BRUCKNER 200 ANOS! Anton Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 7 (Barenboim, Staatskapelle Berlin)

Cá entre nós: Daniel Barenboim merecia uma aposentadoria, uma despedida dos palcos em grande estilo para curtir a vida com a família, amigos, tomar bons vinhos, esse tipo de coisa. Uma despedida em grande estilo, por exemplo, teria sido a série de Sinfonias de Bruckner que regeu em Berlim em 2010, de onde saiu essa gravação da Sétima que mostra toda uma intimidade de maestro e orquestra com o estilo grandioso do compositor austríaco e católico devoto. Barenboim teve uma longa série de sucessos regendo Bruckner com a Sinfônica de Chicago, depois com a Filarmônica de Berlim logo após a morte de Karajan, com aquela orquestra tecnicamente impressionante mas ao mesmo tempo, para muitos críticos, um tanto fria pelo excesso de legato e de toque aveludado. Finalmente, com a Staatskapelle de Berlim ele fez muito Bruckner e anos e anos de óperas de Wagner, cuja linguagem harmônica é mais ou menos a mesma do austríaco que muito o admirava. Barenboim e Staatskapelle fizeram também um excelente Fidelio de Beethoven, obra cujo tom de celebração monumental da liberdade também tem muito a ver com Bruckner. Então eles estão no seu elemento aqui.

É uma pena que Barenboim não tenha se preparado pra parar: em apresentações junto com Martha Argerich na última década, ficou evidente que ele, ao contrário dela, já não tem mais a mesma técnica como pianista, ou tempo e paciência para estudar as horas necessárias. Também como regente, apesar de alguns sucessos recentes, acaba deixando em algumas orquestras a impressão de já não ser lá essas coisas. É comum entre músicos de renome essa falta de tato para planejar a despedida: basta lembrar de Pollini que, após mais de 50 anos de brilho e inimitável pianismo, teve dois ou três últimos anos menos bons como uma pequena mancha na carreira. Também no Brasil temos músicos que já passaram do auge mas seguem nos palcos, por exemplo dois maestros, um que já foi um bom pianista e hoje só sabe dar entrevistas televisivas lamentando as mãos machucadas e falando – sempre sobre si mesmo – pra emocionar quem não entende nada de música… um outro, com a letra K, que já era velho há uns 40 anos… e hoje em dia alterna entre momentos bons e vergonhosos regendo neste nosso país tropical.

Voltando para Barenboim, deve-se mencionar o quanto o maestro veterano é respeitado por gente mais jovem como Gustavo Dudamel e Antonio Pappano. Este último, que já foi seu assistente muitos anos atrás em Bayreuth, conversou com a revista Gramophone sobre o grande especialista em Wagner e Bruckner, mostrando que mesmo quando discorda sobre o significado de uma ou outra obra musical, tem grande respeito pelas escolhas de Barenboim e também pela maneira como ele se relaciona com as orquestras nos ensaios e concertos, respeito esse que, para Pappano, é um significado da palavra influência, muito além de imitações ou cópias baratas:

Barenboim’s track record as a noted Brucknerian, I wondered whether Pappano had ever worked with him on these symphonies. ‘With Barenboim it was mostly opera. I did see him rehearse Bruckner, but not often. And we don’t conduct Bruckner at all the same way! I’ll tell you why, because there are two schools of thought about Bruckner. Interestingly enough, Furtwängler – God, right? – in the long wind-ups to climaxes almost always speeds up, accelerates. And to me, that goes against the tug, the Wagnerian tug. You have to torture people to arrive; it has to be hard won. And of course, Daniel belongs to that school. I don’t. It’s not a criticism at all. But in Bruckner I prefer the slower burn so that when it hits, it’s unbearable. I don’t know if it’s right. I just feel that that’s theway. This whole question of influence is very important. If it’s done right it makes you come to your own conclusions. Not “Oh, you know how he was very influenced by Barenboim”. Of course, I was very influenced by him, but if I conducted the same as him, that’s rubbish. That’s copying. I’m very different from him. I have very different repertoire choices from him. He wouldn’t go near Rachmaninov’s Second in a million years, nor Vaughan Williams. So that’s helped me keep my individuality intact and therefore the influence he’s had on me has been about bigger things: how do you treat tempo in a classical symphony when so much of the material is repetitive. The importance of transforming the themes after a combustible development? How do you deal with the repeat? What is important in conducting? Who do you take care of? Those things are really important. How do you deal with them? And they take a long time.

Anton Bruckner (1824-1896):
Sinfonia Nº 7
Staatskapelle Berlin, Daniel Barenboim
Live Recording: Berlin Philharmonie, 2010

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Barenboim e a famosa cortina do Teatro alla Scala di Milano

Pleyel

6 comments / Add your comment below

  1. Não sei. Embora eles mesmos estejam no centro deste jogo frenético das honrarias e lisonjas, acho que na arte, a rigor, o motivo da coisa toda não reside nessas miragens das incólumes e belas trajetórias. Faz-se porque é preciso.

    1. Xeque-mate, Otavio. Também fiquei pensativo, desde ontem, acerca dessa questão – ora, a hora de parar não deve ser medida pelo espectador e sim pelo artista! Aliás, há a hora de parar? Vita brevis, ars longa…

      O argentino Jorge Luís Borges (esse era danado) soltou essa: “Por vezes à noite há um rosto / Que nos olha do fundo de um espelho / E a arte deve ser como esse espelho / Que nos mostra o nosso próprio rosto.”

      No mais, muito obrigado, Pleyel, pela postagem e pela reflexão.

  2. É, Pleyel. O JCM é sempre patético. E tens razão sobre o K. Só cuide-se com o etarismo, posso me ofender… 🙂

    Depois de manhã faço 67…

    1. Parabéns adiantado, chefe! E aviso devidamente anotado sobre o etarismo.

      E como lembraram os colegas nos comentários, a aposentadoria pode ser adiada por n motivos: contratos, relações com parceiros profissionais que dependem do medalhão no palco… Cada caso é um caso e, se há o lado das ambições artísticas, música é também trabalho.

  3. De pleno acordo sobre Barenboim atual (e mesmo na “boa fase” já o achava apenas competente, nunca genial), JCM (saudades de quando tocava seu maravilhoso Bach sem abrir a boca pra auto-elogios vazios) e K, sempre supervalorizado além da conta…

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