Hoje acordei com vontade de fazer uma coisa diferente e legal. Então, peguei uma obra-prima, o Quarteto Nº 8 de Dmitri Shostakovich, numa gravação bastante boa (talvez a mais “visceral” que conheça, por assim dizer), a do Medici String Quartet, e postei no mesmo arquivo o arranjo que Rudolf Barschai fez para orquestra de câmara do mesmo quarteto. Ou seja, há duas vezes a mesma música, só que em concepções inteiramente diferentes. A leitura do Medici chega a ser agressiva perto do tranqüilo andamento escolhido pelo regente Roland Melia na gravação para orquestra. E são as mesmas notas da mesma obra.
Música extraordinária e bem característica de Shostakovich, onde estão presentes a dança brutal do Allegro Molto, o delicado sarcasmo do Allegretto, a delicadeza do Largo de abertura e a profunda inteligência da construção musical dos dois últimos Largos, o último revisitando o primeiro. Um espanto!
Mas aqui não quero mostrar somente a obra. Desejo mostrar um dos fatos mais apaixonantes da música erudita: a diversidade de interpretações e concepções. O Medici leu a obra de uma forma e o regente X o fez de forma inteiramente diferente. Claro que, aqui, a diferente sonoridade do quarteto e da orquestra serve como mais um elemento distintivo. E as duas formas são aceitáveis e têm indiscutíveis méritos. Notem como o Medici leva 5min22 para executar o primeiro movimento e a orquestra o faz em 6min52! E como as três notas que marcam o quarto movimento são muito mais expressivas quando executadas com maior lentidão.
Um dia, li este post no blog de Milton Ribeiro. É, penso, uma tentativa de explicação do fenômeno das leituras:
Uma Parábola Longa
Numa noite fria do século XVIII, Bach escrevia a Chacona da Partita Nº 2 para violino solo. A música partia de sua imaginação (1) para o violino (2), no qual era testada, e daí para o papel (3). Anos depois, foi copiada (4) e publicada (5). Hoje, o violinista lê a Chacona (6) e de seus olhos passa o que está escrito ao violino (9) utilizando para isso seu controverso cérebro (7) e sua instável técnica (8), . Do violino, a música passa a um engenheiro de som (10) que a grava em um equipamento (11), para só então chegar ao ouvinte (12), que se desmilingúi àquilo.
Na variação entre essas passagens e comunicações, está a infindável diversidade das interpretações.
Mas ainda faltam elos, como a qualidade do violino – e se seu som for divino ou de lata, e se ele for um instrumento original ou moderno? E o calibre do violinista? E seu senso de estilo e vivências? E o ouvinte? E… as verdadeiras intenções de Bach? Desejava ele que o pequeno violino tomasse as proporções gigantescas e polifônicas do órgão? Mesmo?
Há coisas que só mesmo em P.Q.P. Bach…
String Quartet No. 8 in C minor, Op. 110
Performed by: Medici String Quartet
I. Largo 05:22
II. Allegro molto 02:58
III. Allegretto 04:09
IV. Largo 05:07
V. Largo 04:17
String Quartet No. 8 in C minor, Op. 110 / (Chamber Symphony, arr. Rudolf Barschai)
Performed by: Dalgat String Ensemble
Conducted by: Roland Melia
VI. Largo 06:52
VII. Allegro molto 03:12
VIII. Allegretto 05:07
IX. Largo 06:06
X. Largo 04:52
Parabéns pela super-postagem. Uma esplêndida aula. Um blog desses eleva a internet.
Genial. É a mesma coisa e não é. Demonstrado!Delci Brandão
Ainda não acredito que achei essa mina de ouro…
Hmm, o quarto movimento, Largo, na versão da orquestra de cordas, veio corrompido. Não sei se é o meu computador ou não… irei baixar mais uma vez e verificar o que pode ter acontecido.
Abraços!
Eu baixei o arquivo novamente e desta vez está tudo ok, deve ter sido algum problema no meu computador.
Fica uma dica aos estudantes: hoje, dia 3 de junho, o compositor Penderecki irá reger algumas peças suas, além da serenata para cordas de Dvorak e desta sinfonia de câmara do Shostakovich, no Cultura Artística, aqui em São Paulo, as 21h. Apareçam uma hora antes do concerto munidos de suas carteirinhas de estudante e RG e uma nota de dez reais.
Grande abraço a todos!
Muito importante essas informações. Obrigado!