Entre as revelações que o jovem Daniel the Prophet fez a este velho monge destaca-se a música do inglês Nick Drake, usualmente catalogada como folk. Até há um mês eu nunca tinha ouvido falar, mas agora posso ouvir seu canto introvertido por horas e horas como se fosse uma única música, mais ou menos como faço com Purcell – o que poderia suscitar a hipótese de se dever à anglicidade dos dois… se o efeito não se estendesse a, entre outros exemplos, as lamentações vocais do inequivocamente franco Couperin.
Nicholas Rodney Drake nasceu na então Birmânia, que, muito britanicamente, era o local de trabalho do pai. Quando tinha quatro anos a família voltou pra Inglaterra, para uma vila de 3 mil habitantes não longe de Stratford-upon-Avon, terra daquele dramaturgo insignificante que vocês sabem o nome. Nick aprendeu piano com a mãe, Molly, que também tocava cello, compunha e cantava (do que há alguns testemunhos – gravações informais feitas em casa – no álbum Family Tree) – e talvez tenha legado ao filho também a sensibilidade exacerbada.
To make a long story short, Nick aprendeu escolarmente também clarinete e sax, e informalmente o violão, com colegas – justo o instrumento em que mais se destacou. Aos 19 anos foi estudar literatura em Cambridge – o que não faz pouco sentido, quando se constata o refinamento poético das letras. Aos 21, 23 e 24 anos lançou três discos que pouquíssima gente ouviu. E aos 26 morreu de overdose do que os médicos atochavam como antidepressivo na época.
Fim? Muito pelo contrário: nos 33 anos seguintes foram lançados sete outros discos com material que Nick havia deixado gravado (entre músicas inéditas e versões alternativas), e se é verdade que seus admiradores ainda constituem uma seita (sentido original, aliás, da palavra cult), essa seita não parou de crescer.
De início pensei em compartilhar aqui os três álbuns lançados em vida, mas ouvindo um pouco mais optei pelo terceiro e o sétimo dos póstumos. A razão é que Nick me parece ser daqueles artistas cujo talento brilha ao máximo no despojamento, na quase ausência de produção.
Pra terminar, declaro solenemente que estou morrendo de curiosidade quanto ao que vocês vão achar – e portanto adorarei que vocês não deixem de comentar!
TIME OF NO REPLY (1987)
01. Time Of No Reply
02. I Was Made To Love Magic
03. Joey
04. Clothes Of Sand [letra abaixo / lyrics bellow]
05. Man In A Shed
06. Mayfair
07. Fly
08. The Thoughts Of Mary Jane
09. Been Smoking Too Long
10. Strange Meeting II
11. Rider On The Wheel
12. Black Eyed Dog
13. Hanging On A Star
14. Voice From The Mountain
FAMILY TREE (2007)
01 Come Into The Garden (Introduction)
02 They’re Leaving Me Behind
03 Time Piece
04 Poor Mum (by Molly Drake)
05 Winter Is Gone
06 All My Trials (by Gabrielle Drake and Nick Drake)
07 Kegelstatt Trio For Clarinet, Viola And Piano by The Family Trio
08 Strolling Down The Highway
09 Paddling In Rushmere
10 Cocaine Blues
11 Blossom
12 Been Smoking Too Long
13 Black Mountain Blues
14 Tomorrow Is A Long Time
15 If You Leave Me
16 Here Come The Blues
17 Sketch 1
18 Blues Run The Game
19 My Baby’s So Sweet
20 Milk And Honey
21 Kimbie
22 Bird Flew By
23 Rain
24 Strange Meeting II
25 Day Is Done (Family Tree)
26 Come Into The Garden
27 Way To Blue (Family Tree)
28 Do You Ever Remember? (by Molly Drake)
BÔNUS
Clothes of Sand (ToNR 04) por Renato Russo (1994) [letra abaixo / lyrics bellow]
. . . . . . . BAIXE AQUI – download here
Who has dressed you in strange clothes of sand?
Who has taken you, far from my land?
Who has said that my sayings were wrong?
And who will say that I stayed much too long?Clothes of sand have covered your face
Given you meaning but taken my place
So make your way on, down to the sea
Something has taken you so far from me.Does it now seem worth all the colour of skies?
To see the earth, through painted eyes?
To look through panes of shaded glass?
See the stains of winter’s grass?Can you now return to from where you came?
Try to burn your changing name?
Or with silver spoons and coloured light
Will you worship moons in winter’s night?Clothes of sand have covered your face
Given you meaning but taken my place
So make your way on, down to the sea
Something has taken you, so far from me.
Ranulfus
No dia em que Bob Dylan ganhou um Nobel, nada como postar um cantor folk menos conhecido, mas que merece estar entre os grandes do gênero (e além disso, mandava um blues muito bem).
Faltou lembrar que a Wolkswagen colocou uma música dele num comercial lá pelos idos de 2000 (quando ainda não havia mp3 ou streaming) e em poucos meses ele vendeu mais discos que nos 30 anos anteriores.
Quem gostar destas gravações, mesmo que só um pouco, não pode deixar de ouvir seus 2 primeiros álbuns, duas obras-primas.
Que felicidade ver o Nick Drake no PQP Bach! Foi um amor intenso e imediato que senti por esse cara assim que descobri uma de suas músicas nos excêntricos Tenembaums, a belíssima e melancólica Fly. Daí eu tive que economizar horrores para conseguir importar, naquela época distante, uma caixa com 3 cds do Drake da Inglaterra. Lembro que um crítico foi contundente ao levantar a suspeita se Drake havia mesmo se suicidado: “alguém que compõe uma música tão cheia de vida e beleza como Northern Sky não se mataria.” Recomendo demais aos que estão aqui vendo esse post; baixem e ouçam, e me digam, se são humanos, se essa música não os tocarão profundamente.
(Mas os 3 cds são excepcionais, deveriam ser postados também.)
Fique tranquilo, Charlles: OS TRÊS ÁLBUNS ORIGINAIS TAMBÉM VEM AÍ… Até já estão upados 🙂
Ótimo, ranulfus!
Gosto deste estilo de musica, como você diz, parecendo uma única peça, todas as canções encadeadas – competente, calmo!
Sem falar no Russo. Aí vai mais uma prova da genialidade e da sensibilidade desse brasileiro! Boa postagem, Ranulfus, como sempre. Obrigado.
abraços
Fico muito feliz de saber que você apreciou a “intromissão” com a versão do Renato Russo, que eu hesitei um pouco em fazer. Essa gravação foi a primeira peça de Drake que conheci, quando ganhei o álbum The Stonewall Celebration Concert nos anos 90, e ela de cara me tocou profundamente, arrepiava até a medula com o acorde inesperado sob “down to the sea”… mas só agora, 20 anos depois vim a saber quem foi o autor. Concordo inteiramente com você quando vê aí uma prova da genialidade e sensibilidade desse nosso compatriota!
Ranulfus,
Eu já amava Drake muito antes desta postagem… que me deixa felicíssimo, por saber que você também o aprecia.
Nick tinha um jeito triste que só aumenta a beleza melancólica – renascentista, mesmo – de suas composições e canções.
Achei a comparação com Purcell perfeita! Fez-me conhecer um pouco melhor os dois!
🙂
Assim como a inserção da gravação do Renato Russo, senti a referência a Purcell no contexto como um pouco ousada, receando que me jogassem pedras por isso. Fico muito feliz de ver que ela foi compreendida e compartilhada, Rameau!
Muito bacana receber o feedback de vocês, o reconhecimento pelo empenho que colocamos em preparar essas postagens. No meu caso, que fiquei muito tempo afastado de postar aqui porque o momento de vida absolutamente não deixava condições, e ainda agora não é fácil, é vital a gente saber que não está desagradando! Valeu e está valendo muito, gente! É isso que dá ânimo de continuar!
Rapazzz . . curto demais !
O violão é genial, as diferentes afinações . . pra quem curte, é bem bom !
Tem documentário da vida dele no youtube !
– https://www.youtube.com/watch?v=NVkimezEUsM
Muito obrigado pelo seu comentário, DiMenez – e pelo link do documentário! Dia 24 vem aí outra postagem com os 3 álbuns oficiais – Five leaves left, Bryter Layter, Pink Moon – e o seu link também será aproveitado!