Alma Latina: Les Routes de l’Esclavage – Hespèrion XXI, Savall

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Repostagem com novos links, agregando no arquivo o encarte completo (540 páginas), compartilhado pelo ilustre João Ferreira. Valeu, João!

Postagem marcando o retorno do Bisnaga, depois de quase dois anos sem postar

Eita! Jordi Savall e seu toque de Midas…
E como fazer de uma longa história de opressão e sofrimento uma coisa bela?

Savall já vem há alguns anos trabalhando com temas de música mais antiga e mais periférica para os domínios europeus: música cipriota, música armênia… Aqui o maestro e violista catalão avança pelo universo da África e o que a une à Europa e à América: infelizmente, a escravidão… Seguindo o rastro da maior imigração forçada da história, coleta aqui e ali relatos, leis, decretos, mostrando a visão oficial, e canções, ritmos e danças, apresentando o outro lado, o da resistência dos negros levados às colônias de todo o continente americano, episódio terrível da nossa história e da história de tantos povos desses três continentes ligados pela escravidão…

De um lado, o álbum trata dos horrores da escravidão:

Uma das grandes coisas que se vêm hoje no mundo, e nós pelo costume de cada dia não admiramos, é a transmigração imensa de gentes e nações etíopes, que da África continuamente estão passando a esta América. (…) Já se, depois de chegados, olharmos para estes miseráveis, e para os que se chamam seus senhores, o que se viu nos dois estados de Jó é o que aqui representa a fortuna, pondo juntas a felicidade e a miséria no mesmo teatro. Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os, como deuses; os senhores em pé, apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás, como imagens vilíssimas da servidão e espetáculos da extrema miséria. Oh! Deus! quantas graças devemos à fé que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que à vista destas desigualdades, reconheçamos, contudo, vossa justiça e providência. Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem, como os nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os aquenta o mesmo sol? Que estrela é logo aquela que os domina, tão triste, tão inimiga, tão cruel? (Padre Antonio Vieira – Sermão Vigésimo Sétimo – trecho que é recitado, reduzido, na faixa 10)

… Do outro, a beleza que reside justamente na resistência (e talvez aqui esteja uma parte da resposta), na insistência dos povos africanos transplantados para as Américas e aqui misturados em suas etnias e credos, de celebrar a vida, de zombar dos patrões, de cantar a sua crença ou as crenças que forçosamente aprendeu. O álbum então se enche das misturas, das festas e das danças dos negros que chegaram aqui e dos que ficaram no continente natal, num envolvente colorido musical, tão bem lapidado e acabado, como era de se esperar das produções dirigidas pelo velho Savall.

É uma produção de vulto, patrocinada pela UNESCO: um verdadeiro livro multilígue de 540 páginas em francês, inglês, castelhano, catalão, alemão e italiano (eu escaneei os dados gerais e a parte em castelhano para vocês, já que não há texto em português, por ser a língua mais próxima da nossa e a Espanha ser o segundo país que mais acessa o PQPBach – ainda assim, deu 105 páginas!). Possui um DVD com filmagem do concerto e 2 CDs com os mesmos áudios (disponibilizo aqui os CDs). O encarte ainda traz, além das letras das músicas, pequenos artigos sobre o trabalho forçado escritos por antropólogos e sociólogos, uma cronologia do trabalho escravo no mundo e um Índice Global da Escravidão em 2016 da UNESCO. Informações ricas, importantes e chocantes sobre a realidade da servidão.

O resultado é grande, abrangente e muito equilibrado, com pesquisadores, musicólogos e músicos de França, Mali, Madagascar, México, Colômbia, Brasil (uhú!), Argentina, Venezuela e Espanha. O som é riquíssimo, como é a cultura africana, redondo: há um discurso muito bem alinhavado e coerente de cada récita para cada música. Enfim, um material de grandissíssima qualidade, que leva inexoravelmente o selo de IM-PER-DÍ-VEL !!!

Ouça! Ouça ! Deleite-se!

Um teaser do álbum, pra vocês terem uma ideia:

Les Routes de l’Esclavage
As Rotas da Escravidão

Aristóteles (Estagira, Grécia, 384 a.C. – Cálcis, Grécia, 322 a.C.)
01. Recitado: 400 a.C. L’humanité est divisée en deux: Les maîtres et les esclaves.
Anônimo (Portugal)
02. Recitado: 1444. La 1ère cargaison africaine, avec 235 esclaves, arrive à l’Algarve
Tradicional (Mali)
03. Djonya (Introduction) Kassé Mady Diabaté voix
Mateo Flecha, el Viejo (Prades, Espanha, 1481 – Poblet, Espanha, 1553) / Tradicional (México), Son jarocho
04. La Negrina / Gugurumbé
Tradicional (Brasil – rec. por Lazir Sinval)
05. Vida ao Jongo (Jongo da Serrinha)
Fernando II de Aragão (Aragão, 1452 – Granada, 1516)
06. Recitado: 1505. Le roi Ferdinand le Catholique écrit une lettre à Nicolas de Ovando
Juan Gutierrez de Padilla (Málaga, Espanha, 1590 – Puebla, México, 1665)
07. Tambalagumbá (Negrilla à 6 v. et bc.)
Tradicional (Colômbia)
08. Velo que bonito (ou San Antonio)
Tradicional (Mali), canto griote
09. Manden Mandinkadenou
Padre Antônio Vieira (Lisboa, Portugal, 1608 – Salvador, BA – 1697)
10. Recitado: 1620. Les premiers esclaves africains arrivent dans les colonies anglaises. Sermões, 1661.
Tradicional (Brasil – rec. por Erivan Araújo)
11. Canto de Guerreiro (Caboclinho paraibano)
Tradicional (Mali)
12. Kouroukanfouga (instr.)
Richard Ligon (1585?-1662)
13. Recitado: 1657. Les musiques des esclaves. Histoire…de l’Île de la Barbade
Tradicional (México)
14. Son de la Tirana: Mariquita, María
Frei Felipe da Madre de Deus (Lisboa, Portugal, c.1630 – c.1690)
15. Antoniya, Flaciquia, Gasipà (Negro à 5)
Hans Sloane (Killyleagh, Irlanda, 1660 – Londres, 1753)
16. Recitado: 1661. Les Châtiments des esclaves. A voyage to the islands
Tradicional (Mali), canto griote
17. Sinanon Saran
Luís XIV (Saint-Germain-en-Laye, França, 1638 – Versalhes, França 1715)
18. Recitado: 1685. Le “Code Noir” promulgué par Louis XIV s’est imposé jusqu’à 1848
Roque Jacinto de Chavarría (Bolívia, 1688-1719)
19. Los Indios: ¡Fuera, fuera! ¡Háganles lugar!
Tradicional (ciranda – Brasil)
20. Saí da casa
Montesquieu (Brède, França, 1689 – PArias, França, 1755)
21. Recitado: 1748. De l’Esprit des lois. XV, 5: “De l’esclavage des nègres
Tradicional (Madagascar)
22. Véro (instrumental)
Tradicional (Colômbia)
23. El Torbellino
Juan de Araujo (Villafranca, Espanha, 1646 – Lima, Peru, 1712)
24. Gulumbé: Los coflades de la estleya
Escrava Belinda (Estado Unidos)
25. Recitado: 1782. Requête de l’esclave Belinda, devant le Congrès du Massachusetts
Tradicional (Mali), canto griote
26. Simbo
Tradicional (México), Son jarocho
27. La Iguana
Parlamento Francês
28. Recitado: 1848. Décret sur abolition de l’esclavage, dans toutes les colonies françaises
Anônimo (Codex Trujillo, Peru, século XVIII)
29. Tonada El Congo: A la mar me llevan
Tradicional (Brasil – rec. por Paolo Ró & Águia Mendes), maracatu e samba
30. Bom de Briga
Martin Luther King (Atlanta, Estados Unidos, 1929 – Memphis, Estados Unidos, 1968)
31. Recitado: 1963. “Pourquoi nous ne pouvons pas attendre
Tradicional (Mali), canto griote
32. Touramakan
Juan García de Céspedes/Zéspedes (Puebla, México, 1619 – 1678)
32. Guaracha: Ay que me abraso

França
Bakary Sangaré, voz (recitativos)
Mali
3MA
Kassé Mady Diabaté, voz
Ballaké Sissoko, kora
Mamami Keita, voz (coro)
Nana Kouyaté, voz (coro)
Tanti Kouiaté, voz (coro)
Madagascar
Rajery, valiha
Marrocos
Driss El Maloumi, alaúde
México / Colômbia
Tembembe Ensamble Continuo
Ada Coronel, vihuela, wasá e voz
Leopoldo Novoa, marimbol, marimba de chonta, triple colombiano e voz
Enrique Barona, vihuela, leona, jarana, quijada de caballo e voz
Ulisses Matínez, violon, vihuela, leona e voz
Brasil
Maria Juliana Linhares, voz
Zé Luís Nascimento, percussão
Argentina
Adriana Fernández, soprano
Venezuela
Iván García, voz
Espanha
   La Capella Reial de Catalunya
David Sagastume, contratenor
Víctor Sordo, tenor
Lluís Villamajó, tenor
Daniele Carnovich, baixo
   Hespèrion XXI
Pierre Hamon, flautas
Jean-Pierre Canihac, corneto
Béatrice Delpierre, chalémie
Daniel Lassalle, sacqueboute
Josep Borràs, dulciana
Jordi Savall, violas
Phillippe Pierlot, baixo de viola
Xavier Puertas, violon
Xavier Díaz-Latorre, teorba, guitarra romanesca e vihuela de mão
Andrew Lawrence-King, harpa barroco espanhola
Pedro Estevan, percussão
Jordi Savall, direção

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Dança de escravos – Johann Moritz Rugendas (1802-1858)

Bisnaga