Música na Corte Brasileira – Vol. 1 de 5
Rio de Janeiro – Vice-Reinado
LP de 1965
Até alguns anos passados, não seria possível realizar esta série de discos que a Odeon denominou “Música na Corte Brasileira” e com a qual se associa às comemorações do IV Centenário de Fundação da Cidade do Rio de Janeiro.
Efetivamente, o repertório de que se compõe este primeiro volume da série é, por assim dizer, inteiramente novo para os ouvidos das últimas gerações de brasileiros.
São peças buscadas nos arquivos de Lisboa, de Paris e do Brasil, que trazem, com o sabor característico de documentos amarelecidos pelo tempo, a evocação de uma época distante, quando o Rio de Janeiro, prestigiado com a presença da família real e da nobreza portuguesa, passou a ser a sede da Corte de D. Maria I, a Louca.
O Principe Regente, governando em nome de sua Augusta Mãe, era um Bragança e, como tal, portador de um atávico pendor para a música.
Nao é de estranhar que esse pendor se exercesse em primeiro lugar no templo, já que, filho de uma rainha cujo misticismo chegou ao delírio e à loucura, D. João trazia do berço o hábito de rezar o terço ouvindo o cantochão.
Fora do templo, havia o salão, onde se fazia música com viola e cravo. E, somente em dose diminuta, havia também a música de teatro.
O primeiro autor a figurar no repertório aqui apresentado é Joaquim Manuel, mestiço carioca nascido no século XVIII e que ainda em 1820 vivia no Rio de Janeiro. Joaquim Manuel passou à História graças à maneira excepcional com que executava “une petite viole française, appelée cavaquinho” e ao talento musical que revelava compondo modinhas.
Sem saber uma nota de música, Joaquim Manuel causou forte impressão em alguns viajantes e cronistas da época, entre os quais Freycinet e Balbi, além de Neukomm, o músico austríaco que, permanecendo no Rio de Janeiro de 1816 a 1821, levou para a Europa algumas das modinhas de Joaquim Manuel, harmonizando e fazendo-as publicar num album, em 1824, ano em que foi anunciado a venda, em Lisboa, no Armazém de Música de J. B. Waltmann.
A descoberta das modinhas de Joaquim Manuel se deve a Luis Heitor, que encontrou recentemente na Biblioteca do Conservatório de Paris as harmonizações autógrafas de Neukomm, para canto e piano. Do album impresso em Paris não há notícia de um único exemplar.
As modinhas de Joaquim Manuel constituem o que de melhor existe na música profana do Brasil Colonia e podemos ouvir aqui as seguintes: Se me Desses um Suspiro, Se Queres Saber a Causa, Foi o Momento de Ver-te, Triste Salgueiro e Desde O Dia em que Nasci.
De Marcos Antonio (Marcos Portugal, 1762-1830), com poema de Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), é a modinha Você Trata o Amor em Brinco, peça descoberta pelo autor destas notas na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Marcos Portugal, o orgulhoso musico português cujo nome figura no programa dos principais teatros da Europa como autor de óperas, veio para o Rio de Janeiro em 1811, aqui permanecendo até 1830, quando, vitimado por um “ataque paralítico”, faleceu em estado de pobreza, na casa de uma velha fidalga que dele se apiedou, a Marquesa de Aguiar. Caldas Barbosa, autor do poema, é o criador da modinha e do lundu de salão. Transportando-se para Lisboa em 1770, foi ele o primeiro brasileiro a levar para os salões da aristocracia lisboeta esses dois gêneros musicais, nos quais repontam os primeiros indícios de nacionalidade brasileira.
Recolhidas pelo naturalista Von Martius em 1817/18, que as publicou no apêndice musical do seu monumental “Reise in Brasilien”, aparecem aqui duas modinhas anônimas: No Regaço da Ventura, modinha mineira cujo poema pude identificar como sendo da autoria de Tomas Antonio Gonzaga, e Uma Mulata Bonita, lundu da Bahia.
Canidê-Ioune (ave amarela) é a curiosa peça com que nos deparamos agora. A melodia harmonizada para coro por Villa-Lobos, foi recolhida dos índios Tamoios por Jean de Lery em 1557, na Baia de Guanabara, nas imediações do Rio Carioca, na Praia do Flamengo. A melodia, como se vê, é anterior à fundação da cidade.
Sendo a maior figura da musica colonial brasileira, o Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), deixou uma obra numerosa, da qual conhecíamos pouquíssimas peças. Graças às pesquisas de Cleofe Person de Mattos, começamos a ter do Padre-Mestre o conhecimento auditivo que nos faltava.
De José Maurício são as peças Crux Fidelis, de 1806, Judas Mercator Pessimus de 1809 e, finalmente, a Sinfonia Fúnebre, de 1790, executada nas exéquias do autor em 1830.
(Novembro, 1965, Mozart de Araujo, extraído da contra-capa do LP)
Anônimo da Bahia
01. Uma mulata bonita
Anônimo (Séc. XVIII) & Thomaz Antonio Gonzaga (Porto, 1744-Ilha de Moçambique, 1810)
02. No regaço da ventura
Joaquim Manoel Gago da Câmara (Séc. XVIII) & harmonizada por Sigismund Neukomm
03. Se me desses um suspiro
04. Se queres saber a causa
05. Foi o momento de ver-te
06. Triste salgueiro
07. Desde o dia em que nasci
Marcos Antonio Portugal da Fonseca (Portugal, 1762-Rio, 1830) & Domingos Caldas Barbosa (1740-1800)
08. Você trata o amor em brinco
Anônimo (Rio, séc. XVI) & harmonizada para coro por Villa-Lobos
09. Canidê-Ioune
Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830, Rio de Janeiro, RJ)
10. Crux fidelis
11. Judas mercator pessimus
12. Sinfonia Fúnebre
Música na Corte Brasileira, Vol 1 – Rio de Janeiro – O Vice-Reinado – 1965
Faixa 01 a 08: Collegium Musicum da Rádio M.E.C., Regência: George Kiszely
Olga Maria Schroeter, soprano
Faixa 09 a 11: Associação de Canto Coral, Diretora: Cleofe Person de Mattos
Faixa 12: Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio M.E.C., Regência: Alceo Bocchino
Selo Odeon, Coordenador-Assistente: Marlos Nobre
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MP3 320 kbps – 72,0 MB – 48,8 min
powered by iTunes 12.5.1
.LP gentilmente ofertado pelo nosso ouvinte Antonio Alves da Silva. Não tem preço!!!!
Digitalizado por Avicenna
Boa audição.
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Avicenna
Puta merda, Avicenna, você se supera a cada dia!
Abraços!
Obrigado, Carlinus.
Alceo Bocchino regendo a Sinfônica da Rádio MEC e Marlos Nobre ocupando cargo de destaque antes dos 30 anos. É emblemático.
Por sinal, Bocchino tá novinho em folha, aos 92 anos (pelo menos tava quando o vi em 2007). Tem menos medo de viajar de avião do que eu.
Também achei interessante, CVL, tanto que destaquei na postagem.
Bom, é preciso não esquecer que outra postagem recente do Avicenna cobre mais ou menos o mesmo campo: O Sacro e o Profano na Música da Corte de Dom João VI. Uma abordagem diferente, e por isso mesmo igualmente importante: acho que não dá pra dizer que se conhece uma música ou mesmo um estilo antes de observá-los de vários ângulos.
E está lindo ver que, como se já não fosse tantas outras coisas, este blog está virando referência obrigatória pra quem quiser conhecimento vivo da História do Brasil (pra mim o conhecimento de nenhum período histórico é vivo sem a música que lhe corresponde!)
E nesse sentido também é preciso destacar a recente postagem do CVL, do grupo Carmina. Talvez esteja passando batido, mas eles descobriram a ponte, talvez pela primeira vez! Outros grupos já tentaram e chegaram perto, mas tão em cima da mosca eu ainda não tinha visto. Me refiro à faixa 22, onde uma Cantiga de Santa Maria, do século XIII, reaparece nota por nota numa Abrição de Porta de reisado nordestino. Se tivesse como, era de pregar isso como um quadro na parede: uma sobreposição de três momentos históricos, pois o registro audível dessa descoberta também é histórico em si!
Gente, não vou nem ficar agradecendo mais, caso por caso, que se não vai focar monótono… mas este espaço aqui tá realmente com tudo. É verdade que muitas das melhores postagens ganham pouca atenção – mas botem fé que é pouca apenas em termos quantitativos, não nos qualitativos! E pel’amor de Deus não desistam!
Se houver alguma coisa como uma sociedade histórica da música
sacra e profana do Brasil colonial ou imperial, deve haver
um busto do Avicena na sua sede.
Esse material publicado hoje, Emílio, é o resultado da campanha “Nós queremos gravar seu LP!!!”. Está dando um resultado e tanto!
Olá Caro Avicenna!
Belíssimo material este! E de grande relevância histórica para nós, tatuia.. ops! brasileiros! De fato, é um material inteiramente novo, diria que estamos diante de um paradoxo: é música contemporânea composta há 200 anos! Exagero à parte, é uma audição que deve ser feita com atenção e grande prazer pois já adquiri a disposição para conhecer e apreciar música composta com outros padrões estéticos. É claro que neste aqui não temos um caso extremo, isto é, não se trata uma música tão diferente, sua importância histórica supera isto.
Até a próxima postagem.
Essa coleção “Música na Corte Brasileira” com 5 LPs, Adriano, é muito didática. Cada LP é melhor que o outro.
Pois é Ranulfus, também achei o trabalho do Carmina o mais completo dentre os de música antiga lançados no Brasil. O CD com a trilha sonora d’A Pedra do Reino, apesar de ser um trabalho bem autoral de Marco Antônio Guimarães, já bebe das influências desse insight do Carmina (só não sei se via Carmina) – da ponte descoberta, digo. O Movimento Armorial auxiliou muito nesse sentido, pois enfoca justamente nessa continuidade das raízes ibéricas no interior do Nordeste, só cometeu exageros e distorções ao enfatizar mais a construção de propostas estéticas do que ao estudo e explicação das raízes em si (afinal, eram mais artistas e menos acadêmicos envolvidos). Assim, alguém de fora – o Carmina, que é de SP, p. ex. – pode prestar mais atenção a esse lado negligenciado.
Esse álbum é lindíssimo! Baixei aqui há alguns anos, e não me canso de ouvi-lo! Não sei se é a gravação, se meus conhecimentos parcos de soprano, mas eu nunca ouvi uma voz como essa da Olga Maria Schroeter, maravilhosa! Avicenna, posta mais dela aí 😉
Obrigado pelos comentarios, Marcos Paulo.
Se tiver, vou postar.
Um abraço,
Avicenna
Por que só o volume 1 Avicenna? gostaria muito de ver por aqui os outros quatro restantes. Muito obrigado, volte a postar mais obras Avicenna grande abraço, paz e saúde!!
Albires,
Albires,
Todos os volumes estão aqui:
https://pqpbach.ars.blog.br/?s=M%C3%BAsica+na+Corte+Brasileira&submit=Pesquisa
Um abraço,
Avicenna
olá amigos, obrigado por esta coleção sem paralelo…mas, infelizmente, no volume 1 falta a faixa 9…grande abraço…
Olá, eu estou tendo dificuldades em fazer download pelo ADrive, antes eu realizava normalmente, mas agora ele sempre pede que eu ligue o javascript, sendo que ele já está ligado no meu navegador, já tentei em outros, mas ainda assim não consigo fazer o download. Vocês poderiam me ajudar nesta questão? Desde já agradeço.
Muito obrigado pela postagem dessa excelente coleção.
Infelizmente não sei como ajudá-lo, Carlindo.
Avicenna
Consegui fazer o download usando uma extensão que mascara o IP, de qualquer forma obrigado.
Valeu!
Avicenna