Era desejo deste que vos escreve postar esta série já há muito anos, porém, pelos mais diversos motivos, acabei esquecendo, e os CDs se perderam na bagunça de meu acervo. Lembro como fiquei entusiasmado com este projeto, afinal, três jovens instrumentistas se reuniam para apresentar uma nova leitura principalmente dos Concertos para Piano e para Violoncelo, interpretados sob a ótica das interpretações historicamente informadas. Não que fosse uma novidade para mim, lembrando da gravação que Phillippe Herreweghe fez destes dois concertos com dois outros experientes nomes desta escola, Christopher Coin e Andreas Staier, CD que também postei já há mais de uma década.
Começo trazendo o primeiro CD da série, com uma de minhas violinistas favoritas, Isabelle Faust, interpretando o Concerto para Violino, que tem uma história incrível, que contarei mais abaixo. Faust se estabeleceu nos últimos anos como uma das principais violinistas da atualidade, realizando gravações altamente elogiosas, que sempre que posso, trago para os senhores. Lembro aqui dos Concertos para Violino de Mozart que já na primeira audição identifiquei como uma das melhores gravações que já escutara daquelas obras, e tanto acertei que ela ganhou diversos prêmios, entre eles, o da prestigiosa revista Gramophone. Recentemente lançou mais um volume da série de Sonatas para Violino do mesmo Mozart, ao lado de seu parceiro Alexander Melnikov, CD que pretendo trazer assim que possível. E sempre pelo selo ‘Harmonia Mundi’, o que por si só já é garantia de qualidade.
Mas vamos contar a história do Concerto, muito curiosa, por sinal. Sabe-se que Robert Schumann era muito amigo de Joseph Joachim, o maior violinista de seu tempo, e também amigo de Brahms, mas isso é outra história. Conhecedor do talento de Robert, Joachim encomendou-lhe um Concerto para Violino, que gostaria de estrear. Eis um trecho da carta que o violinista mandou:
“Que o exemplo de Beethoven o inspire a produzir de sua ampla loja uma obra para os pobres violinistas, que, além da música de câmara, tão cruelmente carecem de composições edificantes para seu instrumento, ó maravilhoso guardião dos tesouros mais ricos!’
Schumann à época estava envolvido na composição de uma Fantasia também para Violino e Orquestra, porém aceitou a encomenda. Concluiu a respectiva Fantasia, e sua estreia foi um sucesso. E logo se envolveu na composição do Concerto, que concluiu e entregou a Joaquin, que já não demonstrava o mesmo interesse e entusiasmo anteriores. O texto abaixo foi livremente traduzido do booklet que acompanha o CD:
“Mas desta vez Joachim mostrou menos entusiasmo: embora ele tenha empreendido alguns ensaios com sua orquestra da corte de Hanover na presença do compositor, ele finalmente abandonou o projeto quando Schumann renunciou ao cargo de regente em Düsseldorf no final de outubro de 1853 em resposta à pressão da orquestra. A longa história de estigmatização fatal começou. Após a morte de Schumann, e em acordo com os desejos de sua viúva Clara, que se opôs firmemente à publicação do concerto como parte da edição completa de suas obras, o manuscrito foi transferido para a posse de Joachim. Mas ele também continuou a retê-lo, supostamente por acreditar que poderia detectar nele sinais de fraqueza composicional, que indicavam a incipiente doença psicológica de Schumann, um “certo cansaço” onde ele identificou um “contraste perturbador” com o resto da produção de seu amigo. Com a intenção, sem dúvida, bem intencionada de proteger a reputação artística de Schumann, Joachim deu um passo além e deixou instruções em seu testamento de que a peça não deveria ser executada nem publicada nos próximos cem anos. (…)”
Enfim, a obra ficou guardada com um editor, porém em 1937 foi publicada sob os auspícios de Joseph Goebbels, o temido chefe da GESTAPO, lembrando que os nazistas haviam banido o conhecidíssimo Concerto de Mendelssohn, pois esse tinha sangue judeu. A idéia era usar esse Concerto de Schumann como um elo de ligação entre o Concerto de Beethoven e o de Brahms, ignorando desta forma o de Mendelssohn. A obra foi estreada em novembro de 1937 pelo violinista Georg Kulenkampff, acompanhado pela Filarmônica de Berlim dirigida por Karl Böhm. Yehudi Menuhin a estreou em 1938, junto à Filarmônica de Nova Iorque, dirigida pelo maestro inglês John Barbirolli.
Não sou muito fã deste Concerto, o considero inconcluso, com muitas ideias esparsas, e nenhum norte, mas enfim, para quem não o conhece, ei-lo aí, nas mãos muito bem treinadas de Isabelle Faust, acompanhada pela Freiburger Barockorchester. A atitude de Joachin foi correta ao esconder a partitura? Não sei se após quase 170 anos possamos julgá-lo, nem a própria Clara, que melhor que ninguém conhecia as composições do marido. Com certeza, ao lado dos Concertos para Violoncelo e para Piano podemos considerar obra de menor qualidade.
PAra compensar, temos o Trio para Piano nº3, este sim, uma obra prima. Isabelle Faust tem como parceiros nesta obra o pianista Alexander Melnikov e o violoncelista Jean-Guilhen Queyras. Um trio de respeito, diga-se de passagem.
1. Violin Concerto in D Minor – I. In kräftigem, nicht zu schnellem Tempo
2. Violin Concerto in D Minor – II. Langsam
3. Violin Concerto in D Minor – III. Lebhaft, doch nicht schnell
4. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – I. Bewegt, doch nicht zu rasch
5. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – II. Ziemlich langsam
6. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – III. Rasch
7. Piano Trio No. 3 in G Minor, Op. 110 – IV. Kräftig, mit Humor
Isabele Faust – Violino
Alexander Melnikov – Piano
Jean-Guilhen Queyras – Violoncelo
Freiburger Barockorchester
Pablo Heras-Casado – Condutor