Li algumas críticas norte-americanas bem pesadas, falando mal deste CD de Mäkelä e da Orquestra de Paris, mas não posso concordar com elas após a audição do menino-prodígio que assumirá o Concertgebouw de Amsterdam nos próximos meses. Mäkelä tem apenas 27 anos. Na Europa, o CD foi muito elogiado. Estranho…
Mäkelä parece ter reforçado o senso de drama e de dança das obras trazendo-as de volta a suas raízes parisienses. Nestes tempos de hipervirtuosidade, ele tenta reacender aquele choque inicial, aquele espanto, e demonstra grande cuidado com os detalhes e a atmosfera das peças. Há certa tendência norte-americana em fazer Stravas e Tchais mais selvagens e primitivos do que são. De alguma forma, eles negam a sofisticação russa. A introdução da Sagração é lenta e sinuosa, desenrolando-se como sementes germinando. Em seguida, o bater de pés coletivos destranca a selvageria que está por vir. Podemos pensar nos relatos clássicos de Bernstein como uma fonte de força, energia primordial, de Abbado como algo incandescente, mas com um espírito teatral, por exemplo. Não é assim com Mäkelä que, com detalhes requintados, constrói paredes de som verdadeiramente inspiradoras num mundo da dança. É como se todos os elementos da peça fossem revelados em sua verdadeira glória. Um grande disco, mas é apenas minha opinião.
Ah, aqui temos um Pássaro de Fogo completo, o que nem sempre ouvimos.
Igor Stravinsky (1882-1971): A Sagração da Primavera e O Pássaro de Fogo (Mäkelä)
Le Sacre Du Printemps (35:15)
01 L’Adoration de la Terre: Introduction 3:33
02 L’Adoration de la Terre: Les Augures Printaniers 3:17
03 L’Adoration de la Terre: Jeu Du Rapt 1:19
04 L’Adoration de la Terre: Rondes Printanières 3:51
05 L’Adoration de la Terre: Jeux Des Cités Rivales 1:52
06 L’Adoration de la Terre: Cortège Du Sage 0:42
07 L’Adoration de la Terre: Embrasse de la Terre 0:23
08 L’Adoration de la Terre: Danse de la Terre 1:13
09 Le Sacrifice: Introduction 4:37
10 Le Sacrifice: Cercles Mystérieux Des Adolescentes 3:28
11 Le Sacrifice: Glorification de L’élue 1:33
12 Le Sacrifice: Évocation Des Ancêtres 0:44
13 Le Sacrifice: Action Rituelle Des Ancêtres 3:46
14 Le Sacrifice: Danse Sacrale 4:49
L’Oiseau De Feu (47:57)
15 I Introduction 2:52
16 II Le Jardin Enchanté de Kastchei 1:49
17 III Apparition de L’oiseau de Feu, Poursuivi Par Ivan Tsarevitch 2:16
18 IV Danse de L’oiseau de Feu 1:15
19 V Capture de L’oiseau de Feu Par Ivan Tsarevitch 1:03
20 VI Supplications de L’oiseau de Feu 6:12
21 Vii. Apparition Des Treize Princesses Enchantées 2:34
22 VIII Jeu de Princesses Avec Les Pommes D’or 2:26
23 IX Brusque Apparition D’Ivan Tsarevitch 1:20
24 X Khorovod (Ronde) Des Princesses 4:42
25 XI Lever Du Jour 1:24
26 XII Carillon Féérique, Apparition Des Monstres-gardiens de Kastchei 1:31
27 XIII Arrivée de Kastchei Liimmortel – Dialogue de Kastchei Avec Ivan Tsarevitch – Intercession Des Princesses 3:26
28 XIV Apparition de L’oiseau de Feu 0:32
29 XV Danse de la Suite de Kastchei Enchantée Par L’oiseau de Feu 0:46
30 XVI Danse Infernale de Tous Les Sujets de Kastchei 4:37
31 XVII Berceuse (L’oiseau de Feu) 3:02
32 XVIII Réveil de Kastchei – Mort de Kastchei – Profondes Tenèbres 2:45
33 XIX Disparition Du Palais Et Des Sortilèges de Kastchei – Animation Des Chevaliers Petrifiés. Allegresse Génerale 3:25
Conductor – Klaus Mäkelä
Orchestra – Orchestre De Paris
O gosto de tantos de nós pelo exótico tem servido de inspiração para muita música boa para todo tipo de instrumentos, mas especialmente para o piano com sua ampla gama de timbres possíveis. Claude Debussy, provavelmente o mais original compositor para piano da virada do século XIX para o XX, criou muitos sons novos inspirado em coisas como o gamelão da Indonésia e pinturas japonesas. Aliás, na casa onde Debussy nasceu, em Saint Germain en Laye – a poucos minutos de trem de Paris – é possível ver muitos dos objetos que pertenciam ao compositor, como o quadro japonês que inspirou “Poissons d’or” – peixes dourados – mas nenhum quadro dos pintores impressionistas, com os quais sua música é tão comparada. O exótico lhe interessava mais, santo de casa não faz milagre…
Heitor Villa-Lobos, nascido na então capital do Brasil, compôs vários choros e prelúdios para violão que eram bem no idioma de seus vizinhos e amigos, mas também escreveu Danças Africanas, Lenda do Caboclo, Saudades das selvas brasileiras… É claro que seu conhecimento sobre caboclos e africanos devia ser um tanto limitado, mas os temas exóticos eram pontos de partida para sua fértil imaginação. Antes dele, Henrique Oswald teve seu maior sucesso com a curta e bela peça para piano “Il neige” (“está nevando”, em francês), escrita em 1902 quando ele vivia na Europa. Como tantos outros brasileiros, Oswald deve ter se encantado com a poética imagem da neve caindo.
Mas para Rued Langgaard, compositor nascido na Dinamarca, a neve devia ser algo bastante comum, até tedioso. Conhecendo o frio a maior parte do ano, Langgaard parece ter tido uma grande atração pelas imagens poéticas associadas ao verão, ao menos é o que ele dá a entender nas duas longas obras dessa coletânea, 2º disco de uma coleção de suas obras completas para piano pela pianista Berit Johansen Tange. Ela estudou no conservatório de Copenhagen, cidade natal de Langgaard. O pai do compositor, também pianista, tinha sido um pupilo de Liszt, mas a influência principal nas obras de Rued Langgaard parece ser quase sempre Robert Schumann, com suas obras compostas de miniaturas pianísticas em formas livres, sempre com um pezinho no romantismo ou às vezes o corpo inteiro.
O ciclo que fecha o álbum, Sommerferie I Blekinge (Férias de Verão em Blekinge), faz referência a uma localidade no sul da Suécia: confira a foto um pouco mais abaixo. Anos depois, Langgard compôs Smaa Sommerminder (Pequenas memórias de verão). Em ambos, a atmosfera é leve, despreocupada, com alguns graves profundos que se assemelham a sinos de igreja mas logo dão lugar às melodias agudas e tranquilas, com subtítulos que fazem referência a sinos de vacas, pinheiros e danças.
O outro ciclo longo deste álbum é bem diferente daquela tranquilidade ensolarada: na sua Música do Abismo (Afgrundsmusik) composta em 1921, Langgaard mostra uma profunda preocupação com o estado do mundo pós-Primeira-Guerra. Naquele ano ele começou a compor uma ópera chamada Anticristo, sobre o declínio da civilização ocidental moderna com sua mentalidade egoísta e materialista. A mensagem da ópera era que a sociedade europeia moderna estava cavando seu próprio túmulo. Embora esse ponto de vista do compositor, visto com a distância dos anos, não pareça tão absurdo, ele não foi bem aceito por seus contemporâneos e a ópera nunca foi montada, tendo pedidos negados mais de uma vez pelo Real Teatro Dinamarquês. Essa foi uma constante na vida de Langgaard no pós-1918: se em 1913 sua 1ª sinfonia tinha sido estreada pela Filarmônica de Berlim, depois da guerra ninguém parecia se importar com as várias sinfonias que ele compôs. Suas obras para piano também não circularam pelo mundo, ficando restritas ao seu país natal, no qual Langgaard também era mais odiado que amado desde que começou a se opor à estética de Nielsen (1865-1931), que tinha status de intocável na época. Só em 1940 Langgaard conseguiria um cargo estável: o de organista na catedral de uma cidade pequena. É claro que, com menos ideias próprias e mais habilidades como puxa-saco, ele alcançaria cargos mais altos, dada sua competência, mas a posição de isolamento parece ter sido o que lhe permitiu manter a liberdade de pensamento.
Langgaard, em suma, tinha certeza de que as promessas de progresso e paz do pós-guerra eram ilusórias, um tipo de desconfiança do progresso que é característica de outros autores românticos. Esse tema foi muito estudado e discutido por Michael Löwy (nasc. 1938), pensador brasileiro radicado na França, por exemplo no seu livro “Revolta e melancolia – o romantismo na contramão da modernidade”.
Lowy diz: “O romantismo não é apenas uma escola literária do século XIX (…). Enquanto estrutura sensível e visão do mundo, manifesta-se em todas as esferas da vida cultural – literatura, poesia, arte, música, religião, filosofia, idéias políticas, antropologia, historiografia e outras ciências sociais. Pode-se defini-lo como uma revolta contra a sociedade capitalista moderna, em nome de valores sociais e culturais do passado, pré-modernos, e como um protesto contra o desencantamento moderno do mundo, a dissolução individualista-competitiva das comunidades humanas e o triunfo da mecanização, da mercantilização, da reificação e da quantificação. Dividido entre a nostalgia do passado e os sonhos de futuro, ele pode assumir formas regressivas e reacionárias, propondo um retorno às formas de vida pré-capitalistas, ou uma forma revolucionária utópica, que não prega um retorno, mas um desvio pelo passado em direção ao futuro: nesse caso, a nostalgia do paraíso perdido está contida na esperança de uma nova sociedade.”
O que Lowy aponta é que não se pode fazer uma oposição simples entre progressistas modernos e românticos nostálgicos do passado. O romantismo, com sua carga de crítica do desencantamento do mundo, permitiria assim a construção de algo diferente desse mundo cheio de guerras e de fumaça de carros.
Voltemos para Langgaard: na sua “Música do abismo”, além de usar temas que remetem aos momentos faustianos do piano de Liszt, ele traz repetições que causam um desconforto nos ouvidos, bem ao contrário da leveza da música de verão que abre e fecha o álbum. Iniciando a obra com a indicação inflessibile mostruoso, ele deixa implícito que a flexibilidade e a dança seriam antídotos às características do abismo: inflexível, majestoso e repetitivo.
Nas obras de Ligeti esse tipo de repetição mecânica também aparece mas, sinceramente, não sei dizer se o húngaro aniversariante deste mês via esse som das máquinas com o pessimismo de Langgaard, com um ponto de vista neutro ou com um entusiasmo como o de um Terry Riley que, a partir de repetições, construiu belas paisagens sonoras (A rainbow in curved air…) Seria preciso estudar mais sobre a vida e obra de Ligeti para afirmar algo. Mas para Langgaard, sem sombra de dúvida, o mecânico é feio, doentio e se opõe à beleza e tranquilidade das paisagens de sua música de verão, seja aquela composta em 1916 quando o compositor tinha 23 anos, seja aquela de 1940 quando ele via sua Europa suicidar-se pela 2ª vez.
Rued Langgaard (1893-1952): Piano Works vol. 2
1-4. Smaa Sommerminder, BVN 254
i. Engang (Once): Allegretto leggiero
ii. Allegretto
iii. [No Title]
iv. Sang (Song): Tranquillo
5-6. Afgrundsmusik (Music Of The Abyss), BVN 169
i. Inflessibile mostruoso (Inflexible, monstrous) – Solenne misterioso (Solemn, mysterious) – Ignominioso e lusingando (Shameful and tempting) – Preciso marcato – Sempre marziale – Maestoso rigoglioso (Majestic, exuberant)
ii. Frenetico, quasi rondo – Più animato frenetico – Agitato con irritazione sempre – Più frenetico – Più tranquillo lusingando – Capriccioso grazio[so] – Sempre frenetico
7 Albumsblad (Album Leaf), BVN 3 – Andantino con moto
8 Paa En Kirkegaard Ved Nat (In A Churchyard At Night), BVN 22 – Largo grave
9 Adorazione, BVN 223 – Poco mosso – Con moto – Presto – Poco moto – Postludium: Con poco moto – Maestoso
10 Klaverstykke E-Dur (Piano Piece E Major), BVN 426 – Not fast
11-20. Sommerferie I Blekinge (Summer Holiday In Blekinge), BVN 123
i. Paa Rejse (Travelling)
ii. Møde (Meeting)
iii. Søndag paa Kirkebakken (By the village church on a Sunday): Agitated
iv. Kobjælder i Granskoven (Cowbells in the pinewood): Calm, mysterious – Più lento – [Tempo I] – Più lento – Più con moto – A tempo [I]
v. Kafferep og Resignation (Kafferep and resignation): Presto (as if everyone is talking at once) – Lento
vi. Svensk (Swedish): Not too slow – (Lively)
vii. Ærteblomster (Sweet peas): Fervently emotive – Più con moto
viii. Paa Tur (On tour): Good-humoured – Più con moto – A tempo
ix. Afsked (Farewell): With an expression of hidden pain – Appassionata – Con moto – Appassionata
x. Aften med Dans (Evening with dancing): Waltz tempo – Allegretto tranquillo
Hallé? Como assim Hallé? A Orquestra Hallé, ou simplesmente Hallé, é uma orquestra sinfônica baseada em Manchester, Inglaterra. É a orquestra mais antiga em atividade do Reino Unido e a quarta mais antiga do mundo. Conta com orquestra profissional, coro, coro jovem e uma orquestra jovem. Realiza gravações em sua própria gravadora, mas trabalha também com a Angel e EMI. O atual Diretor Musical é Sir Mark Elder.
Acho que as versões de Elder das Sinfonias 5 e 7 de Sibelius é muito boa, mas não chegam a ser first choices. Ainda fico com Rattle e a CBSO na 5ª e com o velho Mravinsky e o portento de Leningrado na 7ª. Vocês devem saber que as orquestras britânicas e seu público há muito têm uma afinidade especial com as obras orquestrais de Jean Sibelius. As interpretações de Elder são meticulosas e apaixonadas e a orquestra responde à sua direção cavando fundo. São muito bons registros. Essas sinfonias e En Saga são representativas do estilo maduro de Sibelius. Seus ritmos e desdobramentos constantes de motivos ao longo de bons períodos de tempo requerem uma escuta atenta, mas a clareza das leituras de Elder torna o progresso da música fácil de seguir.
Jean Sibelius (1865-1957): Sinfonias Nos. 5 & 7 / En Saga (Hallé, Elder)
Symphony No.5, Op.82
01. I. Tempo molto moderato (13:31)
02. II. Andante mosso, quasi allegretto (08:25)
03. III. Allegro molto (09:24)
Intrigante, surpreendente, engraçada, Ligeti é a música do final do século XX e além. Os trabalhos incluem peças para instrumentos solo (órgão, piano), para conjuntos de câmara desde quartetos até orquestras de câmara, mais obras para coral, concertos instrumentais e para grande orquestra. Os vários conjuntos — Ensemble Intercontemporain, Orquestra de Câmara da Europa, London Sinfonietta, Orquestra Filarmônica de Viena, Coro da Rádio Alemã de Hamburgo, Quarteto Hagen, Vienna Brass Soloists, irmãos Kontarsky, Quarteto LaSalle e vários outros solistas excepcionais — , estão sob a direção de luminares como Claudio Abbado, David Atherton, e Pierre Boulez. E quem não rir com as Aventures é mulher do padre ou come uma freira feia sob pagamento (módico, com dinheiro dos crentes). Destaques também para os ESPLÊNDIDOS Concertos para Piano e para Violino.
György Ligeti (1923-2006): Clear or Cloudy (CDs 3 e 4, de 4)
CD 3:
1. Aventures for 3 singers and 7 instrumentalists (1962) [12:01]
Nouvelles Aventures for 3 singers and 7 instrumentalists
2. 1. Sostenuto [6:17]
3. 2. Agitato molto [5:12]
Cello Concerto (1966)
4. 1. Quarter = 40: Attacca [6:55]
5. 2. (Lo stesso tempo) [8:14]
Jean-Guihen Queyras
Ensemble Intercontemporain, Pierre Boulez
Chamber Concerto for 13 instrumentalists
6. 1. Corrente (Fliessend) [5:03]
7. 2. Calmo, sostenuto [5:48]
8. 3. Movimento preciso e meccanico [3:51]
9. 4. Presto [3:32]
Ensemble Intercontemporain, Pierre Boulez
Mysteries of the Macabre for Trumpet and Piano
10. Arr. Elgar Howarth [6:52]
arr. Elgar Howarth
Håkan Hardenberger, Roland Pöntinen
Double Concerto for flute, oboe & orchestra
11. 1. Calmo, con tenerezza [8:08]
12. 2. Allegro corrente [7:51]
Jacques Zoon & Douglas Boyd
Chamber Orchestra of Europe, Claudio Abbado
Devo iniciar declarando meu amor. Pois a verdade, caríssimos pequepianos, é que amo Ligeti. Assim como o imenso Bartók, Ligeti foi um compositor húngaro, um dos mais notáveis do século XX. Este álbum quádruplo da DG é maravilhoso. Vejam só quem toca, não há second choices: só dá Boulez, Abbado, Hagen Quartett, Orquestra Filarmônica de Viena… Neste dois primeiros CDs já estão Lontano, Atmosphères, Luz aeterna, Volumina, o Quarteto Nº 1, a Sonata para Cello Solo, ou seja, muitas obras-primas. Ligeti se tornou conhecido por ter sido fartamente utilizado por um grande fã seu, o cineasta Stanley Kubrick, que usou suas músicas em filmes como 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001) e De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut). É preciso que se esclareça que Ligeti não compôs tais músicas como trilhas desses filmes, mas elas foram utilizadas por Stanley Kubrick pela extrema adequação entre suas linguagens. Não, não é pouca coisa.
György Ligeti (1923-2006): Clear or Cloudy (CDs 1 e 2, de 4)
CD 1:
György Ligeti (1923 – 2006)
Sonata for Solo Cello
1. 1. Dialogo: Adagio, rubato, cantabile [4:55]
2. 2. Capriccio: Presto con slancio [3:47]
Matt Haimovitz
Six Bagatelles for Wind Quintet (1953)
3. 1. Allegro con spirito [1:14]
4. 2. Rubato. Lamentoso [3:04]
5. 3. Allegro grazioso -attacca subito [2:43]
6. 4. Presto ruvido [0:58]
7. 5. Adagio. Mesto [2:27]
8. 6. Molto vivace. Capriccioso [1:21]
Jacques Zoon, Douglas Boyd, Richard Hosford, James Sommerville, Matthew Wilkie, Claudio Abbado
String Quartet No. 1 (Métamorphoses nocturnes)
9. Allegro grazioso [1:31]
10. Vivace, capriccioso [0:34]
11. A tempo [1:20]
12. Adagio, mesto [2:10]
13. Presto [2:11]
14. […] molto sostenuto – Andante tranquillo [1:34]
15. Più mosso [2:00]
16. Tempo di Valse, moderato, con eleganza, un poco capriccioso [0:55]
17. Subito prestissimo [0:43]
18. Subito: molto sostenuto [0:45]
19. Allegretto, un poco gioviale [0:54]
20. Allarg. Poco più mosso 0:001:03
21. Subito allegro con moto, string. poco a poco sin al prestissimo [0:34]
22. Prestissimo [1:05}
23. Allegro comodo, gioviale [0:13]
24. sostenuto, accelerando [1:46]
25. Lento [0:42]
Hagen Quartett
Ten Pieces for Wind Quintet
26. 1. Molto sostenuto e calmo [2:05]
27. 2. Prestissimo minaccioso e burlesco [0:43]
28. 3. Lento [1:48]
29. 4. Prestissimo leggiero e virtuoso [0:49]
30. 5. Presto staccatissimo e leggiero [0:31]
31. 6. Preso staccatissimo e leggiero [1:12]
32. 7. Vivo, energico [1:08]
33. 8. Allegro con delicatezza [2:32]
34. 9. Sostenuto, stridente [1:03]
35. 10. Presto bizzarro e rubato, so schnell wie möglich [1:01]
Wiener Bläsersolisten
String Quartet no.2 (1967-68)
36. Allegro nervoso [5:13]
37. Sostenuto, molto calmo [4:56]
38. Come un meccanismo di precisione [3:09]
39. Presto furioso, brutale, tumultuoso [2:01]
40. Allegro con delicatezza – stets sehr mild [5:38]
LaSalle Quartet
Para esta postagem comemorativa dos 100 anos de nascimento de György Ligeti imaginei uma reunião de amigos, de pessoas com muitas afinidades que se encontram para um animado papo…
É claro, deve estar presente a música do homenageado. Mas, optei por trazer algumas de suas composições misturadas a peças de outros compositores que lhe fazem, assim, companhia. Imagino que se eles estivessem todos reunidos (quem sabe?) estariam batendo papo, trocando figurinhas.
Começo com um disco curto de um jovem pianista – Alim Beisembayev – que ganhou o Leeds Interational Piano Competition em 2021. Andrew ficou aMa(n)zed com os dotes pianísticos do Alim enquanto regia a régia RPO na linda Rapsódia sobre um tema de Paganini, do Sergei Rachmaninov – feito que lhe rendeu a Gold Medal do concurso. Nascido no Cazaquistão no apagar das luzes do século passado, Beisembayev já tem um carreira de pianista consolidada e um disco comercial com os endiabrados estudos para piano de Liszt.
Neste disco (associado ao concurso) ele mostra suas credenciais tocando três lindas sonatas de Scarlatti, duas peças de Miroirs de Maurice Ravel e três estudos para piano do nosso homenageado. É interessante ver a música de Ligeti ao lado de peças de compositores que contribuíram enormemente para o desenvolvimento da técnica de tocar instrumentos com teclado. Mesmo tendo apenas três dos estudos de Ligeti neste disco, já dá para se ter uma ideia do escopo da criatividade do sujeito. Cordes à vide é o segundo estudo do primeiro livro e é estranhamente sereno, calmo e lembra o universo de Debussy. Depois deste momento de reflexão, dois estudos do segundo livro que levam a técnica de piano ao extremo. Der Zauberlehrling (O Aprendiz de Feiticeiro) e L’escalier du diable (que dispensa tradução) são estudos que dão nós nos dedos dos pianistas e deixam todos (inclusive os ouvintes) sem fôlego.
O segundo disco da postagem foi gravado ao vivo (há palmas no final dos números musicais, mas as gravações são impecáveis) na série Wigmore Hall Live no concerto do famoso Arditti String Quartet, cuja identificação com a música moderna é notória. Para este recital eles escolheram quartetos de Conlon Nancarrow, Henri Dutilleux e o Segundo Quarteto de Ligeti. O disco é realmente muito intenso, mas uma audição cuidadosa, de mente aberta às novidades, pode render muitos bons frutos. Desses dois ‘vizinhos’ de Ligeti, Nancarrow é possivelmente o menos conhecido, mas desfrutava um enorme reconhecimento do György. Veja o que ele disse sobre Conlon Nanacarrow: This music is the greatest discover since Webern and Ives… his music is so utmost original, enjoyable, constructive and at the same time emotional… for me it’s the best music of any living composer. […] para mim, é a melhor música de qualquer compositor vivo.
Na apresentação do disco, o quarteto de Ligeti é considerado a peça mais difícil. But while both of these works are undeniably impressive for the great difficulties they present, the tour de force of this recording is György Ligeti’s enormously demanding String Quartet No. 2 (1968), a masterpiece of extended string techniques and sonorities that is a bold continuation of the explorations of Béla Bartók. O ‘tour de force’ deste disco é o terrivelmente exigente Quarteto de Cordas No. 2 (1968) de Ligeti, uma obra de técnicas e sonoridades de cordas levadas ao extremo e é uma ousada continuação dos avanços feitos por Béla Bartók.
Ligeti foi um compositor de música para piano, que ele tocava com uma técnica inadequada, como ele mesmo afirmou. Esta técnica inadequada aliada a uma imaginação prodigiosa o fez produzir peças que o colocam como mestre na linha de grandes compositores para piano, como Chopin, Liszt e Debussy.
Antes de Chopin os estudos para piano (Czerny, Moschelles, por exemplo) eram peças que tinham caráter técnico e visavam os estudantes de piano. Schumann e (principalmente) Chopin levaram o gênero a outro nível, devido à qualidade artística das obras que criaram.
Assim, o último disco da postagem coloca Ligeti em companhia destes dois gigantes, Chopin e Debussy, sem contar três lindas peças de Nikolai Kapustin. Dora Deliyska é uma ótima pianista que também é uma artista versátil e interessante. Ela tem criado projetos que resultam em discos como este, um lançamento recente. Inspirada nas muitas coleções de 24 peças, ela escolheu entre as obras desses quatro compositores – Chopin, Debussy, Ligeti e Kapustin – uma coleção de 12 estudos e 12 prelúdios, criando assim o orgânico programa do disco – Études & Préludes.
A contribuição de Ligeti está na primeira metade do programa – quatro estudos, três dos quais já apresentados no disco do Alim Beisembayev. Você poderá ouvi-los na sequência integrada aos outros estudos dos outros compositores, mas também poderá perceber as nuances entre as diferentes interpretações dos dois pianistas. O quarto estudo é do primeiro livro e chama-se Fanfares. Deve ser tocado tão presto quanto possível, vivacissimo! Em um outro livreto este estudo é caracterizado como uma furious piece, baseado em um ostinato (teimosias) e está relacionado com o Trio para Violino, Trompa e Piano, escrito uns anos antes, em homenagem à Brahms. Resolvi incluir este disco na postagem pelo Ligeti ao lado dos outros compositores, mas também pela criatividade da pianista Dora Deliyska.
Eu continuei estudando Matemática e Física por conta própria, mas um ano e meio depois eu me dei conta que queria ser compositor e depois disso nunca mais mudei de ideia.
Uma das características mais marcantes que vejo na música de György Ligeti consiste no reflexo de sua criatividade e sua recusa de se encaixar em algum estilo musical corrente. Ele estava atento a diversos tipos de estilos musicais – polifonia africana, música da América Latina (discutia em suas aulas as gravações trazidas por Roberto Sierra, um aluno porto-riquenho), jazz como a música de Bill Evans e Thelonius Monk, só para se ter uma ideia. Fora da música ele também tinha interesses diversos, como na Teoria do Caos, conjuntos (fractais) de Mandelbrot, nas tríades do Conjunto de Cantor, na literatura de Jorge Luis Borges e de Lewis Carroll. Essas inspirações e muitas outras lhe deram forças para na última etapa de sua vida produzir música incrivelmente original, como os Études, Estudos para Piano.
O piano ou teclado havia recebido sua atenção em peças como a Musica ricercata, no início da década de 1950 e também na peça Continuum, de 1968, um exercício para produzir um contínuo sonoro a partir de uma grande quantidade de notas tocadas em um pequeno intervalo de tempo (uma inumerável quantidade de finíssimas fatias de salame). Para obter esse efeito, usou o cravo, capaz de grande agilidade no seu mecanismo. Esse instrumento também foi usado, dez anos depois, em mais duas outras peças – a Passacaglie ungherese e Hugarian Rock, quando ele tentava se reconectar com suas raízes húngaras. Outra produção envolvendo piano é o conjunto de três peças para dois pianos, de 1973: Monument, Selbstportrait e Bewegung (Movimento).
De qualquer forma, entre 1977 e 1982 Ligeti passou por um período sem produzir novas obras e enfrentando problemas de saúde. Saindo desse período de seca em 1980, ele conheceu as peças de Conlon Nancarrow que lhes surgeriram novos caminhos criativos. Em 1982 compôs o Trio para violino, piano e trompa a pedido do pianista Eckart Bresch, para acompanhar a composição de Brahms para a mesma combinação de instrumentos. Essa composição o colocou de volta à ativa e deu partida ao maravilhoso processo de composição dos três livros de Estudos. Segundo o próprio Ligeti, seus ‘influenciadores’ foram Scarlatti, Chopin, Schumann e Debussy, mas é claro que ele canalizou para essas obras muitas outras influências.
Eu adoro os nomes dos estudos e como esses nomes refletem aspectos das respectivas obras, lembrando o caso dos prelúdios de Debussy. Veja, a Matemática está presente nas desordem de Désordes e na geometria de Vertige, L’escalier du diable e Columna infinita. Há a poesia de Arc-en-ciel, Automne à Varsóvie, Entrelacs, assim como o técnico Touches bloques ou alusivos e brincalhões Galamb borong e Fém. Der Zauberlehrling é o Aprendiz de Feiticeiro. No último livro, que ficou incompleto, há o estudo com nome de filme – À bout de soulfle, Breathless, Sem Fôlego.
Escolhi para esta postagem um disco com o pianista Eric Huebner que em 2012 foi apontado pianista da Filarmônica de Nova Iorque e é dedicado à música dos séculos 20 e 21. No disco ele interpreta os livros 1 e 2 de Estudos e, na companhia da violinista Yuki Numata Resnick e trompista Adam Unsworth, interpreta o Trio. Gostei inclusive da produção do disco e ficarei de olhe em suas outras contribuições.
A obra de Ligeti já tem o passaporte para a posteridade, mas é bastante recente e os primeiros músicos que as interpretaram (alguns inclusive receberam dedicatórias do compositor) ainda estão ativos. A própria colaboração com o compositor está presente em algumas gravações recentes. Ligeti era bastante específico quanto a maneira como esperava que suas obras fossem interpretadas. Mas uma nova geração já está se apresentando e dando a essas peças as suas interpretações e isso é o que torna a música tão orgânica, tão viva. Por isso decidi postar uma outra gravação completa dos 18 estudos, feita para o selo Wergo, dedicado à música contemporânea, pelo pianista Thomas Hell. Irresistível não imaginar o apresentador mandando: Ladys and gentlemen, I now give you Hell, … Thomas Hell! Claro, em inglês hell é inferno, mas em alemão é claro, brilhante. Assim, vocês poderão ver que o Thomas tem fogo e brilho para interpretar os estudos de Ligeti, mas também pode ter uma visão um pouco diferente dessas obras.
Uma palavra sobre o selo Wergo. Eu sempre imaginei que Wergo fosse uma palavra em alemão, bem dentro de minha fértil imaginação e santa ignorância. Mas, é simplesmente o nome escolhido para a companhia que foi fundada em 1962 pelo historiador e editor de música Werner Goldschmidt.
Critically acclaimed pianist Eric Huebner releases his performance of György Ligeti’s famous Études alongside his iconic Trio for Violin, Horn, and Piano with colleagues Yuki Numata Resnick and Adam Unsworth. Ligeti’s attraction to stylistic influences from across the spectrum, including non-Western music cultures, while preserving a Hungarian core to his aesthetic, is apparent in Huebner’s dynamic performances of these remarkable works.
In the early days, pianists felt obliged to obey Ligeti’s injunction to go always to extremes – of loudness, speed or sheer frenzy. Nowadays, as this new recording shows, they are more relaxed and worldly-wise…In general, it’s the fluidly atmospheric or reflective Etudes that come off best…but overall, this is a magnificent recording.[BBC Music Magazine]
Erika Haase foi uma pianista alemã que se dedicou bastante à música de vanguarda. Ela foi amiga de Ligeti, colaborou por um tempo com Boulez e teve Andreas Staier entre seus alunos.
Isso aqui é ouro puro! Um belo disco brasileiro com música de Ligeti e de compositores brazucas. Tudo muito bem gravado no ano de 2013 e notavelmente bem executado pelo Percorso Ensemble sob a direção de Ricardo Bologna. Claro que há alguma desproporção entre o mestre e os jovens brasileiros, mas o disco é realmente muito bom. Talvez Freitas e Siqueira não tenham utilizado suas próprias vozes, pois suas peças foram inspiradas pelo húngaro. O Concerto de câmara para treze instrumentos de Ligeti foi composto em 1969/1970. Foi criado num momento de maturação de seu estilo anterior, caracterizado por uma grande densidade de textura e precursor de alguns aspectos que ele virá a desenvolver posteriormente, como uma maior transparência e melodismo.
Concerto De Câmara Para 13 Instrumentistas
1 I. Corrente
2 II. Calmo, Sostenuto
3 III. Movimento Preciso E Meccanico
4 IV. Presto
Cello – Douglas Kier
Clarinet – Sérgio Burgani
Clarinet, Bass Clarinet – Nivaldo Orsi Composed By – György Ligeti
Double Bass – Claudio Torezan
Flute, Piccolo Flute – Cassia Carrascoza
French Horn – Samuel Hamzem
Harpsichord, Electric Organ [Hammond] – Lucia Cervini
Oboe, Oboe d’Amore, English Horn – Peter Apps
Piano, Celesta – Horácio Gouveia
Trombone – Dárcio Gianelli
Viola – Elisa Monteiro
Violin – Ana De Oliveira, Simona Cavuoto
Regência – Ricardo Bologna
5 Kronos & Kairós: Um Retrato Para Nancarrow E Ligeti
Ligeti não é apenas o grande compositor que de certa forma carrega o legado de Bartók, mas é um sujeito bem-humorado e divertido. Imaginem que ele estudou com Zoltán Kodály e realizou — como Bartók e Kodály — um trabalho etnomusicológico sobre a música folclórica romena, porém, depois de um ano, voltou à antiga escola em Budapeste e foi nomeado professor de harmonia, contraponto e análise musical. As 3 obras deste CD são de fases distintas do compositor. O Andante é de 1950, o Quarteto Nº 1 é de 1953 e o Nº 2 é de 1968.
Bem, como escrevi acima, cerca de 15 anos separam os dois quartetos de cordas numerados de György Ligeti e, do ponto de vista estilístico, eles pertencem a fases diferentes de sua carreira criativa. O primeiro, com o subtítulo “Métamorphoses nocturnes”, foi iniciado em 1953, quando Ligeti ainda vivia em sua Hungria natal, onde o realismo socialista era a regra para os compositores desde o governo comunista implantado cinco anos antes. Na época em que escreveu o segundo, ele já estava baseado na Europa Ocidental, tendo deixado seu país natal durante o levante de 1956 .
Ouvidos sucessivamente, os dois quartetos demonstram de onde vieram as obras madu0ras e todo um mundo musical recém-criado. Os gestos bartókianos dos 12 minúsculos movimentos do primeiro estavam totalmente fora das prescrições estilísticas autoritárias. No segundo, são substituídos pelas texturas mutáveis, pelos mecanismos interligados e as prestidigitações harmônicas com as quais Ligeti estabeleceu um distinto nicho dentro da vanguarda do pós-guerra. Infelizmente, ele nunca voltou a escrever um quarteto durante o notável terceiro período de sua carreira, embora após sua morte, em 2006, esboços de duas dessas obras tenham sido encontrados entre seus papéis, aparentemente destinados aos Quartetos Arditti e Kronos, respectivamente. UMA PENA, REALMENTE.
No entanto, o que temos são duas das contribuições mais significativas para o repertório do quarteto da segunda metade do século XX. Eles impõem enormes demandas técnicas e musicais, e o Quarteto Diotima atende a seus desafios com mais precisão e brilho do que qualquer outro que já ouvi antes. Cada detalhe da escrita das cordas, criada pela incrível imaginação de Ligeti, é cristalino, a forma de cada movimento totalmente lúcida.E, entre essas obras, o Diotima fornece um vislumbre de onde a jornada musical de Ligeti começou: se o Primeiro Quarteto pertence ao que o compositor chamou de seu período “pré-histórico”, então o Andante e Allegretto, composto em 1950, enquanto ele era aluno da Academia Franz Liszt em Budapeste, presumivelmente se qualificaria como um Ligeti primordial, quando Kodály e Bartók faziam parte da mistura estilística e a influência da música folclórica húngara e romena ainda era clara. Não sabemos se a capa do CD, no estilo 2001, uma odisseia no espaço, se deve ao bom humor do quarteto, mas que eu dei risada, dei.
György Ligeti (1923-2006): Quartetos Nº 1 e 2 / Andante e Allegretto (Quatuor Diotima)
String Quartet No. 1, “Métamorphoses Nocturnes” (20:57)
01 I Allegro Grazioso 1:28
02 II Vivace, Capriccioso 1:51
03 III Adagio, Mesto 2:13
04 IV Presto 1:08
05 V Prestissimo 1:24
06 VI Andante Tranquillo 3:12
07 VII Tempo di Valse, Moderato, Con Eleganza, Un Poco Capriccioso 0:52
08 VIII Subito Prestissimo 1:31
09 IX Allegretto, Un Poco Giovale 0:55
10 X Poco Più Mosso 1:41
11 XI Prestissimo 1:34
12 XII Ad Libitum, Senza Misura 3:15
Andante and Allegretto for String Quartet (13:17)
13 I Andante Cantabile 6:29
14 II Allegretto Poco Capriccioso 6:48
String Quartet No. 2 (19:29)
15 I Allegro Nervoso 4:40
16 II Sostenuto, Molto Calmo 4:41
17 III Come Un Meccanismo di Precisione 3:14
18 IV Presto Furioso, Brutale, Tumultuoso 1:57
19 V Allegro Con Delicatezza 4:57
Luca Chiantore, autor de uma Historia de la técnica pianística que não tem concorrentes no mercado editorial, comenta assim o interesse tardio de Ligeti pelo piano:
Nos anos 60, quando ficou famoso, lhe interessavam as massas sonoras da orquestra e do coral. Entre os intrumentos de teclado, preferiu o órgão, com importantes composições para esse instrumento entre 1962 e 69. Sua investigação pianística parecia ter estancado na juvenil Musica Ricercata dos anos 50, “surpreendente despedida da tradição bartokiana e fulgurante exemplo de sincretismo estilístico”, diz Chiantore.
No final dos anos 70, porém, Ligeti parece ter se cansado do estilo que o fez célebre. A partir de então, com uma peça para dois pianos e um trio para trompa, violino e piano (1982), teve um interesse crescente pelo piano. A elaboração sonora se reduz das grandes massas orquestrais e corais e Ligeti recupera uma dimensão virtuosística da interpretação. Chiantore diz ainda que o título Études, em francês, deixa implícita uma homenagem à tradição do piano romântico e aos estudos de Chopin e Debussy. Ao mesmo tempo, Ligeti fazia esses tipos de diálogos com as tradições anteriores sempre do seu próprio ponto de vista: ele jamais se colocaria como um “neoromântico” ou neo- qualquer coisa. Então, misturada com Chopin e Debussy estava a influência do compositor americano-mexicano Conlon Nancarrow (1912-1997), autor de “49 Studies for Player Piano” compostos para o instrumento – em português se chama pianola – que se toca sozinho, com base em um mecanismo mecânico de cartões perfurados semelhante àqueles primeiros e enormes computadores antigos. Com suas complexidades polirítmicas pensadas para as capacidades das máquinas e, em muitos casos, impossíveis de serem tocadas por duas mãos humanas, os estudos de Nancarrow representaram, para Ligeti, “a maior descoberta desde Webern e Ives… Sua música é original, perfeitamente construída, mas ao mesmo tempo com emoções…”
Então esse Ligeti maduro que compôs estudos nas décadas de 1980 a 2000 parece ter dois lados de sua personalidade, seus Dr. Jekyll and Mr. Hyde, divididos entre o mecânico e o sentimental. E aí entramos na audição comparada dos Estudos por esses três pianistas. O francês Pierre-Laurent Aimard, pupilo de Boulez, enfatiza mais o lado mecânico dessas obras, e quem sou eu para dizer se ele está certo ou errado quando o próprio Ligeti dedicou dois dos estudos para ele? Tendo ensaiado várias dessas obras com o compositor, ele é uma autoridade no assunto. Tanto ele como Idil Biret gravaram os estudos quando o compositor ainda era vivo e o terceiro livro ainda não tinha sido inteiramente publicado.
A pianista turca Idil Biret provavelmente foi a primeira a enfatizar o lado romântico de vários desses estudos, atenuando um pouco o caráter mecânico e mostrando o quanto Ligeti traz, mesmo que disfarçados, elementos do piano romântico de Chopin. Após uma longa carreira na qual foi menina prodígio, depois aluna de Alfred Cortot e Nadia Boulanger em Paris, depois concertista com um imenso repertório que inclui gravações dos Estudos de Chopin e dos Études-Tableaux de Rachmaninoff (na verdade ela gravou as obras completas de ambos pela Naxos), não chega a espantar que a sua interpretação de Ligeti tenha conseguido encontrar no compositor esses discretos elementos de sensibilidade romântica em estudos como o lento nº 11, “En suspens” – Andante con moto, avec l’élegance du swing e no nº 11, con delicatezza.
O inglês Danny Driver parece, em muitos estudos, buscar um caminho do meio entre essas duas interpretações. Tanto em termos de estilo como nos andamentos, ele vai se equilibrando entre a técnica e o sentimento. Entre a velocidade estonteante e a comunicação com o ouvinte, que às vezes exige pequenas pausas para que os detalhes apareçam. Os outros dois também fazem esse difícil equilíbrio, é claro, mas acabam pendendo para um dos dois lados como já disse acima.
Por exemplo no mais longo dos estudos, o diabolicamente difícil nº 13, “L’escalier du diable” (A escada do diabo) – Presto legato ma leggiero, com seu movimento ascendente alucinante, Aimard despacha tudo em 5min16s, Biret faz tudo com mais calma em 6min50, deixando transparentes para o ouvinte alguns truques da partitura, enquanto Driver corre quase tanto quanto o francês (5min23s).
Ao contrário de compositores que mandam o intérprete encostar nas cordas do piano ou usar objetos como moedas e vidros para mudar o som do instrumento (é o caso de Cage, Gubaidulina, Vasks e muitos outros das últimas décadas), Ligeti inova apenas no teclado mesmo: o exemplo mais evidente é o 3º estudo, “Touches bloquées”, ou seja, teclas bloqueadas, no qual algumas teclas ficam travadas pelos dedos sem fazer som, o que muda os harmônicos das outras notas, além de criar irregularidades novamente bartokianas. Como explica Idil Biret: “O pianista segura certas notas com o dedo sem fazer som e, enquanto isso, toca as outras; quando chega às notas bloqueadas, não sai som. Isso nunca tinha sido feito antes.”
As instruções de Ligeti muitas vezes são detalhadas e mesmo contraditórias: há uma grande interesse em sons com a repetição precisa das máquinas ao mesmo tempo que há indicações como rubato, con eleganza, con delicatezza, cantabile, with swing… Todas essas indicações vão mais ou menos no sentido contrário da “máquina de precisão”, expressão que pego emprestado de um movimento do seu segundo quarteto de cordas (1968) com a indicação “Come un meccanismo di precisione”.
Danny Driver, no livreto do seu disco lançado há poucos anos, resume assim os desafios de se tocar esses estudos:
Ligeti himself spoke of imagining in the Études ‘highly emotive music of high contrapuntal and metric complexity, with labyrinthine branches and perceptible melodic forms, but without any “back to” gesture, not tonal but not atonal either.’
On a personal note, the process of preparing and repeatedly performing the Études over several years has been an exhilarating and exhausting venture. For all their technical pyrotechnics, I have always believed that they must not become an aural-visual spectacle, a Herculean tour de force that can leave audiences stunned by achievement yet left in the cold. As E D Hirsch might explain, we must not ignore the ‘ghost in the musical machine’ or imagine that ‘the problems of interpretation will be resolved into operational procedures’. Putting the emotional and evocative power of these pieces centre stage despite their intransigent virtuosity is—for me at least—the ultimate challenge laid down by these extraordinary works.
O título de cada estudo traz referências ou dicas de ideias a ele relacionadas: em vez de dar nomes como “estudo de terças” ou “arpejos compostos” (Debussy), Ligeti dá nomes provocativos em várias línguas, como Désordre (Desordem), Fanfares e Der Zauberlehrling (O aprendiz de feiticeiro). E o que dizer do estudo 14, Coloana infinită? Representada nas fotos ao lado tanto de dia como de noite, a coluna é uma escultura na Romênia, construída em 1938 em homenagem aos jovens mortos na 1ª Guerra Mundial. Uma bela escultura que, vista de perto, deve causar algumas ilusões de ótica. O andamento descrito por Ligeti é Presto possibile, tempestoso con fuoco.
Para Aimard, o tempestoso significa uma sonoridade forte e opressora, enquanto o con fuoco indica sons novamente em estilo de máquina, tirados do piano com maestria. Biret, bem pelo contrário, parece observar a tempestade do conforto do seu banco de pianista e dela extrai cores menos preocupadas, mais calmas. Driver mais uma vez ocupa um lugar entre os dois anteriores: sua articulação rítmica lembra mais a das mãos de Aimard, mas seu coração parece estar com o de Biret.
Gyorgy Ligeti: Études nº 1 a 15, Musica Ricercata
Pierre-Laurent Aimard, piano
Recorded: Salle de Musique, La Chaux de Fonds, 1995-1996
Métamorphoses nocturnes é a grande atração deste CD e é um título particularmente adequado para o primeiro quarteto do lendário compositor húngaro György Ligeti. É uma extraordinária obra de juventude que dá uma mostra da inquietude e do desenvolvimento precoce daquele que é uma das vozes mais influentes do século 20.
Composto em 1953-4, fica claro que o herói de Ligeti era Béla Bartók, um dos poucos compositores “modernos” que eram acessíveis ao dentro das fronteiras da Hungria. O Quarteto é marcado por discordantes ritmos folclóricos, contraponto e episódios de solidão e violência. Bartók. Mas a voz do próprio Ligeti é clara, assim como o germe do que viria a se tornar conhecido como a “micropolifonia” — densas rajadas que resultam em aglomerados frenéticos.
Gosto muito do Quarteto Nº 1, apesar de sabê-lo inferior ao 2. Fazer o quê? Já a Sonata para Violoncelo Solo é de 1948-1953, é lírica e tem referências a Bach, Bartók e Kodály. Uma peça de estudo, ou de um estudante brilhante.
Gyorgy Ligeti (1923-2006): Quartetos de Cordas Nº 1 e 2 / Sonata para Violoncelo Solo
String Quartet No. 2
02. I. Allegro nervoso
03. II. Sostenuto, molto calmo
04. III. Come un meccanismo di precisione
05. IV. Presto furioso, brutale, tumultuoso
06. V. Allegro con delicatezza
E mais um Ligeti para o povo pequepiano. A complexidade dos contrapontos do Requiem — música da fase timbrística de Ligeti e composta um ano antes de Lux Aeterna — é uma coisa que beira o absurdo, ao menos para um ouvinte como eu. É uma coisa linda e metafísica. É a melhor peça deste maravilhoso CD, mas amo também as divertidas Aventures e as Nouvelles Aventures, escritas pouco antes do Requiem. Aqui há também uma polifonia furiosa, porém parece-me que a utilização de grunhidos e, fundamentalmente, do riso e de algumas momices, torna essas duas obras mais simpáticas do que o belo e difícil Requiem. Nas Aventuras, a impressão geral é a de que estamos de volta ao ambiente e à vida descrita pelo excelente filme Themroc (1973), de Claude Faraldo… Esta gravação é de 1965 e bastante rara, apesar da Amazon tê-la disponível.
Enjoy porque vale a pena…
György Ligeti (1923-2006) – Requiem, Aventures e Nouvelles Aventures
1 Requiem Choir – Chor Des Bayerischen Rundfunks
Chorus Master – Wolfgang Schubert
Conductor [Orchester] – Michael Gielen
Mezzo-soprano Vocals – Barbro Ericson
Orchestra – Sinfonie-Orchester Des Hessischen Rundfunks Frankfurt
Soprano Vocals – Liliana Poli
1968 foi um ano fora da curva. Entre tantas coisas, assistiu ao lançamento de um filme que mesmo hoje parece além do tempo – 2001, Uma Odisseia no Espaço. Stanley Kubrick sabia como poucos usar a música como um componente fundamental na construção de suas obras.
Pois foi assim, nos fins de 1960, György Ligeti morava na Alemanha e era conhecido como um importante compositor de vanguarda, quando recebeu uma carta de um amigo de Nova Iorque parabenizando-o pela música do recém lançado sucesso, o filme 2001, Uma Odisseia no Espaço. Estamos falando de um tempo no qual as notícias literalmente caminhavam. Ligeti ficou chocado e foi à première do filme em Viena. Passou ouvindo meia hora de sua própria música. Bem, houve uma disputa judicial e ao fim de seis anos a MGM pagou U$ 3500 pelo uso das músicas.
Atmosphères é uma das peças usadas por Kubrick e havia sido composta em 1961, sob encomenda da Southwest German Radio (SWF), que a estreou em 22 de outubro de 1961 sob a regência de Hans Rosbaud. A técnica usada na composição foi chamada por Ligeti de micropolifonia e o efeito obtido não passou desapercebido por Kubrick. Segundo ele, a peça foi escolhida devido à maneira que ela sugere atemporalidade. Essa peça é crucial para criar o clima de imobilidade temporal nos momentos finais do filme.
Kubrick havia enviado partituras de obras de Ligeti para o compositor ‘oficial’ do filme, para que ele compusesse algo ‘semelhante’, mas a música original acabou sendo usada (sem a permissão) mas com os devidos créditos. Apesar do estresse, a música e o nome de Ligeti ganharam audiência universal, bem além dos exotéricos círculos de interessados em música clássica contemporânea, e a obra de Kubrick pode atingir o nível artístico que tem. Posteriormente Kubrick voltou a usar música de Ligeti em seus filmes, mas com as devidas permissões.
– Mas você gostou do filme? – perguntou um jornalista…
– Sim, eu realmente gostei do filme! – respondeu Ligeti.
A outra peça desse disco é o Concerto para Violino, que foi composto entre 1989 e 1993 e incorpora elementos diversos como influências da música medieval e da renascença, passando pelo romântico e alguns estilos contemporâneos. Uma viagem no tempo. Não deixe de notar o efeito obtido do uso de ocarinas, no seu segundo movimento, e que devem ser tocadas quase em uníssono. O solista, Benjamin Schmid nasceu e estudou em Viena e no Curtis Institute, na Filadélfia. Ele ganhou importantes prêmios em concursos internacionais e se dedica bastante a música mais recente, além de interpretações do repertório mais tradicional. A Orquestra Sinfônica da Rádio Finlandesa é regida por Hannu Lintu, que tem grande interesse em música mais atual.
Em 1980, Kubrick usou outra peça deste disco para uma cena de O Iluminado, desta vez Ligeti estava na companhia de Wendy Carlos, Bartók, Berlioz e Panderecki…
Author and cultural commentator Norman Lebrecht states: “Kubrick had completely altered the way music was applied in movies; no longer as an enhancement of emotion, but as a dimension in its own right.”
O Chat PQP: Uma das obras mais conhecidas de Ligeti para orquestra é “Atmosphères”. Nessa peça, Ligeti busca criar uma textura sonora densa e em constante transformação, explorando a sobreposição de camadas de som e a mudança gradual de timbres e densidades orquestrais. “Atmosphères” é uma obra marcante pela sua abordagem não linear e pelo uso de microvariações, que criam uma atmosfera etérea e misteriosa. Na outra obra, “Lontano”, ele explora a ideia de distância e evocação espacial. A peça começa com notas individuais de diferentes instrumentos, criando um efeito de distância e dispersão sonora. Gradualmente, os sons se juntam, criando uma textura sonora rica e evocativa.
Outra gravação de Atmosphères… veja como os instrumentos da orquestra são usados!
Certa vez, vi o Quarteto Hagen tocando Bartók no Southbank Center de Londres. Foi um dos melhores concertos a que fui na vida. O Hagen foi fundado em 1981 por quatro irmãos, Lukas, Angelika (primeiramente substituída por Annette Bik, que foi substituída por Rainer Schmidt em 1987), Veronika e Clemens, em Salzburgo. Os membros do quarteto são professores e mentores no Salzburg Mozarteum e na Hochschule für Musik Basel. Aqui, eles estão no seu chão e dão um chocolate. O Quarteto de Cordas Nº 1 de Ligeti, intitulado Métamorphoses nocturnes, foi composto em 1953–54. É, portanto, representativo do que Ligeti costumava chamar de “o Ligeti pré-histórico”, referindo-se às obras que escreveu antes de deixar a Hungria em 1956. Este quarteto foi fortemente inspirado pelo terceiro e quarto quartetos de Bartók, tanto que recebeu a alcunha “o sétimo quarteto de cordas de Bartók” pelo compositor húngaro György Kurtág. Ligeti só pode estrear este quarteto fora de sua Hungria natal, a performance dele foi proibida. Mas mesmo assim, ele guarda muito do Ligeti posterior. O bom humor e as surpresas estão por todo lado.
Ligeti / Lutosławski / Schnittke: Quartetos de Cordas / Cânon em Memória de Igor Stravinsky (Hagen Quartett)
1 György Ligeti– Streichquartett Nr. 1 = String Quartet No. 1 = Quatuor À Cordes N° 1 = Quartetto Per Archi N. 1 (Métamorphoses Nocturnes)
– – 20:08
– Allegro Grazioso
– Vivace, Capriccioso
– A Tempo
– Adagio, Mesto
– Presto
– […] Molto Sostenuto – Andante Tranquillo
– Più Mosso
– Tempo Di Valse, Moderato, Con Eleganza, Un Poco Capriccioso
– Subito Prestissimo
– Subito: Molto Sostenuto
– Allegretto, Un Poco Giovale
– Allarg. Poco Più Mosso
– Subito Allegro Con Moto, String. Poco A Poco Sin Al Prestissimo
– Prestissimo
– Allegro Comodo, Giovale
– Sostenuto, Accelerando
– Lento
Witold Lutosławski*– Streichquartett = String Quartet = Quatuor À Cordes = Quartetto Per Archi
2 I. Introductory Movement 9:04
3 II. Main Movement 16:36
Alfred Schnittke– Kanon In Memoriam I. Strawinsky Für Streichquartett = For String Quartet = Pour Quatuor À Cordes = Per Quartetto D’archi
4 Lento 8:02
Eu amo as gravações que Lenny Bernstein fez com a Wiener Philharmoniker para a Deutsche Grammophon, sempre ao vivo – registrazione dal vivo. Tenho revirado meus guardados, acabei chegando aos discos das Sinfonias de Brahms e como gosto especialmente da Quarta, inclui esta gravação nas minhas audições. É um pouco difícil apontar o que a torna especial, mas há um que de cada coisa em diferentes momentos – melancolia, saudades talvez de coisas que passaram, mas também aquilo que os ingleses chamam wit – bom humor, certas acentuações… Em certos trechos é quase impossível não cantarolar junto. Ah, e as maravilhosas cordas da Wiener Philharmoniker tocando Brahms, isso não é algo que se consegue em poucos anos. Finalmente, há humanidade que acredito se deve a Bernstein, assim como grandeur.
Levei o disco para caminhar e só não chamei mais a atenção da vizinhança porque o pessoal já está habituado – sorrisos e gestos de regência afloraram um pouco mais do que o costume.
Comprei os CDs dessas gravações a peso de metal precioso há décadas e a cada audição minha estima por eles se renova e permanece intacta, suspensa no ar!
Johannes Brahms (1833 – 1897)
Sinfonia No. 4 em mi menor, Op. 94
Alegro non troppo
Andante moderato
Allegro giocoso – Poco meno presto – Tempo I
Allegro energico e passionato – Più Allegro
Abertura Trágica, Op. 81
Allegro non troppo – Molto più moderato – Tempo primo
But the finest of the set is undoubtedly the Fourth: the very opening is simple and songful, yet there is plenty of vitality too, the third movement is rhythmically exhilarating and the great passacaglia has weight and momentum nicely in fulcrum: there is real Brahmsian gravitas here. Throughout this symphony there is a fine resonance to the lower strings and the orchestral playing is first class. [Gramophone]
Este disco é sensacional. A primeira sonata é bem conhecida, penso, em sua versão para flauta, mas as outras me eram inteiramente desconhecidas, E são lindas! No título, o teclado vem antes do violino e é isto mesmo o que se ouve. Nenhum dos dois instrumentos é coadjuvante, só que o piano tem leve protagonismo. E esta dupla de instrumentistas… Ah, é assim que se faz, meus amigos. Mais um disco delicioso da rainha do violino barroco, Rachel Podger. Em parceria com o tecladista Kristian Bezuidenhout, Rachel nos oferece um pouco mais de uma hora de música completamente arrebatadora do muitas vezes subestimado Carl Philipp Emanuel Bach, quinto filho e segundo filho sobrevivente de Johann Sebastian Bach. As Sonatas são imaginativas, inovadoras e sublimes. Kristian Bezuidenhout é o parceiro perfeito para Podger nesses trabalhos. Tem um toque delicado e sutil. Assim como Podger, sua forma de tocar não é automática ou perfeitinha, não está ligada a um metrônomo. Ele arrisca um bom grau de improvisação, o que torna essas obras muito mais interessantes do que seriam em outras mãos. A alternância entre cravo e pianoforte acrescenta grande interesse ao CD. O resultado é o de pura alegria auditiva. Destaque absoluto para o lindo e comovente Arioso con variazioni per il cembalo e violino.
01. Violon Sonata in G Minor, H. 542.5: I. […] 3:46
02. Violon Sonata in G Minor, H. 542.5: II. Adagio 2:40
03. Violon Sonata in G Minor, H. 542.5: III. Allegro 4:51
04. Violin Sonata in C Minor, H. 514, Wq. 78: I. Allegro moderato 8:06
05. Violin Sonata in C Minor, H. 514, Wq. 78: II. Adagio ma non troppo 6:30
06. Violin Sonata in C Minor, H. 514, Wq. 78: III. Presto 5:26
07. Arioso con variazioni per il cembalo e violino in A Major, Wq. 79 11:06
08. Violin Sonata in B Minor, H. 512, Wq. 76: I. Allegro moderato 7:15
09. Violin Sonata in B Minor, H. 512, Wq. 76: II. Poco andante 5:13
10. Violin Sonata in B Minor, H. 512, Wq. 76: III. Allegretto siciliano 5:37
11. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: I. Poco adagio 3:21
12. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: II. Allegro 2:16
13. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: III. Adagio 2:58
14. Violin Sonata in D Major, H. 502, Wq. 71: IV. Menuet I & II 2:53
Kristian Bezuidenhout, teclados
Rachel Podger, violino
Esse é um daqueles disquinhos que nos fazem agradecer pela existência da gravadora Naxos. Nada aqui é óbvio – repertório pouco visitado de compositor (bem) fora do cânone, orquestra e regente pouco conhecidos no circuito internacional, gravação do final dos anos 80. E é assim que chegamos a essa Segunda Sinfonia e ao poema sinfônico Os Cossacos de Zaporozhy, ambos da lavra de Reinhold Glière (1875-1956), “compositor russo-soviético de ascendência alemã e polonesa”, nos contam os alfarrábios.
O encarte do disco conta que Glière foi tutor, nos verões de 1902 e 1903, em Sontsovka, de um rapazote que, digamos, daria certo nessa história de ser músico: Sergei Prokofiev (1891-1953). Ambos tiveram, no entanto, relações bem diferentes com o estado soviético. Enquanto Prokofiev e seu pensamento de vanguarda lhe rendiam problemas com a cartilha nacionalista, Glière foi diversas vezes condecorado, recebendo os prêmios Glinka, Stalin e a Ordem de Lênin, dentre outros.
A Sinfonia nº 2, em dó menor, op. 25, concluída em 1908, foi dedicada ao lendário maestro Serge Koussevitzky. Uma obra bem lírica, de sonoridade grandiosa, profundamente romântica. O poema sinfônico Os Cossacos de Zaporozhy, op. 64 é um tantinho posterior, de 1921, e celebra a bravura e o heroísmo desse povo de guerreiros nômades que se estabeleceu para além das cataratas do rio Dniepre e protagonizou uma grande revolta no fim do século XVII.
Um destaque final para o som quente, volumoso, da Orquestra Sinfônica da Rádio Checo-Eslovaca (hoje apenas Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca). Conta-nos o encarte — viva os encartes!!! – que o grupo, sediado em Bratislava, foi fundado em 1929 e é o mais antigo conjunto orquestral da Eslováquia. A gravação foi feita na sala de concertos da rádio em novembro de 1987, e soa muito bem. Um disquinho interessante, bem testemunho de uma época.
Reinhold Glière (1875-1956)
Sinfonia nº 2, em dó menor, op. 25 1. Allegro pesante
2. Allegro giocoso
3. Andante con variazioni
4. Allegro vivace
5. Os Cossacos de Zaporozhy, op. 64
Orquestra Sinfônica da Rário Checo-Eslovaca
Keith Clark, regência
Um amigo meu, entendedor de vinhos, costuma dizer que quando uma marca se apresenta como “o vinho mais vendido” do país tal ou do continente tal, ele evita. Porque deve ser um vinho que atende a todos os requisitos mínimos mas, feito em grandes quantidades, não tem uma caráter próprio. A palavra caráter, aqui, não no sentido de “bom” ou “mau caráter” – o que implicaria um julgamento moral – mas com o significado de personalidade, o conjunto de elementos que diferencia uma pessoa ou coisa das outras.
Essas discussões sobre o caráter – nesse sentido não moralista e sim atento aos detalhes da vida – permitem um desvio sobre o entusiasmo dos nossos tempos com a assim chamada “inteligência artificial” (lembro aqui a frase de Groucho Marx sobre inteligência militar e música militar): creio que a máquina só pensa melhor que a pessoa se a pessoa estiver treinada para pensar como uma máquina. É claro que eu e o Groucho podemos estar errados e a máquina – leia-se: a repetição de comandos, frases feitas, protocolos, hierarquias – correta.
Desviando novamente os argumentos e entrando no assunto principal, chamo atenção para o fato de que Gustav Mahler, em suas sinfonias, sempre tira da cartola frases feitas e truques que sabidamente animam as plateias. Após muitos sucessos como maestro em Budapeste, Hamburgo e Viena (com sinfonias de Beethoven mas sobretudo regendo óperas de Mozart, Wagner e Tchaikovsky), ele conhecia os públicos orquestrais, sabia o que funcionava ao vivo. Ao mesmo tempo, ele criou sinfonias que não são só pedaços remendados e requentados de compositores anteriores: em suas próprias palavras, uma boa sinfonia devia conter o mundo inteiro dentro de si, e a frase pode ser lida também como uma sucessão de variações de escala: mundos dentro de mundos. Pois entre as marcas do caráter de Mahler – ou seja, o seu jeitinho, suas manias – está a alteração não só de humores mas também de momentos de tutti orquestral com momentos camerísticos em que dois ou três instrumentos dialogam e os outros silenciam.
Essas sinfonias são também boas oportunidades para maestros e orquestras mostrarem aspectos do seu caráter: entre os que gravaram ciclos inteiros, não dá pra não mencionar Haitink com a elegância e a tradição mahleriana do Concertgebouw (1962 a 71) e Bernstein extraindo emoções maiúsculas de três grandes orquestras (1974 a 88). E nesta gravação da 5ª de Mahler o venezuelano Gustavo Dudamel, que na época tinha menos de 30 anos, fez definitivamente música muito particular com seus músicos de Caracas. Quero dizer que os jovens músicos e maestro não buscam apenas imitar orquestras mais famosas do continente europeu: ao invés disso, imprimem seu caráter à obra.
Por exemplo no penúltimo movimento, o Adagietto para cordas e harpa, com um colorido orquestral rico em detalhes mas sem exagerar no drama, eles fazem jus à opinião de Mengelberg, maestro que conheceu Mahler e afirmava que este movimento era uma declaração de amor à sua esposa Alma. Assim, a entrada alegre dos metais e madeiras no início do Rondo-Finale, que eu estava acostumado a ouvir como o desabrochar das flores e o surgimento dos animais após um longo inverno, aparece aqui com a simplicidade do canto dos pássaros anunciando o fim de uma noite. Não significa que o Adagietto tenha sido breve: o andamento aqui é quase no mesmo passo de Tilson Thomas ou Haitink, mas o som de serenata noturna das cordas da Orquestra Jovem Simón Bolívar faz tudo soar leve. É verdade que a sinfonia tem também momentos mais pesados, mas nesta gravação eles se concentram nos três primeiros movimentos.
No livreto do CD, Dudamel afirma que a 5ª de Mahler representa um tremendo desafio, ainda mais para aqueles músicos jovens, não só pelas dificuldades técnicas mas também pela sensibilidade necessária para expressar os “extremos de felicidade, tristeza, depressão e esperança desta obra”. Dudamel também conta que ele e os músicos da orquestra aprenderam muito sobre essa sinfonia com o maestro italiano Claudio Abbado (1933 – 2014): ele conduziu a orquestra nesta obra e o jovem maestro venezuelano teve a oportunidade de discuti-la com ele em detalhes.
Gustav Mahler: Sinfonia nº 5 (1901-1902)
I. Trauermarsch
II. Stürmisch bewegt
III. Scherzo
IV. Adagietto
V. Rondo-Finale
Simon Bolivar Youth Orchestra of Venezuela, Gustavo Dudamel
Recorded: 2006, Aula Magna de la Universidad Central, Caracas
Opa, postei sem texto (obs. de 17/05, 19h49). Vou escrever agora, vamos lá!
IM-PER-DÍ-VEL !!!
András Schiff é um cara curioso. Não consigo imaginar nenhum outro pianista de seu calibre indo em direção a um clavicórdio, apenas se por brincadeira. Mas Schiff é diferente. Ele disse que costuma iniciar seu dia tocando Bach num clavicórdio… Bem, e aqui temos este grande artista tocando esplendorosamente o pequeno teclado que precede o pianão. Eu gostei muito do que eu ouvi. A face historicamente informada de Schiff é autêntica e muito bonita. Fiquei muito feliz de ouvir. Como explica o longo artigo do livreto, o clavicórdio era o instrumento favorito de Bach, que supostamente achava que permitia capacidades expressivas não oferecidas pelo cravo. De fato, como Schiff exemplifica nesta gravação, o clavicórdio oferece ao executante tanto sutis mudanças dinâmicas quanto delicado vibrato, feito ao mover a tecla depois de tocada. Schiff toca uma réplica de um clavicórdio Specken de 1743, construído por Joris Potvlieghe em 2003. Se no piano moderno Schiff nos traz Bach em toda a sua majestade, no clavicórdio ele convida o público a escutar o próprio Bach, como se estivesse sentado na mesma sala, ou ‘num oásis tranquilo’, como Schiff coloca em suas anotações. Minha única reclamação é a de que ele torna difícil para mim voltar a ouvir essas obras no piano moderno, ou pelo menos no piano, com qualquer outro músico.
Johann Sebastian Bach (1685-1750): Clavichord — Capriccio Sopra La Lontananza Del Fratello Dilettissimo / 15 Invenções / 4 Duetos / 15 Sinfonias / Ricercare a 3 da Oferenda Musical / Fantasia e Fuga Cromática (András Schiff, Clavicórdio)
Capriccio Sopra La Lontananza Del Fratello Dilettissimo BWV 992
1-1 Arioso. Adagio – Ist Eine Schmeichelung Der Freunde, Um Denselben Von Der Reise Abzuhalten. = Is A Cajoling By His Friends To Deter Him From His Journey. 1:31
1-2 Ist Eine Vorstellung Unterschiedlicher Casuum, Die Ihm In Der Fremde Könnten Vorfallen. = Is A Representation Of Various Calamities That Might Befall Him In Foreign Parts. 1:12
1-3 Adagiosissimo – Ist Ein Allgemeines Lamento Der Freunde. = Is A General Lament Of His Friends. 2:05
1-4 Allhier Kommen Die Freunde (Weil Sie Doch Sehen, Dass Es Anders Nicht Sein Kann) Und Nehmen Abschied. = Here Come The Friends (As They See That It Cannot Be Otherwise) And Say Farewell To Him. 0:36
1-5 Aria Di Postiglione. Adagio Poco 1:36
1-6 Fuga All’ Imitatione Di Posta 2:27
Inventions BWV 772 – 786
1-7 No. 1 In C Major 1:28
1-8 No. 2 In c Minor 1:50
1-9 No. 3 In D Major 1:14
1-10 No. 4 In d Minor 0:45
1-11 No. 5 In E-flat Major 1:24
1-12 No. 6 In E Major 3:24
1-13 No. 7 In e Minor 1:41
1-14 No. 8 In F Major 0:56
1-15 No. 9 In f Minor 1:45
1-16 No. 10 In G Major 0:58
1-17 No. 11 In g Minor 0:59
1-18 No. 12 In A Major 1:12
1-19 No. 13 In a Minor 1:22
1-20 No. 14 In B-flat Major 1:20
1-21 No. 15 In b Minor 1:10
Four Duets BWV 802 – 805
1-22 No. 1 In e Minor 3:02
1-23 No. 2 In F Major 2:58
1-24 No. 3 In G Major 3:08
1-25 No. 4 In a Minor 2:10
1-26 Ricercar À 3 From “Das Musikalische Opfer” BWV 1079 5:50
Sinfonias BWV 787 – 801
2-1 No. 1 In C Major 1:08
2-2 No. 2 In c Minor 2:07
2-3 No. 3 In D Major 1:13
2-4 No. 4 In d Minor 1:45
2-5 No. 5 In E-flat Major 2:07
2-6 No. 6 In E Major 1:20
2-7 No. 7 In e Minor 2:06
2-8 No. 8 In F Major 0:59
2-9 No. 9 In f Minor 3:03
2-10 No. 10 In G Major 1:05
2-11 No. 11 In g Minor 1:55
2-12 No. 12 In A Major 1:29
2-13 No. 13 In a Minor 1:41
2-14 No. 14 In B-flat Major 1:18
2-15 No. 15 In b Minor 1:29
O mundo da música clássica tem uma paixão quase esportiva por concursos, já há muitas e muitas décadas. Jovens músicos foram alçados ao estrelato e carreiras foram feitas a partir de premiações em competições internacionais. Em meio a essa mitologia, um dos mais tradicionais e prestigiosos quando se trata de pianistas é o Concurso Internacional Tchaikovsky, que acontece a cada quatro anos em Moscou e São Petersburgo desde 1958. Depois meses antes de Bellini se tornar o primeiro brasileiro a erguer a Jules Rimet, Van Cliburn arrebatou o prêmio em Moscou, aos 23 anos.
A edição seguinte, em 1962, ficou marcada por um empate entre dois jovens, futuros titãs, mas que já experimentavam ali algum sucesso internacional: o russo Vladimir Ashkenazy, 24 anos, e o inglês John Ogdon, 25. O júri tinha gente do mais alto calibre: além do presidente Emil Gilels, estavam nomes como Nadia Boulanger, Lev Oborin, Yakov Flier e a nossa dame Magdalena Tagliaferro. A Guerra Fria estava, como dizem os jovens hoje em dia, torando – o episódio que ficou conhecido como Crise dos Mísseis, em que o planeta quase foi pro beleléu, estava logo ali na esquina: aconteceu em outubro daquele ano.
Este disco traz as gravações das finais do concurso. Ashkenazy interpreta duas peças do padroeiro do concurso, ele mesmo, Piotr Ilyich Tchaikovsky: o Concerto para Piano nº 1, em si bemol menor, op. 23 e Dumka, op. 59. Já Ogdon optou por duas peças do húngaro Franz Liszt: O Concerto para Piano nº 1, em mi bemol maior, e a Valsa Mefisto nº 1.
O encarte do disco traz um interessante relato de Ashkenazy, pinçado de sua autobiografia Beyond Frontiers, de 1984, escrita em parceria com o tycoon de agenciamento de artistas eruditos Jasper Parrott:
“Eu disse [ao Ministro da Cultura] que não queria participar, sobretudo porque não era o meu tipo de música. Eles responderam: ‘Como assim? Como você pode dizer que Tchaikovsky, nosso grande compositor russo, não é o seu tipo de música?’ Então, no fim, eu tive que engolir minhas palavras – simplesmente não havia maneiras de fazê-los entender que um artista pode ser mais adequado para tocar, digamos, Beethoven que Tchaikovsky…
De todo modo, eu ainda era muito jovem e acostumado a aceitar que na União Soviética você não resiste por muito tempo à pressão que vem de cima se você não quer a sua vida arruinada das mais diferentes formas. Por fim, como esperava-se tanto de mim, foi difícil não aceitar o desafio: ainda que não fosse a competição certa para que eu mostrasse o meu melhor trabalho.
Mas, ainda que eu não tenha gostado da competição por causa de todas as pressões artificiais e musicais, assim que eu ouvi a maioria dos outros competidores eu realmente senti que tinha mais a dizer. Mas ganhar o primeiro prêmio era outra história. Até porque, no fim, ganhar depende muito de como você toca naquele dia em particular, e com toda a atenção voltada para o concerto em si bemol menor de Tchaikovsky na rodada final, o resultado era especialmente incerto. Para tocar toda aquela bravura, que eu na verdade detestava, você tem que crer de forma apaixonada além de ter o ‘equipamento’. E aquele tipo de tocar oitavado realmente não era o meu negócio – aquilo era pra John Ogdon, Van Cliburn e Horowitz.”
Ogdon realmente esmirilhava nas oitavas, mas era muito mais do que isso: foi um estupendo intérprete de Liszt, e esse disco mostra o brilho incandescente e vigoroso de seu pianismo. Também gravou alguns compositores menos óbvios, como Carl Nielsen e Charles-Valentin Alkan. Discípulo de Egon Petri, Ogdon teve sua carreira e sua vida tragicamente abreviados por uma esquizofrenia aguda, vindo a falecer precocemente em 1989, aos 51 anos.
Senhoras e senhores, sem mais delongas, apertem os cintos, pois vamos voar para Moscou, 1962. счастливого пути!
ps: Se alguém quiser brincar de jurado, a caixa de comentários está aberta e pitacos são muito bem vindos. Quem você premiaria?
1962 International Tchaikovsky Competition – The Draw
Piotr Ilyich Tchaikovsky (1840-93)
Concerto para Piano nº 1, op. 23, em si bemol menor 1. Allegro non troppo e molto maestoso; Allegro con spirito
2. Andantino semplice; Prestissimo
3. Allegro con fuoco
4. Dumka, op. 59 (“Scene from Russian country life”)
Vladimir Ashkenazy, piano
Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Konstantin Ivanov, regência
Franz Liszt (1811-86)
Concerto para Piano nº 1, em mi bemol maior 5. Allegro maestoso
6. Quasi adagio
7. Scherzo
8. Finale: Allegro marciale animato
9. Valsa Mefisto nº 1 (“A dança na estalagem”)
John Ogdon, piano
Orquestra Sinfônica Estatal da URSS
Victor Dubrovsky, regência
Os trios com piano de Mozart são música em que o piano brilha mais, como personagem protagonista, com o violino tendo seus momentos de destaque e o violoncelo quase sempre lá no fundo, em um papel que remonta ao baixo continuo da música de seus antecessores.
Brendel, Pollini, assim como os mais jovens Lubimov, Uchida e Brautigam… são muitos os grandes pianistas mozartianos que não se aventuraram em gravar esses trios. Entre as exceções, Maria João Pires fez um belo disco já postado aqui.
E entre os trios de Mozart este de K. 442 é ainda menos lembrado: os três movimentos foram compostos em Viena em meados da década de 1780, mas não se tem certeza se o compositor queria juntá-los ou se seriam partes de obras diferentes. Em todo caso, foram publicados juntos pouco após a morte do compositor. No século XIX, o musicólogo von Köchel deu a esse trio o nº K. 442, indicando que é mais ou menos da mesma época dos quartetos “A Caça” (K. 458) e “As Dissonâncias” (K. 465), do quinteto para piano e sopros (K. 452) e da fase de espantosa abundância de concertos para piano, do No. 14 (K. 449) até o nº 24 (K. 491). Ou seja, o período de Mozart já estabelecido em Viena
Os jovens alemães do Trio Adorno fazem um belo trabalho, em excelente qualidade de som, ao chamar atenção para este trio de Mozart e ainda para um trio de Mendelssohn que costuma ficar à sombra de outro mais famoso e para um trio de Martinů bem pouco tocado, aliás como toda a música de câmara do compositor tcheco. Ao contrário do Mozart, nesses outros dois o violoncelista também tem momentos de destaque, com as exigências técnicas mais ou menos igualmente distribuídas entre os três músicos. E nessa gravação os três alemães mostram versatilidade: fazem um Mozart leve e alegre, um Mendelssohn bem romântico e sublinham as esquisitices de Martinů.
Wolfgang Amadeus Mozart:
1-3. Piano Trio in D Minor, K.442 (Trio em ré menor, 1785-1888)
I. Allegro, II. Tempo di Minuetto, III. Allegro Bohuslav Martinů:
4-6. Piano Trio n. 3 in C Major (Trio em dó maior, 1951)
I. Allegro moderato, II. Andante, III. Allegro Felix Mendelssohn:
7-10. Piano Trio n. 2 in C Minor Op.66 (Trio em dó menor, 1845)
I. Allegro energico con fuoco, II. Andante espressivo, III. Scherzo molto allegro quasi presto, IV. Finale Allegro appassionato
Trio Adorno: Christoph Callies – violin; Samuel Selle – cello; Lion Hinnrichs – piano
Recorded: Laeiszhalle Hamburg, March 2021
Mahan Esfahani é um esplêndido e original cravista. Ele não se preocupa em ser o perfeitinho limpinho engomadinho, mas tem uma percepção musical toda própria. Às vezes parece atropelado ou atabalhoado. Em suas declarações públicas, e talvez um pouco mais moderadamente em suas apresentações reais, Esfahani declarou independência de qualquer aplicação puritana ou dogmática da prática histórica da performance. Nesta gravação, dedicada às duas obras-chave do Clavierübung II de Bach – o Concerto Italiano e a Abertura em Estilo Francês – ele explicita ainda mais essa independência, ampliando sobremaneira a capacidade dinâmica e expressiva do cravo. Seu instrumento particular foi feito em 2018 na oficina de Jukka Ollikka em Praga, uma peça de mão dupla com registros de 16 pés e 4 pés para cores extras, bem como uma placa de ressonância composta de fibra de carbono. Produz sonoridades de órgão, especialmente em seus alcances mais baixos, e Esfahani explora toda a sua variedade, incluindo algumas escolhas de registro curiosas e até excêntricas. A faixa dinâmica expandida do instrumento é particularmente bem-vinda nos contrastes solo-conjunto do Concerto italiano e é particularmente eficaz na ilusão de um instrumento de sopro solo do segundo movimento. As possibilidades coloridas expandidas são melhor ouvidas na ampla coleção de danças da Abertura, que explora uma gama de escolhas de registro eficazes. Mas Esfahani não está apenas exibindo um instrumento. Sua ornamentação e articulação são inventivas e envolventes, e enviarão os ouvintes atentos a suas memórias de outros executantes, enquanto o ouvido tenta descobrir exatamente o que ele está fazendo. Esfahani tem um toque nervoso e hiperatento, com figuras rítmicas afiadas e precisas. Pode ser exaustivo, mas o álbum é melhor ouvido trabalho por trabalho, e não como um todo. Mas certifique-se de reservar atenção especial para o Capriccio em si bemol ‘na partida de seu amado irmão’, um trabalho inicial e às vezes descartado como ingênuo e não do melhor Bach. Esfahani o leva a sério. A fuga final é a pièce de résistance, transformando a despedida em uma selvagem declaração de independência de tal forma que a própria gravação se torna não apenas uma coleção de obras de Bach, mas um manifesto do intérprete.
Johann Sebastian Bach (1685-1750): Concerto Italiano / Abertura Francesa / Duetos / Caprichos (Esfahani)
Ouvertüre nach Französischer Art ‘French Overture’ BWV831[33’44]
4 Ouverture[12’53]
5 Courante[2’06]
6 Gavotte I[1’15]
7 Gavotte II[1’13]
8 Gavotte I da capo[0’42]
9 Passepied I[1’02]
10 Passepied II[0’47]
11 Passepied I da capo[0’35]
12 Sarabande[3’55]
13 Bourrée I[1’07]
14 Bourrée II[1’23]
15 Bourrée I da capo[0’45]
16 Gigue[3’01]
17 Echo[3’00]
18 Duet in E minor BWV802[2’43]
19 Duet in F major BWV803[3’04]
20 Duet in G major BWV804[2’37]
21 Duet in A minor BWV805[2’38]
Capriccio in B flat major ‘on the departure of his beloved brother’ BWV992[10’09]
22 Ist eine Schmeichelung der Freunde, um denselben von seiner Reise abzuhalten: Arioso (Adagio)[2’08]
23 Ist eine Vorstellung unterschiedlicher Casuum, die ihm in der Fremde könnten vorfallen[1’23]
24 Ist ein allgemeines Lamento der Freunde: Adagissimo[2’26]
25 Allhier kommen die Freunde (weil sie doch sehen, dass es anders nicht sein kann) und nehmen Abschied[0’42]
26 Aria di postiglione: Allegro poco[1’03]
27 Fuga all’imitazione della cornetta di postiglione[2’27]
28 Capriccio in E major ‘in honorem Johann Christoph Bachii Ohrdrufiensis’ BWV993[6’07]
Hoje acordei com um instinto blockbuster: só querendo os famosos!
Saquei de minhas posses esta primorosa versão do Requiem de Wolfgang Amadeus Mozart, sob a condução de Peter Schreier. Não que eu conheça “trocentas” execuções diferentes dessa peça, mas ela em agrada imensamente aos ouvidos: os solistas são de primeira linha, com destaque para a doçura encarnada na voz de Margaret Price e as notas decididas do baixo Theo Adam, aqui desenvolvendo bem até as notas mais agudas de seus solos, quase um barítono. A condução de Schreier, ainda que não o faça ante uma orquestra com instrumentos de época, é muito sensível ao que as músicas devem exprimir: o Kyrie é pesado, o Dies Irae é (meu Deus!) decididamente irado, a Lacrimosa é de partir o coração e o Santus é portentoso, glorioso! Nem preciso falar muito… É muito bom!
Há mais duas versões do Requiem, ambas de cair o queixo, aqui e aqui no P.Q.P.Bach. Ouça todas. Compare. Deleite-se.
Obra para ter na prateleira ou, pelo menos, no seu HD. Ouça e torne sua semana mais completa!
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) Réquiem – completado por Franz Xaver Süssmayr (1766-1803)
01. Introitus: Requiem
02. Kyrie
03. Sequentia: I. Dies irae
04. Sequentia: II. Tuba mirum
05. Sequentia: III. Rex tremendae
06. Sequentia: IV. Recordare
07. Sequentia: V. Confutatis
08. Sequentia: VI. Lacrimosa
09. Offertorium: Domine Jesu
10. Offertorium: Hostias
11. Sanctus
12. Benedictus
13. Agnus Dei
14. Lux aeterna
Margaret Price, Soprano
Theo Adam, Bass
Trudeliese Schmidt, Alto
Francisco Araiza, Tenor
Leipzig Radio Chorus
Dresden Staatskapelle
Peter Schreier, regente
Assim que ouvi este disco não pude evitar de parafrasear uma famosa propaganda de margarina: You can’t believe it is not orchestra!
Reduzir para um grupo de câmera a Quarta Sinfonia de Mahler, por exemplo, é plausível. Gustav escrevia para grandes, enormes orquestras, mas sempre conseguindo fazer com que a música soasse como se estivesse sendo executada por um grupo menor de instrumentos.
No caso de Bruckner, a grandiosidade da orquestra parece ser parte essencial do todo, a música com seus enormes crescendo e a importância dos momentos cataclísmicos.
Mas ainda assim, aqui estamos com uma das sinfonias de Bruckner apresentada por um conjunto de 10 músicos. Se bem que esses músicos são membros da RCO, que é a sigla para Royal Concertgebouw Orchestra, uma das melhores. Nas suas próprias palavras: We enjoy playing in the orchestra tremendously. However, we like to expand this joy by playing together in a small ensemble as well. It is refreshing to get to know our colleagues in the orchestra better while performing together as Camerata RCO. We are completely free to choose the repertoire we play, where we play it and with whom. With Camerata RCO we like to be in close contact with our audience. The energy that results from these concerts is what inspires us most. Ou seja, eles adoram tocar na orquestra, mas também gostam de tocar em grupos pequenos. Isso permite que eles se conheçam melhor e a energia desses concertos é muito inspiradora.
Há poucos dias o PQP Bach postou um lindo disco no qual esse grupo interpreta exatamente a Sinfonia No. 4 de Mahler. Neste caso, eles estão na companhia da cantora Barbara Hannigan.
Voltando ao Bruckner, a Sexta Sinfonia não é entre as suas sinfonias aquela que eu mais ouço, mas este disco certamente contribuiu para que dela eu tivesse uma nova perspectiva. Voltarei a ouvir um disco que postei aqui no blog há algum tempo e que naqueles dias muito me agradou. Você também poderá desfrutá-lo acessando este link aqui.
Depois de ouvir isso tudo, mande-me suas impressões. Estou curioso. Afinal, o próprio Anton sentenciou: Die Sechste, die keckste.
Camerata RCO is a unique ensemble. We are all members of the Royal Concertgebouw Orchestra in Amsterdam and we enjoy playing in the orchestra tremendously. However, we like to expand this joy by playing together in a small ensemble as well.
Com alguma justiça, convencionou-se dizer que a Orquestra Filarmônica de Berlim é a campeã das orquestras. Isso desde antes do polêmico Karajan, na verdade desde o século XIX, com Hans von Bülow, entrando no século XX com Nikisch, Furtwängler e outros. Depois de HvK, tivemos os nomes lendários de Abbado e Rattle, chegando a 2018 com Kirill Petrenko. O russo ainda tem poucas gravações, mas já demonstra que tem tudo para seguir a estirpe. Esta versão da Sinfonia Nº 8 de Shostakovich é maravilhosa, dando aquela impressão de não somente ser definitiva como de estarmos ouvindo uma orquestra segura e infalível numa obra cheia de dificuldades. Trata-se de uma performance vívida, respirando convicção em cada momento. Não é apenas o alcance emocional da música que é destacado, há muito caráter também, especialmente em alguns dos solos. Kirill Petrenko nos lembra que Shostakovich poderia evocar emoções cruas com a urgência e acuidade de Mahler ou Tchaikovsky. Afinal, a Oitava é quase um drama psicológico, não?
1 Shostakovich: Symphony No. 8 in C Minor, Op. 65: I. Adagio – Allegro non troppo 25:12
2 Shostakovich: Symphony No. 8 in C Minor, Op. 65: II. Allegretto 06:10
3 Shostakovich: Symphony No. 8 in C Minor, Op. 65: III. Allegro non troppo 06:00
4 Shostakovich: Symphony No. 8 in C Minor, Op. 65: IV. Largo 09:55
5 Shostakovich: Symphony No. 8 in C Minor, Op. 65: V. Allegretto 13:39