Shostakovich é conhecido principalmente por causa das suas 15 sinfonias e outras obras com orquestra. Mas sua música de câmara também tem grandes obras cheias de personalidade: além dos quartetos de cordas, há muitas obras com piano, incluindo os dois trios que postei semana passada, um quinteto e a sonata para violoncelo e piano. Todas essas são do período em que Shosta era um jovem adulto, a sonata para violoncelo, por exemplo, foi estreada quando ele tinha 28 anos e é cheia de temas arrebatadores, quase românticos, um pouco como as sinfonias nº 4 e 5. O pianista tem uma parte tão interessante quanto o violoncelista: tive o privilégio de assistir essa sonata com Martha Argerich e Mischa Maisky, cujos temperamentos fogosos combinam perfeitamente com a música, como também é o caso dos músicos tchecos deste CD aqui.
Já as sonatas do fim da vida do compositor, uma para violino, de 1968, e uma para viola, de 1975 (sempre com piano) são obras da maturidade, com um certo distanciamento das convenções, uma certa despreocupação de quem já não precisa provar nada a ninguém, uma certa fantasia sem limites, como na Polonaise-Fantaisie e na Barcarola de Chopin, características também das sonatas tardias de Beethoven. E o alemão, aliás, é mencionado no último movimento: Adagio (à memória de Beethoven) nas palavras de Shosta, que colocou nas partes do piano citações bem óbvias da Sonata ao luar. Apesar do tom frequentemente melancólico – é preciso um bocado de tristeza, já disse um poeta – Shosta anotou que o caráter geral da obra deveria ser brilhante, claro e radiante.
A linguagem de Shosta, ainda que com uma personalidade toda diferente, é romântica como o Beethoven maduro e Chopin, sem os excessos de romantismo de seus compatriotas Rachmaninoff e Glazunov (este último, professor de Shosta). As coisas, na vida, não são absolutas, tudo depende da sua posição em relação aos outros. Shosta era bem menos romântico que Rach e bem mais do que Boulez, Ligeti e Lutoslawski. É por meio dessas comparações com quem está ao redor – como mostrou recentemente Mbappé, que está bastante à esquerda de Neymar – que a gente chega mais perto da verdade, bem mais do que em frases categóricas e desposicionadas e até meio sem sentido como por exemplo “Shostakovich era um romântico.” Violoncelistas têm tocado essa sonata para viola desde os anos 1970, com a concordância da viúva do compositor. O “sotaque” tcheco trazido por Kaňka e Klepáč, ao menos para os meus ouvidos, combina perfeitamente com a linguagem do compositor de São Petersburgo.
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Pleyel