Nascida em 1931 na República Soviética Tártara – onde a língua materna, além do russo, é o tártaro, idioma da família túrquica -, Sofia Gubaidúlina sempre teve uma ampla gama de interesses ligados às suas raízes. Tendo se mudado para Moscou em 1954, ela funda ali, nos anos 1970, um grupo voltado para a pesquisa de instrumentos raros da Rússia, do Cáucaso e da Ásia Central, chegando assim a ideias sonoras diferentes daquelas das grandes capitais, mesmo que naquele momento ela vivesse em uma metrópole. É possível, então, compará-la com Bartók, compositor em quem o profundo amor pela música popular significou uma relativa independência do mainstream das vanguardas de sua época – nos tempos de Bartók, isso significa que ele não se tornou um imitador de Debussy ou de Stravinsky, apesar da grande admiração por ambos; já para Gubaidúlina, isso significa que ela teve contato com as novidades ocidentais de Paris, New York e Darmstadt sem precisar correr exatamente na mesma pista que os outros.
Os instrumentos graves frequentemente têm destaque na música de Gubaidúlina: suas obras de câmara com contrabaixo e/ou violoncelo são dezenas, algumas já tendo aparecido aqui como é o caso dos Prelúdios para cello (1974), outras menos conhecidas como a Sonata para contrabaixo e piano (1975) e “Ein Engel” para contralto e contrabaixo (1994). Assim, é no meio desses interesses sonoros e preferências tímbricas que se situa uma de suas obras-primas, o Concerto para fagote e cordas graves (1975), dedicado ao fagotista Valeri Popov, que é também o solista neste álbum.
Gubaidúlina argumentou mais de uma vez que seu objetivo como compositora é utilizar a expressão musical como modo de ligação entre as pessoas nas complexas situações da contemporaneidade. No seu Concerto para Fagote, de sonoridade tão grave e peculiar mas ao mesmo tempo com humor, ela mostra que essas palavras vão além da simples retórica.
Detto II (1972), para violoncelo e orquestra de câmara, é mais uma dessas obras com destaque para os sons graves. Misterioso, para 7 percussionistas (1977) e a cantata Rubaiyat (1969), para barítono e orquestra, baseada em poemas persas, são duas obras que mostram a compositora se equilibrando entre cosmopolitismo e suas raízes na Ásia Central, sem nunca cair em orientalismos previsíveis como os dos velhos russos Rimsky-Korsakov e Glazunov.
Importante lembrar ainda que neste disco da Melodiya todas as obras e quase todas as gravações (exceto a de Misterioso, feita em 1992) são do período em que a compositora era pouco prestigiada pelos formadores de opinião soviéticos, já que sua música não corresponderia perfeitamente às exigências do realismo socialista formulado pelos tecnocratas. Mas Gubaidúlina não se curvou aos autoproclamados especialistas, preferindo seguir sua própria intuição e os conselhos de Shostakovich, que nos anos 1950, disse a ela, contrariamente aos professores do Conservatório que a criticavam: “meu desejo é que você permaneça no seu caminho incorreto” (aqui). Além de Shosta, ela teve uma pequena ajuda de outros amigos que entendiam de música mais do que os burocratas do partido: o regente Gennadi Rozhdestvensky, o compositor Alfred Schnittke e o violinista Gidon Kremer ajudaram a música de Gubaidúlina a atingir um público maior, o que tem acontecido sobretudo após 1990.
SOFIA GUBAIDÚLINA (1931):
1. Rubaiyat, Cantata for Baritone and Chamber Ensemble
Sergei Yakovenko, bariton
Chamber Ensemble
Gennadi Rozhdestvensky
2. Detto II, for Cello and Chamber Orchestra
Ivan Monighetti, cello
Chamber Ensemble
Yuri Nikolaesvsky
3. Misterioso, for 7 Percussion Instruments
Bolshoi Theatre Percussion Ensemble
Victor Grishin
4-8. Concerto for Bassoon and Low Strings
Valeri Popov, bassoon
Chamber Ensemble
Pyotr Meshchaninov
Recorded in Moscow: 1977 (1); 1977 (2); 1992 (3); 1978 (4-8)