O compositor russo Alexander Scriabin morreu jovem, com 43 anos em 1915. Em 1925, o escritor Boris Schlœzer, russo emigrado para a França após a revolução, escrevia no Ménestrel:
O décimo aniversário da morte de Scriabin será certamente a ocasião de concertos, conferências e cerimônias comemorativas, consagradas à obra do grande músico que reina como líder na Rússia e cuja dominação parece fortemente estabelecida, apesar das tentativas de reação de Medtner e Rachmaninoff e, mais recentemente, Stravinsky e Prokofiev.
Mas essa liderança só vai até as fronteiras do país dos Sovietes. Scriabin tem um papel insignificante na vida musical europeia após a Guerra de 1914-18, particularmente na França (os programas de concerto alemães e ingleses incluem com frequência as últimas sonatas, o Prometeu, o Poema do Êxtase).
A arte de Scriabin “não pega” em Paris, fato extremamente significativo! Essa arte, com efeito, me parece essencialmente revolucionária. Os meios musicais têm uma repugnância instintiva: dizem que Scriabin nada inventou, que ele deve tudo a Chopin e Liszt, que é um wagneriano tardio, um “romântico enfim” – o que é a pior das injúrias hoje, como sabemos. A verdade é que não querem ouvi-lo, porque pressentem um perigo. Sob este ponto de vista, parece que se Paris repele obstinadamente Scriabin, enquanto Berlim e Londres o acolhem, é porque a França após a Guerra é a fortaleza do espírito anti-revolucionáro.
Mas o que significam esses termos, “revolucionário”, “anti-revolucionário”, no domínio musical? Não se trata aqui de fazer de Scriabin um bolchevique. Tendo conhecido pessoalmente o compositor, creio que ele estaria hoje entre os emigrados, como Prokofiev, e que o comunismo russo teria nele um inimigo irredutível. Quando pretendo que Scriabin era um revolucionário, quero dizer que o espírito que anima suas obras, as tendências desta obra, a concepção que o compositor faz da arte, da vida, os meios que utilizava, os objetivos perseguidos, tudo estava em contradição essencial com o espírito e as realizações da arte ocidental.
O autor do Poema do Êxtase não deve nada à escola nacionalista russa, aos “Cinco”; ele aparece à primeira vista, por seu vocabulário sonoro, como um europeu. É a falha percebida por alguns críticos, que buscam exositmo. Ora, exótico ele é, mas em um outro plano: este europeu refinado ataca as próprias bases da cultura estética ocidental. O “extatismo”, a exaltação mística, o entusiasmo heróico dessa alma bêbada são a negação mesma do espírito realista, do espírito de ordem, de medida e de compromisso ao qual se aspira em Europa após a terrível tormenta da Guerra.
Como sabemos, e o artigo acima mostra bem, Scriabin construiu um mundo próprio no começo do século XX, distante dos consenso das vanguardas europeias, e por isso mesmo revolucionário, em obras para piano como a Sonata nº 9 “Missa Negra”, o místico Prometeu para piano e orquestra, sem falar na obra inacabada Mysterium, que deveria incluir música, efeitos visuais, incenso e dança.
Antes, na década de 1890, Scriabin já criava uma música altamente cromática, mística, mas ainda de forma mais convencional, imitando um pouco Chopin em mazurkas e noturnos para piano. Imitou também Chopin e Liszt em Estudos de enormes exigências técnicas, com sustenidos e bemóis pra todos os lados. Mas talvez sua mais sublime imitação de Chopin tenha sido ainda na juventude, com seus Prelúdios Opus 11, que são 24, com tons maiores e menores se alternando da mesma forma que nos prelúdios do polonês.
Enquanto no CD recém postado de Rachmaninoff, a pianista turca Idil Biret usava muita força no piano para fazer aqueles sons de sinos que o compositor pede, aqui, o pianista GIeseking toca Scriabin com todo o mistério, a sutileza e a delicadeza que este compositor merece… mas sem medo de usar a força em alguns prelúdios específicos, como os de nº 19 e 24.
Alexander Scriabin (1871-1915): 24 Prelúdios Opus 11
Walter Gieseking – piano
BAIXE AQUI – Download here (mp3)
Pleyel e o piano russo, parte 2
Son de una delicadeza femenina (Sin discriminación a Scriabin)
Sim!
(há mulheres e mulheres, não é? mas não vamos problematizar demais, que o fim de semana tá chegando e a cerveja tá gelada)