Em agosto de 2009 o colega Marcelo Stravinsky postou aqui o CD “IHU 2”, ou “Kewere”, a missa com coro e orquestra, baseado em cantos e em textos indígenas, que Marlui Miranda lançou em 1997.
Há algumas semanas o Monge Ranulfus teve a oportunidade de apreciar ao vivo uma realização dessa missa com a própria Marlui e o coro e orquestra da Camerata Antiqua de Curitiba. Isso trouxe novamente à tona seu entusiasmo, jamais arrefecido, pelo trabalho de pesquisa e de criação dessa cearense. Quer lhe parecer que tal trabalho é o primeiro que se defronta com o material musical ameríndio não como matéria prima para uma criação musical ocidental, mas, ao contrário, coloca as técnicas ocidentais de épocas e estilos os mais diversos a serviço da própria expressão ameríndia – como quem apenas lhe realçasse os traços e evidenciasse possibilidades, sem jamais afastá-lo de sua natureza-de-alma mais própria.
Tratar-se-ia, portanto, de um ato de imensa significação histórica, pois nunca antes, em 500 anos, o olhar, ouvido e alma europeus teriam alcançado um nível de respeito e abertura tão elevados diante da expressão indígena – resultando não em mais um produto ocidental feito com matéria-prima expropriada, e sim, pelo contrário, em um sutilíssimo ato de penitência pelos imensos crimes de lesa-humanidade com que a expansão europeia se efetivou.
Enfim: brotou desse momento a vontade de compartilhar aqui o primeiro disco da série Ihu, dois anos anterior à missa, o qual não recorre ao coro e orquestra “eruditos” mas também alcança um nível extraordinário de realização musical (veja-se pelas entusiásticas resenhas deixadas no site da Amazon que foram incluídas na postagem em arquivo de texto).
E, para lhe fazer companhia, por que não repostar também a missa? Tenho tanta certeza de que o Strava não se oporá que deixei para pedir licença aqui, em pleno ar…
Uma última coisa: Marlui Miranda disse uma vez que pretendia realizar uma série de seis discos com material indígena, cada um explorando um diferente campo de linguagem. Não sei que dificuldades terá encontrado, pois parece parou nestes dois. Ainda assim que ninguém se atreveria a dizer que a realização foi pouca, não é mesmo?
Marlui Miranda (1949)
Ihu : Todos os Sons (1995)
1. Tchori Tchori (Índios Jaboti de Rondônia)
2. Pamé Daworo (Índios Jaboti de Rondônia)
3. Tche Nane (Índios Jaboti de Rondônia)
4. Ñaumu (Índios Yanomami de Roraima)
5. Awina – Ijain Je E’ (Índios Pakaa Nova de Rondônia)
6. Araruna (Índios Parakanã do Pará)
7. Mena Barsáa (Índios Tukano do Amazonas)
8. Bep (Índios Kayapó do Pará)
9. Festa Da Flauta (Índios Nambikwara do Guaporé – MT)
10. Yny Maj Hyrynh (Índios Karitiana de Rondônia / José Pereira Karitiana)
11. Hirigo (Índios Tupari de Rondônia)
12. Wine Merewá (Índios Suruí de Rondônia)
13. Mekô Merewá (Índios Suruí de Rondônia)
14. Ju Parana (Índios Juruna do Mato Grosso do Norte)
15. Kworo Kango (Índios Kayapó do Pará)
16. Mito (narração) – Mitumji Iarén (Índios Suyá do Mato Grosso do Norte)
17. Quinze Variações de Hai Nai Hai (Índios Nambikwara do Guaporé – MT)
NOVO LINK COM ARQUIVO MELHORADO
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Ranulfus
Ela tá justamente trabalhando com o Mawaca, que ultimamente vem focando na música indígena brasileira. Vê que coincidência, Ranulfus.
Quando leio as palavras missa e índio na mesma frase, chaga a me dar um estrimilique. Mas não é hora pra tristes histórias. Obrigado pelo cd… Oh grande blog de Bach.
será que Marlui Miranda comungou???
Poxa, é o Mawaca todinho.
Yes, Yes! Conversei uma vez com a própria Marlui sobre isso, ao final de uma apresentação, e ela TAMBÉM sente tremeliques… Não se trata de uma mera missa bem-comportada, mas de uma exploração dramática da complexidade de um encontro terrível – mas em alguns momentos não SÓ terrível. Se me lembro bem (pois já faz 13 ou 14 anos) ela admitiu que o uso da orquestra, e mais especificamente do PESO da orquestra, frente à singeleza dos cantos, é uma expressão dessa tensão.
E por falar em coincidências, CVL, pelos mesmos dias em que a vi fazer a missa com a Camerata fui rever o filme Brincando nos Campos do Senhor, do Hector Babenco (tremendamente crítico das missões religiosas entre índios), e só aí lembrei que ela é uma das responsáveis pela trilha desse filme (o outro responsável assina uma das resenhas no site da Amazon, a que me refiro acima), além de (se não me engano) ter dado consultoria lingüística.
Putz, não entendo muito do assunto, mas o nome Marlui Miranda é referência. Há muitos anos atrás conheci uma antropóloga amazonense que escrevia sua dissertação de mestrado exatamente sobre essas pesquisas da Marlui, e se não estou enganado, puxando pela memória, ela tinha trabalhado com a própria durante um tempo. Pena que não lembro o nome dela para procurar na rede. :((
Marlui já trabalha a muitos anos (1976) com os indios do posto Leonado lá no Xingu, Rondonia com povos ribeirinhos etc. convivendo..estudando.. e respirando os seus costumes até mais que os Villas Boas.
Seu conhecimento músical extrapola a barreira do erudito e da convencional música vanguarda/Música Nova, eu particularmente a considero uma “Princesa” dos sons.
Parabéns pela ousadia de publicar esse belissimo texto…..
Sensacional, Ranulfus!!! Ando tão atarefado que ficou obrigatório poupar palavras.
mais uma vez venho agradecer. há anos, desde a mini serie xingu, vinha procurando musica indigena brasileira. valeu! obrigado
olá!
me parece que o link está quebrado.
agradeceria muitíssimo se pudesse me enviar um novo link ou o arquivo.
sou apaixonado neste álbum!!!
grato!
castor de assunção
|Muito bom ouvir e viajar. Obrigado.
Minha faixa preferida:
6. Araruna (Índios Parakanã do Pará)