Prefiro começar falando do que não gosto na música clássica britânica: exageros de solenidade, pompa e circunstância sobre um chão de harmonias banais. É o que eu penso quando ouço Elgar, por exemplo, ou certas obras de Vaughan Williams com metais grandiosos, como a sua 4ª sinfonia, ou a escrita coral tediosa da 1ª sinfonia. Por essas e outras, é costume dizer que depois da morte de Henry Purcell, ainda nos 1600, aquela ilha ficou sem qualquer nome relevante na música clássica até bem recentemente. Dinheiro não faltou, pelo contrário: Haydn enriqueceu em duas viagens a Londres, Händel se mudou para lá e Chopin, após separar-se de George Sand, fez uma longa turnê pela Inglaterra e Escócia. Muito abertos aos talentos estrangeiros e com grana pra bancar, o que lhes faltava eram ideias locais relevantes.
A controvérsia, então, seria sobre quem fez algo que preste após esse longo intervalo. Nosso patrão PQP Bach diz que foi Benjamin Britten (1913-1976), mas eu acho que foi Ralph Vaughan Williams: aluno de Ravel, ele conseguiu, em seus melhores momentos, fazer obras que associam a orquestração de jeito mais francês com melodias singelas do interior da Inglaterra. Atenção para a frase anterior: só nos melhores momentos. Das suas 9 sinfonias (ele também foi alvo da “maldição da nona”), entendo que as melhores são justamente aquelas desprovidas de pompa e circustância inglesas. Sua 3ª Sinfonia foi composta pouco após a 1ª Guerra Mundial, o apelido “pastoral” se refere menos a cantos de pássaros e mais às paisagens rurais em ruínas após as batalhas. E sua 5ª Sinfonia foi estreada em 1943, durante outra guerra. Ambas têm um ar de elegia e de respeito pelos pisoteados do mundo, mas não exatamente de tristeza: não é música que coloca as pessoas para baixo, talvez por causa da inspiração e mesmo fascinação por melodias populares que Vaughan Williams tinha em comum com B. Bartók e D. Scarlatti.
As duas gravações que trago hoje são de maestros de fora das ilhas britânicas: nascidos em 1929 e 1931, ambos eram um tanto distanciados de Vaughan Williams tanto em lugar de nascimento como em idade, mas ainda assim eram contemporâneos, pois já eram adultos quando o compositor faleceu. O russo Guennady Rozhdestvensky provavelmente teve contato mais próximo com a música de R.V.W. quando foi maestro principal da Orquestra da BBC, em Londres, de X a X. De volta à Rússia, regeu essas sinfonias em Leningrado (São Petesburgo), com os músicos russos dando à Sinfonia Pastoral um belo colorido. Destaque ainda para a capa da gravadora russa Melodia, com um ar vintage de papel envelhecido que é puro espetáculo, pois as gravações são de 1988 e o lançamento em CD, de 2014.
Já o holandês Bernard Haitink regeu incontáveis vezes a Sinfônica e a Filarmônica de Londres, tendo gravado com esta última as 9 sinfonias de Vaughan Williams, bem como outras obras como a Norfolk Rhapsody nº 1 e The Lark Ascending, que aparecem neste disco. Esta última é uma peça para violino e orquestra também de tom bucólico, pastoral, e nesta gravação a violinista Sarah Chang era uma adolescente, uma estrela ascendente, que executa sua parte com uma simplicidade, uma inocência que combina bem com a partitura.
Ralph Vaughan Williams (1872-1958):
Pastoral Symphony (Symphony No. 3) (1921)
I. Molto Moderato 11:42
II. Lento Moderato 8:35
III. Moderato Pesante 7:33
IV. Lento 10:14
Soprano – Elena Dof-Donskaya
Symphony No. 4 in F minor (1934)
I. Allegro 10:05
II. Andante Moderato 9:07
III. Scherzo. Allegro Molto 5:47
IV. Finale Con Epilogo Fugato. Allegro Molto
Guennady Rozhdestvensky, Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Live – Great Hall of the Leningrad Conservatory, 1988
Ralph Vaughan Williams (1872-1958):
Symphony No.5 in D major (1943)
I: Preludio (Moderato) 12:38
II: Scherzo (Presto) 5:33
III: Romanza (Lento) 13:29
IV: Passacaglia (Moderato) 11:27
Norfolk Rhapsody No.1 (1906-1914) 11:36
The Lark Ascending (1914-1921) (Romance for violin on a poem by George Meredith) 13:33
Violin – Sarah Chang
Bernard Haitink, London Philharmonic Orquestra
Pleyel