Este é um disco de música barroca italiana que se baseia em três concertos escritos para Chiara, mas também para outras destacadas violinistas do Ospedale della Pieta, com os quais Vivaldi esteve especialmente associado. Há dois concertos de Vivaldi aqui, mas também de vários outros compositores. Chiara coletou essas peças em seu diário – daí o título do disco. O que torna este CD especial é a Europa Galante e Fabio Biondi. Eles são sensacionais. Brilham nos movimentos mais vivos, mas também trazem beleza e emoção nos movimentos mais lentos. A interpretação é vigorosa, apaixonado e reflexiva, conforme o apropriado em cada momento.
Mas quem eram estas meninas do Ospedale? O Ospedale della Pietà é uma casa fundada em 1346 pelo governo de Veneza a fim de receber meninas órfãs ou abandonadas, que muitas vezes lá permaneciam por toda a vida, caso não fossem adotadas. Meninos eram aceitos apenas temporariamente, devendo partir aos 16 anos após aprenderem ofícios simples como carpintaria.
O Ospedale tinha a chamada Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados. Tais mecanismos ficavam nas fachadas de instituições religiosas, embutidas na parede, dando para a rua. Consistiam em mecanismos utilizados para abandonar os recém-nascidos indesejados, que assim ficavam ao cuidado da instituição. O mecanismo era uma caixa cilíndrica que girava sobre um eixo vertical com uma portinhola ou apenas uma abertura. Quem desejava abandonar um recém-nascido, colocava ali seu filho e girava o cilindro, dando meia volta. Desta forma, quem abandonava a criança não era visto por quem a recebia. As rodas também serviam para que pessoas piedosas oferecessem anonimamente alimentos e medicamentos a tais casas. As crianças eram normalmente filhas de pessoas pobres, para quem seria um peso receber mais uma boca para alimentar, ou filhas de mães solteiras, nobres ou burguesas, que não desejavam ver descoberta sua gravidez.
Muitas mães que entregavam seus filhos a tais instituições ofereciam-se depois como amas-de-leite e talvez amamentassem a própria filha ou filho.
As meninas eram abandonadas em maior número do que os meninos. A causa é bastante óbvia. Os meninos representariam uma força futura de trabalho produtivo e possibilidade de lucro, enquanto a ideia do sexo feminino como investimento ou lucro não existia. Tais instituições eram planejadas como moradias temporárias, mas frequentemente tornavam-se lugar definitivo. No orfanato, havia a garantia de alimentação, educação e cama.
Como o Ospedale della Pietà era um convento, orfanato e escola musical para mulheres, lá havia uma orquestra. A fama da orquestra de meninas era imensa e os concorridos concertos eram assistidos pela aristocracia veneziana e estrangeira. Havia todo um mistério, pois os concertos eram realizados atrás de um biombo que impedia que a plateia visse as intérpretes. Jean-Jacques Rousseau, de passagem por Veneza, assim descreveu sua impressão dos concertos e das intérpretes. Peço-vos que perdoem a falta de correção política do parágrafo de Rousseau.
“Não posso conceber nada mais voluptuoso, nada mais emocionante do que esta música. Desejava ver quem eram estas meninas exiladas, de quem apenas sua música atravessava as grades, as quais certamente ocultavam anjos adoráveis. Um dia comentei o fato na casa de um rico senhor veneziano. ‘Se estais tão curioso para ver estas mocinhas, posso facilmente satisfazer-vos a vontade. Sou um dos administradores da casa, e vos convido a lanchar com elas’, disse-me. Quando me dirigia com ele à sala que abrigava as desejadas beldades, senti tamanha agitação de amor como jamais experimentara. Meu guia apresentou-me uma após outra àquelas afamadas cantoras e instrumentistas, cujas vozes, sons e nomes já me eram todos conhecidos. ‘Vem, Sofia’… Ela era horrenda. ‘Vem, Cattina’…. Ela era cega de um olho. ‘Vem, Bettina’… A varíola a havia desfigurado. Mal haveria uma ou outra sem qualquer defeito considerável. Duas ou três eram apresentáveis. Fiquei desolado. Durante o encontro, elas se alegraram. Encontrei charme em algumas delas. Finalmente minha maneira de as considerar mudou tanto que quase me enamorei daquelas meninas disformes.”
Sim, é claro que as famílias também colocavam na Roda dos Expostos alguns de seus filhos que tivessem nascido com alguma deformidade física, mas o mais importante é acentuar o fato de que Vivaldi, projetava e providenciava instrumentos especiais para que estas meninas pudessem tocar.
Il diario di Chiara – Music from La Pieta in Venice in the 18th Century
Giovanni Porta
Sinfonia in D Major (rev. F. Biondi)
1 I. Allegro 1:38
2 II. Largo 1:49
3 III. Allegro 1:24
Antonio Vivaldi
Sinfonia for Strings in G Major, RV 149
4 I. Allegro molto 1:54
5 II. Andante 1:35
6 III. Allegro 3:01
Nicola Porpora
Sinfonia da camera in G Major, Op. 2, No. 1
7 I. Adagio 1:49
8 II. Allegro 4:17
Antonio Vivaldi
Oboe Concerto in F Major, RV 457 (arr. for violin and orchestra)
9 I. Allegro 4:42
10 II. Andante 3:45
11 III. Allegro 3:55
Antonio Martinelli
Concerto for Viola d’amore and Strings in D Major, “Per la S.ra Chiaretta”
12 I. Allegro assai 4:14
13 II. Adagio 3:06
14 III. Allegro 3:58
Antonio Martinelli
Violin Concerto in E Major, “Dedicato all S.ra Chiara” (rev. F. Biondi)
15 I. Maestoso 6:30
16 II. Grave 3:06
17 III. Allegro spiritoso 4:40
Gaetano Latilla
Sinfonia in G Major (rev. F. Biondi)
18 I. Allegro 2:11
19 II. Mezza voce andantino 3:06
20 III. Presto 4:40
Fulgenso Perotti
Grave for Violin and Organ in G Minor (from “Il Diario di Chiara”)
21 I. Adagio 2:56
Andrea Bernasconi
Sinfonia in D Major (rev. F. Biondi)
22 I. Allegro 2:09
23 II. Andantino 2:59
24 III. Presto assai 1:43
Europa Galante
Fabio Biondi
PQP
caro PQP, estava ouvindo este CD e editando as tags, quando vi que as faixas de 9 a 11 são de fato o que esta no arquivo baixado (Concerto for Violin in B flat major RV 372 ‘Per la S.ra Chiara’) e nao o que esta nesta pagina como Oboe Concerto in F Major, RV 457 (arr. for violin and orchestra).
certamente um erro de digitacao (acho) que talvez, com tempo, possa ser reeditado.
abraços