BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quarteto para cordas em Si bemol maior, Op. 130 [The Late String Quartets – Borodin Quartet]

Dos três quartetos “Golitsyn”, o Op. 130 foi o último a ser concluído, e é curioso que, mesmo ao completar com ele a encomenda do russo, Beethoven o tenha concebido numa escala tão vasta. Com o Op. 130 em sua forma original, ele ofereceu a Golitsyn uma obra duas vezes mais longa que a maioria dos quartetos contemporâneos – praticamente dois quartetos pelo preço de um.

Ludwig, entretanto, parecia àquela altura mais preocupado com o conteúdo do que com o dinheiro – a cor do qual, como vimos ontem, ele não veria em vida, posto que Golitsyn só o pagaria a seu sobrinho Karl, mais de vinte anos depois de sua morte. Depois de compor os dois primeiros movimentos com rapidez, empacou em indecisões quanto ao que fazer em seguida. Sua escolha foi sem precedentes: compôs mais três movimentos e, depois de ruminar quase um ano sobre como arrematá-lo, decidiu fazê-lo com uma imensa fuga e dar o quarteto por completo com inéditos seis movimentos.

O Op. 130 foi estreado em sua versão original pelo Quarteto Schuppanzigh, num recital privado, em março de 1826. Beethoven não se fez presente, escolhendo – como quase sempre fazia, se lhe fosse dada a opção – a companhia do goró barato. Lá mesmo, na espelunca mais próxima, um dos membros do quarteto foi prestar-lhe contas da estreia. Não sei se lhe perguntou se preferia receber as boas novas primeiro, mas o violinista Karl Holz – um dos amigos que estaria do seu lado no momento de sua morte – começou por lhe falar que a obra tinha sido mormente bem acolhida, e que dois dos movimentos (provavelmente a Danza Tedesca e o Presto) tiveram que ser repetidos. Quando Beethoven perguntou sobre a fuga final e Holz lhe respondeu que a plateia não pedira sua repetição, o embriagado veredito foi imediato:

– Bois! Jumentos!

A reação dos bovinos e asininos presentes à estreia espalhou-se à boca miúda e logo Viena soube que seu maior músico escrevera algo “muito difícil”, “incompreensível como o chinês”, “dissonante” e “amedrontador”. Referiam-se, claro, à transcendente fuga que, pelo menos assim se conta, foi substituída a pedido do editor. Beethoven, assim, comporia um final alternativo, mais convencional e palatável, ao qual atribuiu a lacônica indicação Allegro e que seria a última coisa que completaria antes de morrer, no março seguinte.

No entanto, há chapas de impressão que provam que o editor, Mattias Artaria, preparou a primeira publicação do Op. 130 com a fuga a encerrá-lo. Assim, parece que a opção por um final diferente recaiu totalmente sobre o compositor. Ademais, é óbvio que ele tinha a fuga em grande consideração, tanto que preparou ele próprio sua versão para piano a quatro mãos (Op. 134), e dedicou o original para quarteto de cordas, quando publicado separadamente sob o Op. 133, ao arquiduque Rudolph da Áustria – seu dedicatário favorito e um amigo e benfeitor cujo nome jamais associaria a um mero refugo musical.

Isto posto, o que enfim levou Beethoven a substituir o final? E qual dos finais devemos preferir?

Essas são questões cujas respostas – se é que existem – fogem ao escopo duma postagem de blog. O leitor-ouvinte deve já ter sua preferência, e pode mesmo admitir que as duas opções tenham seus fundamentos (e menciono duas enquanto lembro que há uma terceira – ouvir os dois finales). Nós outros, nessa mole vida de espectadores, não precisamos nos comprometer com escolhas – e que sorte, essa nossa!

Os intérpretes, por sua vez, veem-se premidos por escolhas mais difíceis, que envolvem o equilíbrio entre os movimentos e a intensidade com que são tocados, dependendo do final que escolham para o quarteto.

Isso porque o Op. 130 tem, como já mencionamos, uma estrutura sui generis. Ele abre com um movimento longo, com uma pesada introdução lenta que se repete ao longo da exposição e da recapitulação. Seguem-se quatro movimentos bem mais curtos: um breve e lépido Presto, cheio de contrastes; um Andante com a curiosa indicação Poco scherzoso (“Pouco brincalhão”); uma esquisitíssima Danza Tedesca, que não se parece com qualquer dança alemã, antes ou depois dela, e que sugere uma valsa transfigurada por alguém da Segunda Escola de Viena; e, por fim, a sublime Cavatina, talvez o mais belo movimento que Beethoven escreveu, que foi capaz de fazerem suar, de acordo com testemunhas, os duros olhos de Ludwig, e que parece, mais que qualquer outra composição que eu conheça, um eco da Música das Esferas.

Concluir essa sequência de curtas entidades, praticamente uma suíte, com uma fuga imensa e radical acaba por dar alguma contrapartida ao substancial primeiro movimento; por outro lado, ela assim acaba por eclipsar os movimentos mais curtos. Dessa forma, a Cavatina – o cerne emocional da obra – ganha em gravitas e aumenta o contraste da sem-cerimoniosa transição entre a delicada nota Sol que a encerra e o violento Sol em uníssono que abre a fuga.

Por outro lado, o Finale alternativo, muito leve e despretensioso, soa mais apropriado como encerramento dessa neo-suíte de peças breves, embora a obra muito perca, claro, em impacto e contundência. A maior parte das gravações modernas dos quartetos tardios de Beethoven oferece-nos a Grande Fuga e o singelo Allegro no mesmo disco, o que nos torna muito fácil a escolha que é tão difícil para os intérpretes. O que sempre me pergunto ao escutar o Op. 130, e agora estimulo o leitor-ouvinte a também se perguntar, é qual dos dois finais os intérpretes tinham em mente ao executarem os cinco movimentos anteriores.

A gravação que ora lhes alcanço, com o distinto sotaque russo do Quarteto Borodin, é talvez a que melhor prepare o ouvinte para o final alternativo. Os movimentos iniciais são tocados com precisão e frescor, e a celeste Cavatina eleva-se a grandes alturas, tratado pelo Borodin como o caloroso e também oprimido (pois é isso que significa a indicação beklemmt que nela aparece) coração da obra. Talvez haja interpretações tecnicamente mais perfeitas, mas nenhuma outra soube me agradar mais – nem há, tampouco, uma Cavatina que me faça suarem tanto os já tão secos olhos. Ouçam-na com cuidado, e – desde já aviso – preparem-se para suarem os seus.

 

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130
Composto entre 1824-25
Publicado em 1827
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro

Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133
Composto entre 1825-26
Publicado em 1827
Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria

7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda

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Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127
Composto entre 1824-25
Publicado em 1826
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro

Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131
Composto entre 1825-26
Publicado em 1827
Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim

5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro

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Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132
Composto em 1825
Publicado em 1826
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1 – Assai sostenuto – Allegro
2 – Allegro ma non tanto
3 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
4 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
5 – Allegro appassionato

Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135
Composto em 1826
Publicado em 1827
Dedicado a Johann Wolfmayer

6 – Allegretto
7 – Vivace
8 – Lento assai, cantante e tranquillo
9 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro

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Borodin Quartet:
Ruben Aharonian e Andrei Abramenkov,
violinos
Igor Naidin,
viola
Valentin Berlinsky,
violoncelo

 

BTHVN250, por René Denon

Vassily

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