeza de que, se fosse lançada separadamente e não escondida neste saco de gatos de pedigree, seria um sempiterno sucesso.
CONCERT OF THE CENTURY – CELEBRATING THE 85th ANNIVERSARY OF CARNEGIE HALL
Gravado ao vivo em 18 de maio de 1976
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
01 – Abertura “Leonore”, Op. 72a
New York Philarmonic
Leonard Bernstein, regência
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
02 – Trio em Lá menor para violino, piano e violoncelo, Op. 50 – Pezzo elegiaco
Isaac Stern, violino
Vladimir Horowitz, piano
Mstislav Rostropovich, violoncelo
Sergey Vasilyevich RACHMANINOV (1873-1943)
03 – Sonata em Sol menor para violoncelo e piano, Op. 19 – Andante
Mstislav Rostropovich, violoncelo
Vladimir Horowitz, piano
CD2
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
01 – Dichterliebe, Op. 48, ciclo de canções sobre poemas de Heinrich Heine
Dietrich Fischer-Dieskau, barítono
Vladimir Horowitz, piano
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Concerto em Ré menor para dois violinos, orquestra de cordas e baixo contínuo, BWV 1043
02 – Vivace
03 – Largo ma non tanto
04 – Allegro
Isaac Stern e Yehudi Menuhin, violinos
New York Philarmonic
Leonard Bernstein, cravo e regência
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
05 – Nove Peças Sacras – Pater Noster
The Oratorio Society
Lyndon Woodside, regência
Georg Friedrich HÄNDEL (1685-1759)
06 – Messiah, Oratório HWV 56 – no. 42, coro: “Hallelujah”
Isaac Stern, Yehudi Menuhin, Vladimir Horowitz, Mstislav Rostropovich, Leonard Bernstein, Dietrich Fischer-Dieskau, vozes
The Oratorio Society
New York Philarmonic
Leonard Bernstein, regência
Vassily