O padre João de Deus Castro Lobo (1794-1832) é o exemplo do compositor mineiro do fim do ciclo barroco brasileiro. Talvez surpreenda aos eruditos e especialistas estrangeiros, apresentarmos a obra de um artista que morre aos trinta e oito anos na terceira década do século dezenove como um compositor barroco. O que pode parecer licencioso, impõe esclarecimento, com o cuidado de não pretender ampliar o debate e a análise formal do Barroco como estilo, o que já foi feito em relação à nossa arte – e muito bem feito – por Lúcio Costa, Afonso Avilla, Curt Lang e outros; mas é oportuno lembrar que artistas como Antonio Francisco Lisboa (1730-1814), o genial Aleijadinho e Manuel da Costa Athayde, o Mestre Athayde (l762-1830), ambos mineiros, foram barrocos no oitocentos.
Nao é ocioso repetir que a produção artística no Brasil refletiu a ideologia do poder, passada pelos estamentos do sistema administrativo português. As relações de dependência da colônia e o papel hegemônico da metrópole foram, reconhecidamente, fatores determinantes na nossa cultura. Enquanto duraram os casuismos de uma rigorosa legislação e as instituições que caracterizavam o sistema colonial, durou um ciclo cultural. As artes desembarcaram no litoral brasileiro com os padres que vieram acompanhando os colonizadores. O estilo que chegou e ficou, obedecia a um modelo que saiu do Concílio de Trento – Era o estilo da Contra-Reforma, Barroco portanto.
Durante todo o período de dominação colonial, o Estado português manteve articulados os seus interesses de expansão, domínio e exploração à fé católica, valendo-se dos privilégios especiais do Direito do Padroado, o que subordinava o culto católico aos reis de Portugal, que exerceram a administração da fé através da Mesa de Consciência e Ordens. Conjugou-se então uma estreita e eficiente ação administrativa e ideológica através deste pretenso tribunal, o que levou ao imobilismo o processo cultural no Brasil. Enquanto durou – até 1828 – a Mesa da Consciência e Ordens ordenou a sociedade por intermédio das confrarias de leigos: as Irmandades e as Ordens Terceiras.
Com a Proclamação da Independência do Brasil, nosso Imperador perdeu o Direito do Padroado. Até então competia ao Rei de Portugal a criação de dioceses e a apresentação de bispos e parocos, o que os Papas simplesmente confirmavam.
O arcaismo desta instituição e a rigidez administrativa do sistema colonial manteve o Brasil à margem das grandes mudanças sociais, econômicas e científicas. O período áureo da nossa arte barroca corresponde à segunda metade do setecentos, aos anos que se seguiram à criação do Bispado de Mariana, fundado em 1745. O trabalho de estruturar, organizando os diversos grupos étnicos, e economicamente bem definidos da sociedade em torno do culto de um Santo ou Santa Padroeira da Confraria, era incumbência do pároco, orientado pelo bispo; resultando na ereção de inúmeras igrejas nas vilas da Capitania de Minas Gerais.
Construído o templo, entalhados os altares, mobiliadas as sacristias e povoadas as naves de bancos e fiéis, chegara a vez da música. Tudo indica que o Seminário de Mariana, criado no ano em que chegou a vila o seu primeiro bispo, 1748, teve papel decisivo no desenvolvimento da música em Minas. Existem registros que comprovam ter havido, quando Minas Gerais ainda era Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, grande atividade de orquestras, bandas e corais, muito antes da criação do seminário em Mariana, mas poucas obras foram encontradas deste período.
O grande número de cópias de uma mesma obra que estão nos arquivos mineiros, é revelador da preferência e do prestígio que alguns compositores alcançaram entre os seus contemporâneos.
Hoje nossa arquitetura, pintura e escultura do período Barroco tem o reconhecimento internacional. Estão ai as publicações estrangeiras, preparadas por excelentes críticos e historiadores da arte e ainda, o crescente interesse turístico que nossas cidades históricas despertam. Mas a música contemporânea a Antonio Francisco Lisboa – o Aleijadinho -, ou a que se tocava no Rio de Janeiro no tempo do Mestre Valentlm, ou a de quando o Brasil foi elevado a Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, só interessa a especialistas e musicólogos. Um saber que fica circunscrito ao ambiente acadêmico, com alguns artigos em publicações especializadas, para um público muito reduzido. Sendo poucas as execuções por orquestras em concertos e havendo desinteresse das gravadoras pelo nosso barroco, este fantástico acervo está condenado a desaparecer com o tempo.
Ocorre-nos a importância que algumas orquestras européias tem hoje na divulgação da música produzida em seus paises. Uma contribuição à cultura universal sem duvida, mas que de certo modo orienta o interesse musical, na projeção da idéia de uma hegemonia cultural. É grande o número de conjuntos musicais que se especializaram no repertório de uma época no estrangeiro. São muitos os exemplos: o Collegium Aurium, a Camerata Antiqua, o Virtuosi di Roma, a Orquestra Bach de Munique, I Musicci, a Camerata di Roma, destacam-se, dentre outros conjuntos que igualmente se especializaram em períodos da História da Arte. Sem duvida estas instituições fazem um trabalho inestimável, enquanto preservam a memória musical do passado de seus paises de origem, concorrem para o aprimoramento das interpretações e freqüente debate em torno de questões ligadas aos seus valores culturais.
Longe está o dia, entretanto, em que um destes conjuntos musicais virá a incluir em seu repertório, espontaneamente, um autor brasileiro do século 18 e 19. Cabe-nos a iniciativa. Elmer C. Correa Barbosa, fevereiro, 1985 (extraído do encarte)
Pe. João de Deus Castro Lobo (Vila Rica, 1794 – Mariana, 1832)
01. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 01. Kyrie
02. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 02. Kyrie. Christe
03. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 03. Kyrie. Kyrie
04. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 04. Gloria
05. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 05. Gloria. Laudamus
06. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 06. Gloria. Gratias
07. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 07. Gloria. Domine Deus
08. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 08. Gloria. Qui tollis
09. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 09. Gloria. Qui sedes
10. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 10. Gloria. Quoniam
11. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 11. Gloria. Cum Sanctus Spiritu
12. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 12. Gloria. Amen
13. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 13. Credo
14. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 14. Credo. Et incarnatus
15. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 15. Credo. Crucifixus
16. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 16. Credo. Et resurrexit
17. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 17. Sanctus
18. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 18. Sanctus. Hosanna
19. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 19. Sanctus. Benedictus
20. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 20. Sanctus. Hosanna
21. Missa e Credo para 8 Vozes em Ré maior – 21. Agnus Dei
Missa e Credo a Oito Vozes – 1985
Associação de Canto Coral, regente: Cléofe Person de Mattos
Camerata Rio de Janeiro, regente: Henrique Morelenbaum
O presente registro foi realizado nos dias 27, 28 e 29 de janeiro de 1985, no Salão Leopoldo Miguez da Escola Nacional de Música, do Rio de Janeiro. “Nossos agradecimentos à Mesbla S.A., na pessoa de seu Gerente de Promoções, Valdemar Torres Neto, que conseguiu “calar” o potente carrilhão de seu simpático relógio nos períodos de gravação.”
Avicenna digitalizou esse LP de 1985, selo Clio, gentilmente cedido pelo nosso ouvinte Alísson Roberto Ferreira de Freitas.
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
MP3 320 kbps – 107,8 MB – 50,2 min
powered by iTunes 9.1
Boa audição.
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Avicenna
Não tenho nenhum conhecimento especial em matéria de música, mas, algumas vezes, ouvi dizer que chamar “barroca” à música produzida em Minas na época do ouro seria um equívoco, já que essa música teria sido elaborada de acordo com os esquemas do classicismo vienense, de Mozart e Haydn. De modo que o epíteto “barroco” seria adequado somente às artes visuais, e a longínqua colônia não estaria esteticamente tão defasada…
O texto acima, Haya de La Torre, foi escrito em 1985.
Se fosse escrito hoje a conceituação seria diferente, aproximando-se mais do seu escrito.
Um abraço!
Este LP chegou a sair em CD. Tenho a versão digital lançada na Bélgica, pelo selo EHS, Serie Empire, SBCD-6700.
http://www.mediafire.com/?3nz5yjmh3im
http://www.mediafire.com/?iiawjbzd4xz
A versão digital já está disponível no musicabrconcerto desde o ano passado. Aí vão os links.
Harry, se você um dia tiver tempo para me enviar um link dessa gravação, com foto da capa, atualizarei o link desta postagem.
Com certeza a qualidade será muito superior.
Um abraço!
Opa!! Obrigado!
Olá Avicenna,
Parabéns pelo site!
Sabem dizer se há alguma edição disponível da Missa com partes cavadas?
Prezada Rosana,
Em primeiro lugar, tenho a honra em receber a presença de tão insigne artista brasileira em nosso site. Muito obrigado, em nome de todos os que compõem nosso PQPBach.
As partituras vocais podem ser encontradas em: http://www.editorapontes.com.br/images/Missa8vozes.pdf
Estou procurando as partituras instrumentais e retorno em breve.
Rosana, como você sabe, a música sacra brasileira do período colonial e imperial foi muito fertil e pouco preservada. Mesmo os poucos LP/CD que foram gravados são difíceis de serem encontrados. Assim sendo, se você tiver LPs/CDs que possa disponibilizar, irei buscá-los emprestados em qualquer lugar do Brasil. Posso ser encontrado em [email protected].
Obrigado,
Avicenna
Com a partitura disponível já me senti estimulado a baixar. Brigadão, Avicenna.
Só estranhei o trinado excessivo nas vozes – pensei até que fosse coisa do vinil – e senti pena dos baixos no coral não serem mais nítidos.
Bem, o que quero dizer é que isso não é nada: FANTÁSTICA essa missa. Avicenna, você é o herdeiro de Curt Lange.
Com uma mensagem da Rosana Lanzelotte e uma avaliação positiva sua, CVL, tudo no mesmo dia, putz, é muita emoção junta!!
Realmente, CVL, a digitalização de LPs produz um trinado nas vozes que tentamos amenizar com filtros, mas nem sempre o resultado é perfeito: ou por inexperiência do digitalizador ou pela má qualidade do LP, ou ambos!
De qualquer modo, estou estudando a versão do CD que o Harry Crowl disponibilizou.
Um abraço e obrigado,
Avicenna
Comprei esse LP outro dia num camelô, acho que a R$2… e me impressionou menos pelo coro e mais pela riqueza instrumental, com uma orquestração muito rica e inovadora…
Sem falar da capa muito bonita.
E agora o encontro aqui no PQPBACH, que surpresa boa!
Surpresa boa é você quem nos dá!
Avicenna