Uma anedota: “Certa feita, os jovens músicos, Muzio e Verdi, notaram um incêndio no centro de Milão e para lá se tocaram. Ao chegarem, perceberam que bombeiros solicitavam voluntários para ajudar no combate ao fogo. Verdi não quis permanecer e pulou um muro, enquanto Muzio acabou convocado para ajudar. Verdi, no entanto, ao transpor o muro, caiu num terreno baixo, dos jardins públicos e ficou a espera que as pessoas se dispersassem, pelo lado de fora, para sair…
No dia seguinte, ambos se encontraram. Muzio, extenuado pela noite passada, ouviu de Verdi alguns gracejos. Mas sabia que a escapada de Verdi não tinha sido das melhores… Os portões dos jardins estavam fechados e Verdi não conseguiu escalar de volta. Aprisionado no local, teve de juntar pedras e outros objetos, por hora e meia, até construir um trampolim que desse acesso ao topo do muro”…
- Aspectos iniciais e vida familiar
“Il Corsaro” e “La battaglia de Legnano” encerram o período que Verdi, mais tarde, chamaria de ”os anos nas galés”… Intensa produção relacionada à sua afirmação como compositor e ideais pela unificação italiana e libertação da Lombardia – sob domínio austríaco. Nesta época, os grandes coros, como “Va’ pensiero, sull’ali dorate”, tornavam-se vigorosos apelos libertários e patrióticos…
Em Paris, palco da estreia de “Jerusalém”, 1847, Verdi iniciava, com Giuseppina Strepponi, uma nova relação conjugal, após sete anos de viuvez. Além de tratar dos libretos de duas novas óperas, “Luisa Miller” e “Stiffelio” – uma transição para a linguagem que viria com “Rigoletto”, “Il trovatore” e “La traviata”…
A perda da família no primeiro casamento – dois filhos e depois a esposa – num curto espaço de tempo, entre os 25 e 27 anos, foi muito dolorosa, sobretudo porque a primeira esposa, Margheritta, era filha do dileto amigo e incentivador, Antonio Barezzi, uma figura paternal… Mais tarde, Verdi lembraria: “Um terceiro caixão saía da minha casa. Eu estava sozinho! Sozinho!”…
Mas, passado o tempo, tanto os amigos, quanto seus protetores estranhavam o isolamento e desejavam vê-lo reconstruir a vida pessoal e familiar. Verdi tinha apenas 34 anos e um futuro… Assim, a relação com Giuseppina foi bem vista, um achado e uma inspiração… Giuseppina era uma artista sensível e consciente do talento e da contribuição que Verdi daria à música e ao mundo…
A admiração mútua vinha desde os tempos da estreia, em Milão, de “Oberto, conde di san Bonifácio” – sua primeira ópera. E ela havia cantado o desafiante papel de “Abigaille”, em Nabucco, numa fase em que sua voz, precocemente, declinava. Ao reencontraram-se, Giuseppina era uma artista prestigiada e lecionava canto em Paris, embora não mais atuasse. E Verdi alcançava sucesso internacional, com estreias inéditas em Londres e Paris…
Durante a passagem por Paris, ocorreria a estreia de “Il Corsaro”, em Trieste, Itália, no “Teatro Grande”, 25/10/1848. E o momento político na Europa era explosivo. No alvorecer de 1848, logo após a estreia de “Jerusalém”, iniciava-se um levante na Lombardia, que terminaria nos “Cinco dias de Milão” e no simbólico “22 de março” – episódio heroico na luta pela libertação da Lombardia e da unificação italiana. E outros levantes e revoluções explodiriam na França e na Alemanha…
- Insurreições na Europa, 1848 – “A primavera dos povos”
Período conhecido como “Primavera dos povos”, em 1848 eclodiram diversas revoluções e manifestos pela Europa, marcando um conjunto de reivindicações liberais e trabalhistas. Simultaneamente ao “Levante de Milão”, ocorreu a “Revolução de 1848”, em Paris, com a abdicação do rei Luis Felipe, aos brados de “liberté, l’égalité ou la mort”, levando à “segunda república” francesa…
Em Colônia, Alemanha, intelectuais e operários, 3 de março, saíram às ruas em protesto; e em Berlim, uma insurreição, 18 de março – com apoio da burguesia pela unificação dos estados alemães, exigia que Frederico Guilherme adotasse políticas liberais e convocasse uma “Assembleia Nacional“, eleita por sufrágio universal. De outro, enquanto a revolução expandia-se, os conservadores no parlamento – entre príncipes e latifundiários – debatiam a contra revolução…
Em abril, Marx e Engels chegaram à Alemanha e lançam a “Nova Gazeta Renana“, custeada também por industriais liberais – a revista propunha uma aliança entre socialistas e liberais pela democracia… E em 1849, ocorreria o “Levante de Dresden”, liderado pelo anarquista russo Mikhail Bakunin e por Stephan Born, da classe operária, com apoio de Richard Wagner, então militante no “Vaterlandsverein”, que defendia a democracia e uma sociedade aberta a novas formas de arte… A adesão ao levante custou-lhe o cargo vitalício de “Kapellmeister em Dresden”, além de 11 anos de exílio dos estados alemães…
Aos 36 anos, Wagner fugiria pela França, fixando-se na Suiça, com passagem por Veneza. Neste período, avançou na tetralogia “Anel do Nibelungo”, iniciou os “Mestres Cantores” e compôs “Tristão e Isolda”. Por fim, obteve a anistia e, aos 51 anos, uma oferta decisiva: o apoio de Ludwig II, da Baviera…
Era o advento de ideias políticas e filosóficas: Marx e Engels com o “manifesto comunista”, denunciavam o sistema de dominação e exploração do trabalho, em defesa do socialismo e da luta de classes; o anarquismo e o liberalismo pregavam democracia; e os processos de unificação avançavam nos estados europeus…
Na França, após a “Assembleia Constituinte”, de 1848, a maioria moderada elegeu Luís Napoleão, presidente na “Segunda República”, que, durante o mandato, liderou um autogolpe, restaurando o Império e tornando-se Napoleão III, com importante papel na unificação italiana, além do Reino Unido e Prússia…
Na Itália, o processo realizou-se através de uma complexa articulação diplomática conduzida pelo conde Cavour e o rei Vitor Emanuele II, da Sardenha-Piemonte, apoiados por lideranças como Giuseppe Mazzini, do “Jovem Itália”; por republicanos, como Giuseppe Garibaldi e outros… Todos convergindo, por consenso, a uma monarquia parlamentarista e liberal, o que permitia adesão da maioria dos estados italianos…
- O “Risorgimento”, 1815 – 1870
Após a derrota de Napoleão, emergiram vários e complexos movimentos contrapondo-se ao “Congresso de Viena”, que manteve o sistema de monarquias na península itálica, sob controle da Áustria. Os ideais nacionalistas, no entanto, mantiveram-se, estimulados pelo progresso econômico; pelo idioma – único e aglutinador; e pelo romantismo italiano, que se identificava com o “Risorgimento letterario” e politizava-se. Assim, temas aparentemente literários ou históricos alertavam para a escravidão e tirania – condições a que se submetiam os italianos…
O movimento originou-se em sociedades secretas e pensamentos diversos, entre liberais e socialistas, monarquistas e republicanos, depois intensificados pelo “Jovem Itália” de Giuseppe Mazzini, que defendia a mobilização popular como essencial para a integração e a unificação. A denominação veio do jornal “Il Risorgimento”, 1847, do conde Cavour, que estimulou o rei Carlos Alberto, da Sardenha-Piemonte, a aderir à causa da unificação, depois sucedido pelo filho, Vitor Emanuele II…
Tais movimentos, no entanto, tinham por oposição as monarquias tradicionais e absolutistas, dispersas pela península e apoiadas pela Áustria; nos “estados pontifícios”, administrados pelo papa, uma complexidade adicional; e no povo, extremamente católico, um elemento cultural e religioso relevante…
Verdi era liberal e anticlerical. Participou da mobilização, que durou cerca de 22 anos, desde o “Levante de Milão”, 1848; à declaração do “reino da Itália”, 1861; até a unificação, 1870, tornando Roma, a capital. A questão do estado do “Vaticano” ainda adentraria no sec. XX, finalizando o processo… Sua música identificou-se com aqueles ideais políticos e anseios populares, permitiu cantar-se a liberdade e semear a autodeterminação, tornando-se símbolo do “Risorgimento”. E, em 1874, seria nomeado senador por Vitor Emanuele II – então monarca da Itália unificada…
- 13ª Ópera – “Il Corsaro”, 1848
Verdi desejava estrear “Il Corsaro” em Londres, mas foi convencido a não fazê-lo, por tratar-se de literatura inglesa e do famoso poema de lord Byron, que tanto apreciava, mas que seria, fatalmente, avaliado pelo público e pela crítica inglesa – Byron era um autor extremamente polêmico… No lugar, decidiu por “Il Masnadieri”, para Londres, e “Il Corsaro”, para Trieste. De suas 28 óperas, “Il Corsaro” revelou-se entre as menos encenadas, embora trechos sejam executados frequentemente…
Destinada à Trieste, o contrato vinha de Francesco Lucca, segundo Verdi, “um cavalheiro extremamente odioso e indelicado”, do qual desejava livrar-se. E Verdi trabalhou apressadamente, inclusive sem polemizar o libreto – como era seu costume – com Francesco Piave… E não compareceu à estreia, abdicando de ajustar a música durante os ensaios – outro costume… O trabalho foi concluído em fevereiro, 1848, cedendo todos os direitos de publicação e representação – como, de fato, a livrar-se de Lucca…
Finalmente, enviou a partitura à Emanuele Muzio, seu amigo e assistente, que regeria a estreia. No entanto, Muzio não pode fazê-lo, pois havia fugido para Suiça durante o “Levante de Milão” – situação extremamente instável no norte da Itália… Muzio e Verdi ficariam alguns anos sem reencontrar-se… A ópera, por fim, estreou dirigida por Luigi Ricci e com o soprano Marianna Barbieri-Nini, que havia cantado “Lady Macbeth”, a qual Verdi assessorou, por correspondência… Na terceira récita, no entanto, a ópera foi retirada e, aparentemente, Verdi não se importou…
Neste ano, 1848, exceto em breve período, na primavera, em que Giuseppina esteve em Florença e depois encontraria Verdi em “villa Le Roncole” – cidade natal do músico, o casal manteve-se em Paris. Eventos revolucionários ocorriam, simultaneamente, na Itália, Alemanha e França e, possivelmente, Giuseppina preferia que permanecessem em Paris, na residência em Passy…
E Verdi acompanhava os acontecimentos na França, onde Luis Felipe abdicou para evitar agravamento da violência e iniciar negociações para instaurar a “Segunda República”. Para Verdi, politicamente nada acontecia, a não ser o grande funeral dos que tombaram, junto ao monumento à “Bastille”, que acompanhou pessoalmente… Mas lhe interessava a “Assembleia Constituinte”, que legitimaria a “Segunda República”, com eleição de Luís Napoleão… Para a Itália, só iria se acontecimentos o demandassem…
E quando recebeu notícias do “Levante de Milão”, para lá se dirigiu. Os “Cinco dias de Milão”, embora não sendo vitória duradoura, marcariam o início da expulsão dos austríacos e da unificação italiana – um longo e complexo processo… E Verdi escreveria à Piave, então em Veneza: …“Honra à toda a Itália que, neste momento, está sendo grande! Fique certo que a hora da libertação chegou!… É o povo que o exige e não há poder absoluto que possa resistir à vontade popular”…
E, de fato, o “Risorgimento” só ganhou força quando foi às ruas e mobilizou a gente italiana pela ideia de nação – “um idioma, um povo e um território”, conforme defendia o movimento “Jovem Itália”, de Giuseppe Mazzini… Além da hábil condução diplomática, militar e política de Cavour e Vitor Emanuele, unindo os italianos sob o slogan: “Viva VERDI” – “Viva Vitor Emanuele, Re D’Italia”!…
Com entusiasmo, Verdi admitiu: …neste momento “não escreveria uma nota musical, nem por todo o ouro do mundo… Sentiria imensa culpa em usar para a música, o papel que serve para fazer cartuchos. Bravo, Piave! Bravo, a todos os venezianos! Abaixo os pensamentos paroquiais, vamos estender uma mão fraterna e a Itália se tornará a melhor nação do mundo”… Assim, eclodia a primeira guerra de independência italiana…
No entanto, Verdi faria novo esforço criativo em mais um tema patriótico, na ópera “La Battaglia di Legnano”, por sugestão do libretista Salvatori Camaranno e apelo do poeta Giuseppe Giusti: “o acorde de tristeza sempre encontra eco em nosso peito… e assume diferentes aspectos, dependendo da época, da natureza e do lugar… neste momento, a tristeza que toma conta de nós, italianos, é de uma raça que sente necessidade de um destino melhor”…
Assim, ao contrário de óperas anteriores, “Il Corsaro” desconectou-se do que acontecia na Itália e na Europa. Sua motivação e primeiros esboços precediam “Macbeth”. Portanto, antes mesmo de “I Masnadieri” e da revisão que resultou em “Jerusalém”. De outro, musicólogos percebem inovações na concepção das árias, que apontam de forma incipiente, para uma transição e novos contornos melódicos, cujos sinais apareceriam mais claramente em “Luisa Miller” e “Stiffelio”. Onde a subjetividade ganharia relevância sobre os temas e contextos históricos, aliando lirismo e renovação temática…
O libreto de “Il Corsaro” foi elaborado por Francesco Maria Piave, que havia trabalhado com Verdi em “Ernani”, “I due Foscari” e “Macbeth”. E o poema épico de lord Byron enfocava “mais os humores dos personagens, do que os eventos que os provocavam”, aliado a um conteúdo histórico pouco representativo em simbolismo político. Assim, a ópera resultou num drama de ação e romance, cujo libreto manteve a forma de narrativa, quem sabe, reduzindo a tensão dramática, mas enfatizando a psicologia dos personagens – os acontecimentos são interiores, subjetivos… O amor entre Medora e Corrado, o desejo de liberdade da escrava Gulnara e o amor de Seid. Algo novo e promissor na dramaturgia verdiana!…
Entusiasta do poema de Byron, Verdi planejou a ópera com grande interesse e, mesmo em meio aos contratempos e problemas de saúde, demonstrava à Piave o desejo de concluí-la… Mas, se boa parte da música estava pronta, com o tempo, Verdi mudou. E, tendo direcionado sua energia a outros trabalhos, argumentou a Lumley, empresário britânico, que “Il Corsaro” era inadequada para Londres, por ser “enfadonha e teatralmente ineficaz”…
Por fim, a ópera foi mal recebida, deixando o sentimento de que “Trieste merecia uma ópera melhor”, apesar da qualidade do elenco… Sobretudo, se comparada às anteriores, “Macbeth”, “I Masnadieri” e “Jerusalém”, pareceu, à época, um trabalho menor… Mas o estilo e domínio do gênero estão presentes, com momentos de grande beleza e expressão – a assinatura lírica e orquestral de Verdi! Atualmente, todas as óperas de Verdi, com maior ou menor frequência, são encenadas…
2. Sinopse de “Il Corsaro”
- Personagens: Corrado, chefe dos corsários (tenor); Medora, amante de Corrado (soprano); Seid, Pasha de Corona (barítono); Gulnara, favorita de Seid (soprano); Giovanni, um pirata (baixo); Selimo, guerreiro de Seid (tenor); um eunoco (tenor); um escravo (tenor)
- Coros: Corsários, mulheres, soldados, líderes e povo muçulmano.
- Ato 1 – Numa ilha grega do mar Egeu, início dos anos 1800
A ópera inicia com breve e agitado “Prelúdio” orquestral.
Cena 1: O navio de Corrado
Numa ilha montanhosa, abrigo de corsários, um coro masculino anuncia a presença do chefe Corrado, que se encontra refugiado. Nostálgico, Corrado recorda sua infância e reflete sobre a existência, na ária “Tutto parea sorridere” (“Tudo parecia sorrir”). Mas, ao ter notícia de ações hostis do Pasha turco, Seid, decide reunir os comparsas e agir, atacando as forças turcas, na cabaletta “Sì, de Corsari il fulmine”.
Cena 2: casa de Medora
Medora, sozinha e ansiosa, aguarda o retorno de Corrado, seu amante, pois pressente acontecimentos terríveis, na bela e vagamente sinistra romanza “Non so le tetre immagini” (“Maus pressentimentos não consigo afastar de meus pensamentos”). Com a chegada de Corrado, Medora tenta dissuadi-lo de partir, mas o corsário está decidido a enfrentar Pasha Seid, no belo duetto “No, tu non sai”, onde exaltam o amor e certa desconfiança no futuro…
- Ato 2 – No porto de Corone, Turquia
Cena 1: No harém do Pasha Seid
No harém, cercada de cuidados, encontra-se Gulnara, a favorita do Pasha Seid. Gulnara, no entanto, sente-se triste e frustrada – é uma escrava, apesar das regalias e atenções do Pasha... Solitária, almeja a liberdade e um amor verdadeiro, na cavatina “Vola talor dal cárcere” (“Às vezes meu pensamento voa livre de sua prisão”)…
Obrigada a compartilhar a vida social, Gulnara é convidada pelo Pasha Seid para uma festa, onde celebrarão, antecipadamente, a vitória sobre os corsários – um confronto naval. Imersa em angústias, Gulnara volta-se para si mesma, novamente a sonhar com a liberdade, na cabaletta “Ah conforto è sol la speme” (“As almas perdidas encontram conforto na esperança”). Ao que as mulheres do harém respondem “ser ela, Gulnara, a esperança de todas”…
Cena 2: No banquete
No banquete, Pasha Seid e seus liderados evocam a proteção de “Allah”, para fortalecerem sua confiança e crença na vitória, na grande cena com solista e coro “Salve, Allah! tutta quanta” (“Salve Allah! Toda a terra ressoa com seu nome poderoso”). Em meio à comemoração, aproxima-se um servo e indaga ao Pasha se um “dervixe” – espécie de monge mendicante islâmico – pode adentrar a reunião. Pasha Seid permite e ambos cantam o duettino “Di que ribaldi tremano”… Mas, de imediato, todos percebem grandes chamas na orla marítima, no concertato “Ma qual luce diffondeci” – a frota do Pasha fora incendiada!…
Neste ínterim, o “dervixe” revela-se: não passava de Corrado disfarçado… E, de pronto, os corsários invadem o local, antes mesmo da mobilização das forças do Pasha. Uma batalha é travada. Inicialmente, Corrado e seus comparsas levam vantagem, mas vendo que o “harém” pegava fogo, Corrado decide salvar Gulnara e as outras mulheres, permitindo que os soldados do Pasha reorganizem-se… Ao agir pela segurança e proteção das mulheres, Corrado comete um erro estratégico, ficando em desvantagem no intenso combate…
Corrado é preso e Seid o desafia, no concertato, com solistas e coro, “Audace cotanto, mostrarti pur sai?” onde reconhece a coragem e ousadia de Corrado, mas que o destino lhe foi generoso, permitindo vencer, aprisionar o líder e os demais corsários – foram dominados e serão condenados à terrível morte, mesmo aos inúteis apelos de Gulnara e do “harém”, implorando por suas vidas…
- Ato 3
Cena 1: Nos aposentos de Seid
Mesmo regozijando sua vitória, Seid desconfia dos sentimentos de Gulnara, na ária “Cento leggiadre vergini”, onde exclama que cem virgens poderiam amá-lo, mas “seu coração batia apenas por Gulnara”… Seid receava que o arrojo de Corrado tivesse despertado o amor de Gulnara, que sonhava uma nova vida…
Enraivecido, enquanto aguarda a chegada de Gulnara, o Pasha planeja sua vingança, na cabaleta “S’avvicina il tuo momento” (“Seu momento se aproxima, sinto terrível sede de vingança”). Gulnara adentra e Pasha Seid, enciumado, questiona-lhe os sentimentos… Impulsiva, Gulnara declara que ama Corrado, confirmando as desconfianças de Seid, que lhe faz ameaças. Mas, Gulnara mostra-se resistente e decidida a enfrentar “o destino e as tempestades que virão”, no duetto “Sia l’istante maledetto”… E o Pasha a expulsa do recinto…
Cena 2: Na prisão
Corrado está preso e aceita resignado sua condenação, na pungente ária “Eccomi prigionero!” (“Aqui estou, um prisioneiro”). Gulnara surge, após subornar um carcereiro, com intuito de retribuir a bondade e coragem de Corrado. E entrega-lhe uma faca, para proteger-se e usá-la contra Seid. Mas Corrado recusa o plano de Gulnara, alegando que existem princípios e honra entre combatentes, mesmo entre corsários…
De outro, Corrado percebe os sentimentos de Gulnara, quem sabe, a projetar nele suas esperanças de liberdade. E revela seu amor por Medora, no duetto “Al mio stanco cadavere”… Gulnara, frustrada, afasta-se dali e decide, ela própria, matar o Pasha…
Ouve-se um breve interlúdio com a música tempestuosa do prelúdio da ópera, que ambienta e sugere um assassinato… Gulnara mata Seid e confessa a autoria, no solo “Già l’opra è finita”. Com Seid morto, Gulnara e Corrado conseguem fugir da cidade de “Corone”…
Cena 3: Na ilha grega do mar Egeu
Na ilha dos corsários, desiludida e fragilizada, Medora ingere um veneno, ao imaginar que nunca mais encontraria Corrado. Mas, um veleiro aponta no horizonte trazendo Corrado e Gulnara, que fugiam de “Corone”… Medora e Corrado reencontram-se num intenso e afetuoso abraço… E ouve-se o magnífico terceto final “Voi tacete io non oso interrogarvi”, onde os personagens cantam seus sentimentos. Corrado relata como libertaram-se dos turcos, no solo “Per me infelice vedi costei” (“Infeliz por mim, você vê essa mulher… ela arriscou a vida, para salvar a minha”), ao que Gulnara responde em “Grazie non curo”…
Em meio à imensa alegria e amoroso reencontro, Corrado percebe que Medora desvanece e está morrendo. Corrado cai em lágrimas e desespero… Medora lamenta em “O mio Corrado”… E as poucas alegrias, reminiscências da infância – evocadas na sua ária inicial, que lhe consolavam na solidão, desaparecem… Um sentimento amargo e profundamente triste o invade. A morte de Medora tirava o significado de sua própria existência… Resoluto e incontrolável, mesmo com seus companheiros tentando contê-lo, Corrado abandona a si mesmo e salta de um penhasco para morrer…
- – Cai o pano –
Densidade, extensão e variedade marcam a obra de Verdi. Uma energia criativa que o alimentou em diversas etapas e até o final da vida, revelada em “La traviata”, “Aída”, no apocalíptico “Réquiem” ou nas derradeiras “Otello” e “Falsttaf” – “musicando a liberdade e a autodeterminação, o amor e o trágico, o espirituoso e o escárnio, a ambição e a vendeta, os acertos e desacertos humanos”…
Sempre a surpreender seus contemporâneos, quando o consideravam obsoleto e acabado, Verdi tornou-se o autor de óperas mais executado no mundo. Inclusive na Alemanha, de Beethoven e Wagner, suas récitas perdem apenas para uma única ópera: “A flauta Mágica”, de Mozart…
Após a estreia, “Il Corsaro” foi encenada em Milão e Turim, 1852, e em Modena, Novara, Veneza e Vercelli, 1853, sendo esquecida por mais de um século. Retornou às temporadas em 1963, em Veneza, e em 1966, fora da Itália, período em que teatros europeus resgataram inúmeras obras abandonadas pelo público…
Escrita na forma tradicional de números – solos, ensembles, coros e concertatos, além de prelúdios e intermezzos orquestrais, “Il Corsaro” inclui, de forma sucinta, apenas hora e meia de música, também “leitmotivs” – reminiscências temáticas no decorrer da ópera – que intensificam a expressão e dramaticidade…
3. Gravações de “Il Corsaro”
Após resgate no teatro “La Fenice”, “Il Corsaro” tem sido revisitada com sucesso:
3.1 Videos e Gravações
Gravação em áudio, 1971
“Orquesta y Coros del Teatro La Fenice di Venezia”, direção de Jesús López Cobos
Solistas: Giorgio Casellato Lamberti (Corrado) – Katia Ricciarelli (Medora) – Angeles Gulin (Gulnara) – Renato Bruson (Seid)
“Coros del Teatro La Fenice di Venezia”, Frankfurt, Alemanha
Gravação em áudio da Phillips, 1975 – relançado pela Decca, 2013
“New Philarmonia Orchestra”, direção de Lamberto Gardelli
Solistas: Jose Carreras (Corrado) – Jessye Norman (Medora) – Montserrat Caballe (Gulnara) – Gian-Piero Mastromei (Seid)
“Coro Ambrosian Singers”, Londres, Inglaterra
Video, 1996
“Orquestra do Teatro Regio di Torino”, direção Mauro Avogadro
Solistas: José Cura (Corrado) – Barbara Frittoli (Medora) – Maria Dragoni (Gulnara) – Roberto Frontali (Seid, il Pascià)
Coro do “Teatro Regio di Torino”, Itália
Video – 2004
“Orquestra do Teatro di Parma”, direção de Renato Palumbo
Solistas: Zvetan Michailov (Corrado) – Michela Sburlati (Medora) – Adriana Damato (Gulnara) – Renato Bruson (Seid)
“Coro do Teatro Regio”, Parma, Itália
Gravação de áudio – 2005
“Orquestra do Teatro Carlo Felice”, direção de Bruno Bartoletti
Solistas: Giuseppe Gipali (Corrado) – Serena Farnocchia (Medora) – Doina Dimitriu (Gulnara) – Roberto Servile (Seid)
“Coro do Teatro Carlo Felice”, Gênova, Itália
Video – 2008
“Orquestra do Teatro Regio di Parma”, direção de Carlo Montanaro
Solistas: Bruno Ribeiro (Corrado) – Irina Lungu (Medora) – Silvia Dalla Benetta (Gulnara) – Luca Salsi (Seid)
“Coro do Teatro Regio”, Parma, Itália
3.2 Download no PQP Bach
Para download e compartilhamento da música de Verdi em “Il Corsaro”, sugerimos a gravação em áudio da Phillips, 1975, relançada pela decca, 2013, com a “New Philarmonia Orchestra” e coro “Ambrosian singers”, direção de Lamberto Gardelli e grandes solistas:
Vozes solistas e direção
Neste trabalho, os solistas são celebridades, de modo que o ouvinte poderá apreciar a beleza e versatilidade de Jessye Norman, em “Medora”, na romanza “Non so le tetre immagini” e no duetto “No, tu non sai”…
Comover-se e encantar-se com a cor, domínio técnico e incríveis pianíssimos de Montserrat Caballe, soprano catalã, como “Gulnara”, em “Vola talor dal cárcere”, no duetto “Sia l’istante maledetto”, ou no terceto final, “Voi tacete io non oso interrogarvi”…
Ou o notável “Corrado”, do tenor catalão Jose Carreras, no auge da carreira, na cabaletta “Sì, de Corsari il fulmine” e em “Eccomi prigionero!”…
E no personagem do ”Pasha Seid”, o grande barítono italiano Gianpiero Mastromei, interpretando “Cento leggiadre vergini” e a cabaletta “S’avvicina il tuo momento”. Mastromei formou-se na “Escola de arte Lírica” do “Teatro Colón”, Buenos Aires. Cidade que o acolheu e manteve contato ao longo da carreira…
Além do trabalho de Lamberto Gardelli, sensível e credenciado regente à frente da “New Philarmonia Orchestra” e dos “Ambrosiam Singers”…
Por fim, cumprimentamos e aplaudimos a orquestra, os grandes coros e concertatos. Ressaltamos que “Il Corsaro”, embora pouco encenada, trata-se de grande música, que vale a pena ouvir e conhecer… Não por acaso, tem retornado às temporadas e com impecáveis elencos!
Sugerimos também:
- Gravação em áudio: “Orquestra y Coros del Teatro La Fenice di Venezia”,1971, com as brilhantes atuações de Katia Ricciarelli, Angeles Gulin e Renato Bruson, direção de Jesús López Cobos:
2. Video: “Orquestra do Teatro Regio di Torino”, 1996, com belas atuações de Barbara Frittoli, Maria Dragoni, José Cura e Roberto Frontali, direção de Mauro Avogadro:
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“Va’ pensiero, sull’ali dorate” pelo “Grande Coro PQP Bach”…
“Música é a arte mais perfeita: nunca revela o seu segredo” (Oscar Wilde)
Alex DeLarge
Ammiratore II? Impossível não relacionar. Paabéns!
Obrigado, Eduardo. De fato, li os trabalhos do Ammiratore para seguir nesta série das óperas de Verdi. Estou motivado e tento manter a proposta. Lamentavelmente, perdemos o colega, vítima da covid. Abraço!
Bom dia e muito obrigado!
Penso que aqui não seja o local mais apropriado, mas agradeceria se alguém me pudesse ajudar com os Booklets (somente os livretos, em pdf) dos volumes 1 e 2 de
“A Hundred Years of Italian Opera – 1800-1810” (vol1) e “… 1810-1820” (vol 2).
Muito obrigado, mais uma vez
Obrigado, João. Quanto aos booklets, vou me informar. Mas, quem sabe, alguém possa te ajudar, entre os leitores. Abraço!
Gente, mas que belíssimo texto! Outro dia eu comentei sobre os belos textos do PQP e do René Denon, e agora venho aqui me repetir. Ainda nem ouvi o Verdi, mas o texto é muito envolvente e bem escrito, e as imagens ótimas, com um bonito Delacroix lá da Liberdade guiando o povo.
Obrigado por compartilhar essas maravilhas!
Obrigado, Paulo. Seu comentário é muito estimulante. Ao escrever sobre Verdi, tento aliar à produção artística, o contexto histórico e o ativismo político, num período tão intenso como a unificação italiana. Abraço.