Beethoven : Missa Solemnis, op. 123 : tributo ao maestro Roberto Schnorrenberg (2/2)

oglweaMissa Solemnis, op. 123
Coro e Orquestra do 8º Festival Internacional de Música do Paraná

Missa Solemnis! Beethoven! Linda postagem para um domingo de Páscoa, não?

Sim, linda! Só que… não duvido que alguns leitores (felizmente não muitos) sejam capazes de se decepcionar no momento seguinte: “Ah, imagina ouvir Beethoven gravado no Brasil!”

Pois essa é uma das principais intenções desta postagem e da imediatamente anterior (publicada originalmente em janeiro): combater o complexo-de-vira-lata. Pois se trata, sim, de realizações de altíssimo nível – e a carreira de publicações do monge Ranulfus neste blog deve lhes dar uma ideia de que ele não é tão sem base pra avaliar.

Tanto que ele admite, para começar, uma deficiência nesta gravação: a captação do som, que privilegiou demais @s solistas, deixando muito ao fundo o coro, que deveria ser a estrela maior – isso sem desmerecer o trabalho impecável das duas argentinas e dos dois brasileiros nos solos!

Mas a estrela maior de uma obra sinfônica é mesmo o regente. E aí ouso dizer que, entre os brasileiros, antes dos mais recentes como Neschling, Minczuk (que eram alunos neste festival) e Tibiriçá, eu mesmo não ouvi regência sinfônica melhor que a do nosso querido Schnô, como o chamávamos (pois cantei em pelo menos três concertos e quatro obras de fôlego sob regência dele – inclusive nesta). Falam muito de Eleazar de Carvalho mas, sinceramente, o que cheguei a ouvir não chegou a me convencer como o Schnô. Desde que vocês não esperem dele pirotecnias: esperem uma concepção equilibrada, madura, que serve à escrita do compositor e não a quaisquer estrelismos. Acompanhem, por exemplo, o Crucifixus a partir dos 6m33s do Credo (faixa 3), especialmente a textura em pianíssimo a partir de 8m48s: quem ousaria me dizer que isso é uma realização de segunda? E isso com um coral de estudantes preparado em menos de um mês!

Quanto à Missa Solemnis em si: é só pesquisar um pouco e vocês encontraram informação muito mais consistente do que eu poderia fornecer – a começar pela de que foi pensada como peça de concerto, e não para efetivo uso litúrgico – mas alinhavo aqui algumas observações pessoais (e portanto fortemente sujeitas a contestação):

Acreditem, não sou um idólatra de Beethoven. Gosto demais, mas não o vejo como Deus, e também ouso ser crítico. Pra mim foi, p.ex., um alívio saber que ninguém menos que Stravinski também achava a Nona Sinfonia caótica, e não a obra prima que todos acham indispensável repetir que é. Ouso dizer que prefiro muitíssimo a Fantasia Coral, que muitos consideram um mero exercício no caminho da Nona. Já quanto a esta Missa, acho que ela cresce a cada minuto de sua duração. Termina efetivamente sublime. Mas começa fraca (repito: no meu sentir pessoal). O Kyrie/Christe me parece quase composto por obrigação, já que toda missa tem que ter um.

Gloria e Credo são textos longos, que dizem muitas coisas diferentes, e terminam sendo sempre fragmentários quando o compositor busca ser ilustrativo. Para entender as tantas mudanças bruscas, só acompanhando o texto. Desses dois, gosto mais do Credo – talvez até porque tenho sentimentos muito esquisitos frente a qualquer ideia de “glória”.

Mas em seguida vêm o Sanctus/Benedictus e o Agnus Dei (faixas 4 e 5) – e aí eu baixo a crista diante de uns 30 minutos que estão entre o que eu conheço de mais sublime em música. Peguem só a textura criada pelas cordas a partir de 3m30s da faixa 5, e aí acompanhem a entrada do violino aos 5m10s, lá nas alturas como “o que vem em nome do Senhor”, para falar coisas lindas e consoladoras pelos 10 minutos seguintes…

E aí vem o Agnus, que – vocês sabem – se restringe a duas súplicas, a primeira das quais repetida: “Cordeiro de Deus, que carregas os pecados do mundo, tem misericórdia de nós” e “Cordeiro de Deus, que carregas os pecados do mundo, dá-nos PAZ”. Dessas três súplicas que são duas, titio Ludovico gerou 15 de seus mais sublimes minutos. Especialmente digno de nota, para terminar: depois de já ter apresentado o texto todo, aos 8m31s entreouvem-se toques de guerra, e Beethoven – que presenciou toda a devastação da Europa por Napoleão e tantos outros – retoma a súplica por misericórdia quase com desespero -, processo retomado com outras notas aos 11m20.

Mas, aqui entre nós, não consigo deixar de pensar que é um tanto patético pedir a paz a um ser além da humanidade, se quem faz a guerra somos nós mesmos.

Ou… será que somos mesmo nós? Ou será que muitas vezes não nos restou pedir a paz a algum poder de outro mundo, já que a guerra sempre foi imposta pelos que se autoinstituíram como poderosos neste, sem nos deixar escolha?

Taí: quem sabe eu consiga voltar a apreciar as missas como antigamente, se pensar que essa última súplica pode significar: QUE NÓS – GENTE COMUM – TENHAMOS O PODER DE ESCOLHER E FAZER VALER A PAZ.

Boa Páscoa, senhor@s. E agora com vocês, Beethoven. Por Schnorrenberg.

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Palhinha: ouçam 4. Missa Solemnis, op. 123 – 4: Sanctus, Benedictus

Ludwig van Beethoven (1770-1827)
Missa Solemnis op. 123
1. Missa Solemnis, op. 123 – 1: Kyrie
2. Missa Solemnis, op. 123 – 2: Gloria
3. Missa Solemnis, op. 123 – 3: Credo
4. Missa Solemnis, op. 123 – 4: Sanctus, Benedictus
5. Missa Solemnis, op. 123 – 5: Agnus Dei

8º Festival de Música de Curitiba e 8º Curso Internacional de Música do Paraná – 1975
Vinis 3 e 4 de 4
Coro e Orquestra do 8º Festival Internacional de Música do Paraná.
Maestro Roberto Schnorrenberg
Soprano: Maria Kallay
Contralto: Margarita Zimmermann
Tenor: Aldo Baldin
Baixo: Edilson Costa

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MP3 320 kbps – 181,6 + 1,3 MB – 1h 15min
powered by iTunes 11.1.3

Boa audição.
macaco pensante

 

 

 

 

 

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Ranulfus: idealização, texto e integrante do Coral
Avicenna: digitalização do LP e mouse conductor

15 comments / Add your comment below

  1. Ó, Monge Ranulfus.
    Devo confessar-te meu pecado: invejo-te com uma força tão grande…
    Livrai-me deste pecado capital, ó grande sábio!

    1. Sim, eu quase fiz menção ao Aldo Baldin, que era catarinense, conhecido pessoal de um amigo meu de lá, o pianista Jorge Hartke, de Brusque, que também morreu precocemente. Não quis alongar demais o texto – mas fiquei alegre que alguém tenha trazido o ponto à baila!

  2. Estou ouvindo agora, Ranulfus. É, enquanto ficamos com nosso “complexo do vira-lata” muita coisa boa sai desse Brasil, e nós nem vemos. Essa é uma delas. Tudo que eu diria é que está na mesma altura que as performances de intérpretes renomados internacionais. Já sobre Beethoven, desculpe mas vou ter que discordar. Pra mim ele foi e sempre será o melhor compositor de todos os tempos. E quem quiser discordar disso também, que discorde…

  3. Stravinski não era músico. Um sujeito que produzia ruídos, como a insuportável “Sagração de Primavera” e outros barulhos, dizer que a maior obra musical já produzida por um ser humano é caótica é elevar a pretensão e a imbecilidade a um patamar a grandes alturas.

    1. Trata-se de uma extravagância da Secretaria d Estado da Cultura do Paraná, que em 1969 havia lançado dois LPs com uma documentação bastante fragmentária do QUINTO Festival de Curitiba, e em 1975 houve por bem dar continuidade à mesma numeração ao lançar os documentos – estes bem mais completos – do Oitavo Festival.

      Possuo os dois vinis de 1969, com bastante ruído, mas atualmente não tenho condições técnicas nem de tempo de prosseguir no meu projeto de digitalização. E eles deixam a desejar no sentido que consistem basicamente de movimentos isolados extraídos das obras executadas, O que mais valeria a pena, por estar na íntegra, é o Te Deum de Dvorak.

      Em 1977 a SECP veio ainda a lançar os “volumes 9, 10 e 11”, do Nono Festival, sendo que não tenho a menor ideia do que terá sido lançado como volumes 7 e 8. Digo que vejo estes três (numerados 9, 10 e 11) como prioridade para digitalização, quando me for possível de novo, pois contêm duas instigantes joias que são o Stabat Mater de Szymanowski (cantado em latim, mais fácil de apreciar que a versão em polonês), o Te Deum de Kodály, o Concerto Retrô op. 39 de Krzistoph Meyer, sem falar do ambíguo mas não por isso menos fascinante musicalmente “Agape”, do Padre Penalva, que acrescenta mais dois movimentos (Doxa e Eirene) ao Metánoia estreado dois anos antes, no Oitavo Festival – e ainda a estreia das “Cantigas do Bem Querer” de Henrique de Curitiba (sendo que a pequena voz do monge Ranulfus teve a oportunidade de participar da massa coral em todas as obras mencionadas acima).

  4. Excelente! A nona sinfonia de Beethoven não é a obra prima que todos os ignorantes no decorrer tempo considerando. Alguns chegam até ao absurdo de considerá-la umas das obras máximas da musica ao lado da Missa em Si Menor de Bach. Pobres incautos! Obra prima, que não é caótica, é a Sagração da Primavera, a obra eterna e existe também aquela “coisa” chamada Pássaro de Fogo.

  5. A Nona é foda, mas são poucos os maestros/orquestras que sabem tocar direito. A maioria foca demais no último movimento e esquece dos outros. Quando se fala em Nona de Beethoven (que é sim uma das obras mais fodásticas da humanidade, ao lado de qualquer coisa level godlike que Bach ou Stravinsky tenham feito) the word is: Toscanini. Tos-ca-ni-ni. 1952. E tenho dito. E creiam em mim, ó infiéis idolatradores do vermelho e detestadores do amarelo ou vice-versa…

  6. Olá! Que bom ler este comentário. Participei dos dois concertos: do Schnô e do Minczuk. Aprender essa obra foi para mim ter passado pela Julliard School por dez anos…. Exigiu de mim uma tremenda força de concentração e de conhecimento musical. Quando terminamos de montar a obra, percebi que tinha vivido um momento dificilmente repetido posteriormente. Fôra como se tivesse passado anos de experiência musical. O único pecado, se assim podemos salientar, do Schnô, foi dele ter deslocado o Gloria para o final, pois, segundo ele, o Agnus Dei terminava delicado demais (risos). Devo confessar, porém, que apreciei e desfrutei muito mais de sua interpretação, fazendo comparação com a do Minczuk. Concordo com a tua análise da Nona, embora devo salientar que pouquíssimos regentes atualmente, tem o conhecimento suficiente para extrair dela tudo o que nela contém. Ela é suntuosa, emocional, não pirotécnica.

  7. Olá! Que bom ler este comentário. Participei dos dois concertos: do Schnô e do Minczuk. Aprender essa obra foi para mim ter passado pela Julliard School por dez anos…. Exigiu de mim uma tremenda força de concentração e de conhecimento musical. Quando terminamos de montar a obra, percebi que tinha vivido um momento dificilmente repetido posteriormente. Fôra como se tivesse passado anos de experiência musical. O único pecado, se assim podemos salientar, do Schnô, foi dele ter deslocado o Gloria para o final, pois, segundo ele, o Agnus Dei terminava delicado demais (risos). Devo confessar, porém, que apreciei e desfrutei muito mais de sua interpretação, fazendo comparação com a do Minczuk. Quanto à tua análise da Nona, devo salientar que pouquíssimos regentes atualmente, tem o conhecimento suficiente para extrair dela tudo o que nela contém. Ela é suntuosa, emocional, não pirotécnica.

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