Texto original: 03 de maio de 2010.
Quando o Ranulfus apontou, sem nenhum disparate, semelhanças do concerto duplo de Nyman (postado abaixo) com sonoridades da música armorial, foi porque reconheceu instintivamente no compositor britânico a base modal que ele utilizou para a criação dos temas (fora a orquestração, que se não for coincidência, é referência direta e consciente – mas isso não temos dados para apontar).
A música folk modal das ilhas britânicas tem parentesco direto com as do norte da Península Ibérica devido ao passado céltico comum – e isso só fui pesquisar depois ter ouvido essa obra que ora vos posto.
Armorialis é uma peça concertante para viola, violoncelo e orquestra estreada no Recife, no Festival Virtuosi 2007, em um concerto-homenagem aos 80 anos de Ariano Suassuna (no qual estive porque eram minhas férias e quis fugir do agito carioca) que contou com a première de quatro partituras encomendadas para a ocasião, entre elas o Frevo n° 2 de Marlos Nobre.
Se os acordes iniciais da harpa – e a própria presença da harpa, fazendo o topos musical se deslocar do Medievo ibérico para a Renascença inglesa (daí a cara mais de Vaughan Williams do que de Antonio Nóbrega e Cussy de Almeida) – já foram algo inusitado, mais ainda foram as seções meio ataranteladas que entrecortam os solos apaixonados de viola e violoncelo (com o perdão das simplicações descritivas – tenho muita coisa pra dar conta ainda esta madrugada).
De fato, o impacto da estreia de Armorialis foi excelente. Lembro-me de um amigo ter dito que a peça foi composta menos de um mês e não deu trabalho a Eli-Eri Moura (“ele quis fazer uma peça que se tocasse sozinha, para não dar trabalho a maestro nenhum, segundo as palavras dele”), além de refletir uma preocupação (preocupação no bom sentido) de não imitar o estilo já empoeirado da Orquestra Armorial.
Só uma advertência: essa gravação não teve uma captação de som das melhores, mas dá muito bem pro gasto.
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Armorialis
I. Romance
Orquestra Sinfônica Virtuosi, regida por Rafael Garcia
Viola: Rafael Altino
Violoncelo: Leonardo Altino
CVL
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Update, em 14 de junho de 2010: acabei de receber um e-mail com a filmagem da segunda audição mundial de Armorialis, no último dia 02, em João Pessoa-PB.
A afinação dos solistas já estava comprometida no terceiro movimento, e os dois primeiros movimentos tiveram um andamento mais lento (o primeiro movimento dá pra comparar com o áudio disponibilizado aqui), fora que a câmera de vídeo não tinha como captar bem a harpa e os contrabaixos, mas foi uma boa gravação e que certamente vai abrir as portas para novas execuções pelo país.
(Acabei de receber novo e-mail, comentando que o compositor disponibiliza a grade e as partes solistas para qualquer orquestra interessada.)
I. Romance
II. Incelença
III. Desafio
Orquestra Sinfônica da Paraíba, regida por Luiz Carlos Durier
Viola: Savio Santoro
Violoncelo: Paulo Santoro
CARÁCULUS, Cícerus!! Ranulfus te salutat!! Sim sim sim sim sim!! Que ESPLÊNDIDA surpresa! O Eli-Eri já foi uma das mais belas surpresas que este blog já me deu, ano passado, e agora vem mais dele, e neste contexto!
Bom, eu não tenho dúvida das nossas conexões celtas – PortuGAL é PortuGALO, PortuKELT, PortuCELTA. E onde você acha gaita de foles – da Galácia dos gregos à Gales e à Galicia, tem celta no meio.
Mas nessa música das rabecas nordestinas tem ainda uma outra coisa, que soa mais sofrida, que é puxada rasgando… na qual eu sinto Mediterrâneo. Ilhas pedregosas. Costas semi-áridas. Cabras. Conexões mouras & até mesmo de um Israel remotíssimo… E no doido do Nyman eu ouvi também DISSO: um som de lugar seco, e não daquelas ilhas enxarcadas onde o verde é mais verde que o verde mais verde que existe…
Por isso não desdigo nada do que você disse… assino embaixo… mas continuo suspeitando que o Nyman também ouviu sons chegando de um pouquinho mais longe que as ilhas do canal!
(PS: e ao mesmo tempo o Carlinus me vem com a minha amada Sinfonieta do Janacek que me roubaram em 1990… Nem sei o que baixar primeiro! E hoje nem é meu aniversário!!!)
Penso ainda que a música folclórica é a maior herança comum dos povos europeus, coisa muito mais antiga e natural que uma iniciativa monetária como o Euro.
Verdade, Ranulfus. Todo mundo acha que gaita de foles é algo escocês mas tem em metade da Europa, bem dizer. E você não está errado nas suas impressões sobre a música moura e hebraica: essa é que é a raiz mais forte da música ibérica e, por entexsão, armorial – a mais encoberta é a celta.
QUE POST LEGAL!!! Já baixei!!! 🙂
O anacronismo não me impediu de apreciar esta bela e interessante obra. Muito obrigado.
Olá, será que vocês poderiam disponibilizar as músicas do Eli-Eri Moura no Rapidshare? agradeçido
Henrique