A Capela do Rei Magnânimo – Francisco António de Almeida (c.1702-1751), Carlos de Seixas (1705-1742), Domenico Scarlati (1685-1757), Bernardo Pasquini (1637-1710), Giovanni Battista Basseti (séc. XVIII) e João Rodrigues Esteves (c.1700-1751) [link atualizado 2017]

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A 22 de Outubro de 1730, El-Rei D. João V, conhecido como “Rei Magnânimo”, celebrou, mais uma vez, os seus anos. Não iria ser, contudo, um aniversário qualquer, uma vez que seria o primeiro e principal dia de uma semana de cerimónias e celebrações que fizeram parte da sagração da nova Basílica de Mafra, centro eclesiástico de um palácio-convento já em construção havia uns treze anos e que iria ser completado ao longo de mais vinte.
Os detalhes deste primeiro dia, bem como dos dias que se seguiram, foram descritos pelo Mestre de Cerimónias, Frei João de São José do Prado, no seu Monumento Sacro da fábrica, e solemnissima sagração da Santa Basílica do Real Convento de Mafra (Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1751). Iniciou-se pelas 5 horas da manhã, com a chegada do Rei, acompanhado por um toque de trompetes, terminando à noite, após a conclusão da Missa de encerramento. No decorrer deste dia extenso, respeitou-se rigorosamente, em todos os seus pormenores, o rito de sagração tal como estabelecido no Pontificale Romanum, livro oficial litúrgico das cerimónias presididas por bispos, não omitindo nada e inserindo, às horas certas, os Ofícios diários.
Foi esta cerimónia que o concerto de abertura do II Festival Internacional de Música de Mafra (1998) procurou, em parte, reconstituir – uma versão bastante reduzida, com duração de apenas duas horas e meia, usando música que se pode supor ter sido executada, com alguma justificação, nas duas capelas que o monarca mantinha, como Rei – a Capela Real, em Lisboa – e como Duque de Bragança – a Capela Ducal, em Vila Viçosa. Apesar de todos os pormenores litúrgicos e musicais incluídos, Frei João omite qualquer menção acerca do compositor de qualquer das obras em questão. As composições gravadas neste disco baseiam-se numa selecção de entre as incluídas nessa reconstituição.
O estabelecimento da paz, bem como o início do abastecimento de metais preciosos provindos do Brasil, criou a D. João V uma prosperidade estável de que o país não gozava havia quase duzentos anos. A sua própria propensão religiosa, juntamente com o seu amor pelas artes, em especial pela música, conduziu-o a criar infra¬-estruturas que permitiram um verdadeiro florescimento da música sacra. Em 1713, fundou o Seminário Patriarcal, a primeira escola de música da capital, com a intenção de formar jovens músicos para as igrejas do país. Em 1715, introduziu-se na Capela Real o Rito Romano, tendo sido esta instituição elevada, no ano seguinte, à dignidade de Sé Patriarcal e Metropolitana. A esta elevação de estatuto correspondeu uma elevação na música exigida pelo Rei. Em 1719, Domenico Scarlatti (1685-1757), então Mestre de Capela da Capella Giulia em Roma, foi nomeado para este cargo na Capela Real de Lisboa. Iria continuar a desempenhar esta função até à sua partida para Espanha, no início de 1729, no séquito da Infanta Maria Barbara.
A música das Capelas do monarca era bastante variada. Uma parte substancial cantava-se simplesmente em Canto Gregoriano. O Rei apreciava igualmente o canto a cappella – Palestrina, Victoria e, entre os compositores portugueses, Fernando de Almeida, Mestre de Capela no Convento de Tomar uns cem anos antes. Seria, porém, um erro grave considerar D. João V como conservador. De facto, a nomeação de Scarlatti demonstrou o seu empenho no que respeita às tendências musicais actuais, bem como as bolsas de estudo que atribuiu a novos músicos promissores para que aperfeiçoassem os seus estudos em Roma. Já na década de 1730 o seu investimento se revelava proveitoso, como evidenciam de forma admirável João Rodrigues Esteves (c. 1700-1751), Francisco António de Almeida (c. 1702-c. 1755) e António Teixeira (1707-após 1770), nas suas obras que sobreviveram ao devastador terramoto que atingiu Lisboa em 1755.
Todas as obras corais seleccionadas para este disco exemplificam estas tendências modernas, sendo todas acompanhadas por um baixo contínuo e, com excepção da Missa, no chamado estilo concertato. isto e, com solos que contrastam com o coro.
O motete de Francisco António de Almeida, In dedicatione templi, como indica o seu titulo, deve ter sido composto para uma cerimónia de sagração. Dividido em quatro secções, a primeira, para coro, é constituída por um andamento alegre em ritmo ternário, e a segunda, igualmente para coro, por uma fuga A terceira e um dueto para soprano e contralto, sendo a quarta uma repetição da segunda O texto verbal do dueto é derivado do responsõrio Fundata est domus, o qual se encontra no inicio da liturgia da sagração, durante a primeira aspersão do exterior da igreja Este facto sugere que o motete de Almeida teria sido destinado para a abertura de tal cerimónia.
A versão de Domenico Scarlatti do Salmo 121, Laetatus sum, é uma obra extensa em várias secções. O Allegro que inicia o Salmo utiliza o coro e dois solistas (soprano e contralto). Seguem-se uma secção em forma de fuga, apenas para o coro, e outra mais breve, em ritmo ternário, para coro e solistas. O Gloria começa com uma curta e sustentada secção para o coro, antes de um Allegro final para solistas e coro onde surgem as palavras Sicut erat in principio (“Como era no principio”). Como acontece com alguma frequência, esta última secção volta a utilizar material temático da primeira parte da obra – um trocadilho no significado do texto verbal. (O Magnificat de J. S. Bach providencia um exemplo melhor conhecido desta convenção.) Na liturgia da Sagração, este salmo destina-se a acompanhar a primeira aspersão das paredes interiores do edifício.
Ignora-se qualquer informação sobre o compositor italiano Giovanni Battista Bassetti. Contudo, o número de manuscritos existentes das suas Vésperas (Biblioteca Nacional, Lisboa; Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa; Paço Ducal, Vila Viçosa) indica que estas composições eram bastante estimadas. Para além disso, esta suposição encontra-se reforçada por referências aos salmos deste conjunto no Breve Rezume, uma descrição manuscrita (na Bibilioteca do Palácio da Ajuda, Lisboa), aparentemente proveniente da década de 1730, do que se cantava habitualmente na Capela Real. A versão de Bassetti do Salmo Lauda Jerusalem destina-se a quatro solistas e coro. É constituída por duas secções ligadas sem intervalo: o Salmo propriamente dito, em que existe uma alternância entre o coro e os solistas, e o Gloria, apenas para o coro. Durante a liturgia da sagração, canta¬-se este salmo durante a unção das paredes.
A cerimónia de sagração termina com uma Missa. A versão de João Rodrigues Esteves destina-se a oito vozes, divididas em dois coros de quatro vozes cada Os cinco andamentos habituais (Kyrie; Gloria; Credo; Sanctus e Benedictus; Agnus Dei) evidenciam um domínio das técnicas que o compositor aprendera em Roma, bem como um grande dom na combinação de magnificência e intimidade.
O Breve Rezume mostra-nos de forma bastante clara o que se cantava na Capela Real na década de 1730, e uma série de livros de coro em Vila Viçosa indica o repertório da Capela Ducal. No entanto, não possuímos fontes comparáveis no que diz respeito à música de órgão executada. Na ausência de indícios, as obras escolhidas para a reconstituição da sagração realizada em Mafra e, assim, para este disco procuram reflectir as mesmas tendências: música de compositores portugueses então vivos – nesta instância, Carlos Seixas (1704-42) -, de compositores italianos dos cem anos anteriores – dos quais Bernardo Pasquini (1637-1710) é o representante -e de compositores nacionais do século XVII (dois exemplos anónimos).
(texto do organista David Cranmer – extraído do encarte do CD)

Ouça! Ouça! Deleite-se!

A CAPELA DO REI MAGNÂNIMO
Música Sacra Portuguesa do Século XVIII.

Francisco António de Almeida (c.1702 – 1751)
01. In Dedicacione Templi
José António Carlos de Seixas (1705 – 1742)
02. Sonata nº 75 em lá menor, I. Largo
03. Sonata nº 75 em lá menor , II. Minuete
Domenico Scarlati (1685 – 1757)
04. Laetatus Sum
Bernardo Pasquini (1637 – 1710)
05. Sonata em dó menor
Giovanni Battista Basseti (séc. XVIII)
06. Lauda Jerusalem
Anónimo (séc. XVIII)
09. Fantasia de 5º tom
08. Obra de 2º tom
João Rodrigues Esteves (c.1700 – 1751)
09. Missa a 8 vozes, I. Kyrie eleison
10. Missa a 8 vozes, II. Gloria in excelsis Deo
11. Missa a 8 vozes, III. Credo in unum Deum
12. Missa a 8 vozes, IV. Sanctus – Benedictus
13. Missa a 8 vozes, V. Agnus Dei

Coro de Câmara de Lisboa
David Cranmer, órgao
Teresita Gutierrez Marques, regente
Lisboa, 2000

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Interior da Basílica de Mafra por Paulo Teixeira

Bisnaga