Quando no ano de 1953 o célebre diretor Akira Kurosawa encomendou ao seu jovem amigo o compositor Fumio Hayasaka a trilha sonora para o seu filme Os Sete Samurais, o compositor, diante de tão honorável solicitação, correu para o piano e dedilhou um breve tema, anotando-o ligeiramente num fragmento de pentagrama. Insatisfeito, amassou o papel e o atirou à cesta de lixo. Cerrando os olhos por trás dos seus possantes óculos, respirou fundo e se pôs a conceber uma sucessão de temas, até formar uma considerável pilha de papéis de música. Satisfeito, convocou Kurosawa para exibir a sua criação. O compositor tocou para ele um tema após o outro. Kurosawa, cabisbaixo, abanava a cabeça recusando cada um deles. O compositor, vendo a pilha de temas se extinguir sem qualquer resultado positivo, desesperadamente acorreu à cesta de lixo, catou no fundo o fragmento que lá havia atirado e tocou o que lá anotara. O ‘Shogun do Cinema’ ergueu a fronte, arregalou os olhos nipônicos e apontando imperativamente, grunhiu: “É isto!”. Era o icônico tema dos Sete Samurais, que pode ser ouvido a princípio na faixa 2, ressurgindo com diferentes arranjos.
Certos filmes revisito quase que religiosamente. Filmes como Todas as Manhãs do Mundo e O Sétimo Selo; outro é Os Sete Samurais (1954). A saga dos heroicos ronins que se sacrificam na defesa de uma pobre aldeia de camponeses. Com marcantes atuações, especialmente de Toshiro Mifune, no papel do espalhafatoso, histriônico e destemido Kikuchiyo. O filme, repleto de grandes e antológicos momentos, como a soberba batalha final, mescla a teatralidade típica do cinema japonês (cujas raízes remontam ao teatro tradicional) com elementos do cinema ocidental, o que é bastante típico na obra de Kurosawa. Esta mescla de elementos também caracteriza a obra musical de Fumio Hayasaka.
Hayasaka nasceu em Sendai, ilha de Honshu, em 1918. Em 1918 sua família mudou-se para Sapporo, ilha de Hokkaido. Em 1933, junto com o também compositor Akira Ifukube (autor das trilhas de Godzilla), organizou festivais de música. Hayasaka recebeu diversos prêmios por seus trabalhos de caráter erudito. Em 1939 mudou-se para Tokyo para se dedicar às trilhas sonoras. No início da década de 40 era conhecido como um grande compositor japonês de cinema. Em 1950 fundaria a Associação de Música de Cinema e seria também o mentor de famosos nomes como Masaru Sato e Toru Takemitsu. Dos filmes de Kurosawa para os quais trabalhou, Rashomon (1950) teve especial significado. Foi premiado com o Leão de ouro de Veneza e foi o primeiro filme japonês a ser amplamente visto no ocidente. Para esta película, Hayasaka compôs algo inspirado no Bolero de Ravel. Em seus últimos anos, em plena atividade, trabalhou também para premiados títulos de Kenji Mizoguchi. Os Sete Samurais foi a maior produção cinematográfica em seu tempo no Japão e, dos filmes para os quais Hayasaka compôs, foi o que mais o notabilizou para a posteridade. Sobre sua relação para com a música em seus filmes e sobre o trabalho de Hayasaka, disse Kurosawa: “Eu mudei meu pensamento sobre o acompanhamento musical a partir do momento que Fumio Hayasaka começou a trabalhar comigo como compositor nas trilhas sonoras dos meus filmes. A música de cinema na época não era nada mais do que um acompanhamento – para uma cena triste, havia sempre música triste. Esta é a maneira que maioria das pessoas usam a música, e é ineficaz. Mas a partir do filme Drunken Angel em diante, eu usei música leve para algumas cenas tristes, e minha maneira de usar a música diferiu da norma; eu não a ponho da maneira que a maioria das pessoas fazem. Trabalhando com Hayasaka, comecei a pensar em termos de o contraponto de som e imagem, em oposição à união de som e imagem”.
Infelizmente sua amizade com Kurosawa não foi mais duradoura devido a sua morte prematura em 1955, aos 41 anos, vitimado pela tuberculose. Sua morte afetou profundamente o diretor, lançando-o em um dos seus períodos de depressão, que mais tarde o levariam a tentativas de suicídio. Ainda Kurosawa: “Ele era um bom homem. Nós trabalhamos tão bem juntos porque a nossa própria fraqueza era a força do outro. Era como se ele, com seus óculos, fosse cego; e como se eu fosse surdo. Nós estivemos juntos dez anos e depois ele morreu. Não foi só a minha perda. Foi uma perda da música também. Você não encontra uma pessoa como essa duas vezes em sua vida.”
A qualidade sonora poderá desagradar a muitos, talvez a própria trilha também, por diversas razões. Talvez algumas trilhas que nos agradam estejam indissociavelmente ligadas ao nosso afeto pelos filmes e não sobreviveriam ao nosso gosto se deles estivessem dissociadas. Particularmente falando gosto muito de toda a trilha, especialmente da primeira faixa, de abertura do filme. Uma rústica peça para percussões tradicionais japonesas. Impressionante e ao meu ver – e ouvir – perfeita para o espetáculo que irá se desenrolar. Outra faixa genial é a 27 (Tryst). Um minuto e três segundos de pura beleza, uma peça para Koto e flauta que sem dúvida deixaria Debussy encantado. Gostaria de dedicar esta postagem à Sra. Taeko Kawamura, amante da música e amiga de facebook que há meses se ausentou de nossas páginas sem quaisquer notícias.
Fumio Hayasaka (1918-1955): The Seven Samurai Original Film Soundtrack
- The seven samurai main title
- To the little watermill
- Samurai search
- Kambei, Katsushiro, Kikuchiyo’s mambo
- Rikichi’s tears white rice
- Two search for samurai
- Six samurai
- Extraordinary man
- Morning departure
- Wild warrior’s coming
- Seven man completed
- Katsushiro & Shino
- Katsushiro come back
- In the forest of the water god
- Wheat field
- Interlude
- Harvesting
- Rikichi’s trouble
- Heihachi & Rikichi
- Farm village scenery
- Weak insects into samurai ways
- Foreboding of bandits
- Flag from the seven samurai
- Sudden confrontation
- Magnificent samurai
- Kikuchiyo’s rises to the occasion
- Tryst
- Manzo & Shino
- Rice planting song
- Seven samurai ending
Wellbach
Domingo (29.05) fui assistir o filme “O intendente Sansho” de Kenji Mizoguchi, com trilha sonora de Hayasaka. Excelente filme, excelente trilha também.
A Cinemateca Brasileira aqui em São Paulo está exibindo uma mostra de cinema e exposição chamada “O ESPÍRITO DO BUDÔ a história das artes marciais no Japão”.
Nossa, deve ser um festival formidável, quem estiver em SP, aproveite!