Gustav Mahler (1860 – 1911)
Sinfonia No. 4, em sol maior
Esta sinfonia é bem representativa de Mahler. É uma de suas músicas mais acessíveis, devido tanto à beleza de seus temas quanto às suas dimensões. Por isso, é como um portal para este universo musical criado por ele.
Gustav Mahler viveu um tempo de muitas mudanças, fim do século XIX e início do século XX, a maior parte do tempo em Viena. Sofreu tragédias pessoais, conviveu com pessoas geniais (Freud, Klimt, Bruckner…) e deixou um enorme legado na música – tanto suas composições quanto na forma de reger e dirigir as grandes orquestras.
A gravação desta postagem não é a mais famosa, mas é maravilhosa. Feita em 1957 com a Philharmonia, a excelente orquestra criada por Walter Legge para a EMI, aqui está nas mãos de Paul Kletzki. O local da gravação é o Kingsway Hall e o pessoal técnico, com produção de Victor Olof, é excelente. O que mais gosto dela é a maneira como apresenta a música, com clareza e simplicidade, mas também com a sutileza necessária.
O que então deve lhe chamar a atenção nesta viagem pelo universo deste complexo compositor? Começamos com a orquestração. Mahler sabia tudo sobre isso, na teoria e na prática. Suas obras demandam orquestras enormes, gigantescas, muitos instrumentos, especialmente na percussão. Mas, ao ouvir essa sinfonia, perceberá um tratamento quase camerístico da orquestra. Grupos de instrumentos combinados de forma contrastante, muitos solos, para terror dos músicos.
O primeiro movimento desta sinfonia inicia com flautas acompanhadas do chocalho de sinos de um trenó de neve (Schelle, em alemão, sleighbells, em inglês) – percussão – seguidas de cordas e tropas, muitas trompas em Mahler. A outra coisa que você notará é a quantidade de diferentes ritmos, criando diferentes episódios dentro de um mesmo movimento. Marchas militares, landlers, valsas, irrompem pelo discurso musical, fazendo alusões às suas lembranças. Essa é outra típica característica de Mahler.
O segundo movimento tem um violino afinado um tom mais alto, para que pareça um violino rústico, uma rabeca. Os solos deste instrumento representam uma figura folclórica – folclore, outra característica de Mahler—chamada Freund Hein, que representa a morte. Estes episódios são intercalados por música muito sentimental, num típico movimento sweet and sour.
O terceiro movimento, Ruhevoll (Poco adagio) – Mahler foi um mestre na composição de adágios – é o núcleo da sinfonia e segue por bons vinte minutos. Durante o período que se dedicou à composição desta sinfonia, Mahler estudou a obra de câmera de Schubert, um mestre na arte de prolongar os movimentos de suas peças. A transição do segundo movimento para este terceiro é muito marcante. As palavras do segundo são pizzicato, staccato, staccatissimo. O terceiro movimento abre com as cordas mais graves, violas, violoncelos e contrabaixos, tocados com os arcos. Ao longo deste enorme movimento, Mahler falará das coisas importantes e profundas da vida. Basta prestar atenção. O movimento é uma longa construção para os clímaces finais. Preste atenção na maneira como Mahler usa as harpas. Poucos compositores as usam tão eficientemente. Ao fim deste movimento, chegamos aos portais do céu, que será descrito no quarto movimento.
Inovação, outra coisa de Mahler. Pela primeira vez (na história da música…) um compositor termina uma sinfonia com uma canção, um Lied. A letra vem de uma coleção de poemas anônimos (folclore) chamada Des Knaben Wunderhorn. Mahler já havia musicado vários destes poemas, inclusive este, Das himmlische Leben, uma visão do céu na perspectiva de uma criança. Os Lieder compostos por Mahler sobre esses poemas formam uma coleção à parte e alguns deles foram incorporados a algumas de suas primeiras sinfonias. Estas são então chamadas Sinfonias Wunderhorn e a quarta é uma delas.
A canção que fecha a quarta sinfonia estava destinada à terceira. Mas, para a nossa sorte, esta já estava tão imensa que a cançãozinha ficou de fora e acabou gerando o projeto da quarta.
Para cantar esses versos infantis, Mahler pede uma voz leve de soprano. Nesta gravação isso é atingido com perfeição pela Emmy Loose. A canção narra a vida celestial, verdadeira festa no céu. Comida, bebida, dança e música, liderada por Santa Cecília e as vozes angelicais.
A sinfonia não foi exatamente bem recebida na época de sua estreia, mas o próprio Mahler disse: Meu tempo virá! Muito bem, ouvindo esta gravação e olhando o catálogo de gravações assim como as inúmeras apresentações desta e das demais obras de Mahler por todo o mundo, não é difícil dizer que ele estava certo.
Aproveite esta oportunidade de conhecer um pouco a música de Mahler. Se você já a conhece, então terá todas as razões para apreciar ainda mais esta gravação.
Gustav Mahler (1860 – 1911)
Sinfonia No. 4 em sol maior
- Bedächtig. Nicht eilen
- Im gemächlicher Bewegung. Ohne Hast
- (Poco adagio)
- Sehr behaglich.
Philharmonia Orchestra
Emmy Loose, soprano
Paul Kletzki, conductor
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
FLAC | 242 MB
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
MP3 | 320 KBPS | 127 MB
Meu tempo virá! (Mahler…)
René Denon
Belo texto.
Mahler nunca foi tão popular quanto hoje. A quantidade de diferentes ritmos e episódios, as marchas militares, landlers, valsas que irrompem pelo discurso musical… tudo isso parece agradar muito aos públicos desses nossos tempos de hiperlinks e hiperatividade, em que raros mortais prestam atenção a longas variações sobre o mesmo tema como as dos 3 Bs.
Maestros como Celibidache criticavam em Mahler a ausência de Grandes Ideias em Maiúsculas, mas hoje os Dudamels e Tilson-Thomas da vida talvez estejam regendo mais Mahler do que Beethoven e Brahms.
Sic transit gloria mundi.
Obrigado pelo comentário!
Celibidache parece ter sido dono de uma língua afiada…
Realmente, a música de Mahler transpira inquietação e (acredito) reflete a ansiedade que se vivia na virada do século XIX para o século XX. Mahler morreu em 1910 e pouco tempo depois viria a Primeira Grande Guerra. Pode ser que alguns destes aspectos tenham maior apelo às platéias atuais.
Abraços!
René Denon
Também tem isso. Escalada bélica, desestruturação social e todo esse pacote. Difícil ficar tranquilo nesses períodos né? Mas é mais fácil culpar os smartphones…
Realmente, esses temas tornam as perspectivas ameaçadoras. No entanto, creio que a música de Mahler reflete em parte (veja, como ela é bastante complexa, não tem um aspecto unilateral) um clima de angústia que antecipa o que viria a ser descrito por filmes como “O Ovo da Serpente” ou “Mephisto”. Dark side mesmo…