A Orquestra sob regência de Márcio Steuernagel em sua última apresentação do “Arte nos Campi”, em frente ao Painel do Poty no campus do politécnico (Foto: Fábio Marcolino/Proec).
A Orquestra Filarmônica da UFPR realiza um concerto inteiramente dedicado a compositores brasileiros às 20h na sexta-feira desta e da próxima semana, dias 11 e 18 de junho na Capela Santa Maria.
Pela primeira vez em Curitiba, será executada a Suite Antiga, do compositor carioca Leopoldo Miguéz, autor do Hino da República, além de uma releitura contemporânea, para orquestra, do Quarteto de Cordas no.4, escrito em 1917, por Villa-Lobos, realizada por Márcio Steuernagel.
Nesta noite também estréia a obra “Subtrópicos”, de Harry Crowl.
Ambos os trabalhos de M.Steuernagel e H. Crowl foram escritos especialmente para a Orquestra Filarmônica da UFPR.
Serviço
Orquestra Filarmônica da UFPR
REGÊNCIA: Márcio Steuernagel
PROGRAMA: Villa-Lobos, Harry Crowl e Leopoldo Miguéz
DATA: 11 e 18 de junho
HORÁRIO: 20h00
LOCAL: Capela Santa Maria – Rua Conselheiro Laurindo, 273
Programa Orquestra Filarmônica da UFPR
Heitor Villa- Lobos (1887 – 1959)/ Márcio Steuernagel (1982):
Quarteto (1917/2009-10) – estréia mundial –
I. Allegro con moto/Taleae
II. Andante (tranquillo)/Outros timbres
III.Scherzo: Allegro vivace /Concerto grosso para 25 Quartetos
IV.Allegro/Espectral
O ciclo de 17 quartetos de cordas de Villa-Lobos não é tão conhecido como as “Bachianas Brasileiras”, ou o ciclo dos “Choros”, ou mesmo a sua obra para violão, mas, talvez seja o ciclo de obras que revele as mudanças pelas quais o compositor passou ao longo de carreira. Os primeiros 4 quartetos foram escritos durante a sua primeira fase, anterior à “Semana de Arte Moderna, de 1922”. Apesar de encontrarmos alguns ecos da música francesa de Debussy, esses quartetos já mostram uma originalidade rara dificilmente observada em suas outras obras da época. O Quarteto no. 4, escrito em 1917 e dedicado a Frederico Nascimento, foi o escolhido para este trabalho de releitura. A obra teve que esperar até 1947 para ser estreada pelo Quarteto Borgeth. Não é uma obra muito executada, pois além de sua dificuldade técnica característica, há uma escrita que não nos revela melodias típicas brasileiras tão facilmente. Apesar disso, esse quarteto tem uma estrutura formal simples. Como em todos os quartetos do compositor, com exceção do primeiro, são quatro movimentos à maneira do compositor austríaco Franz Joseph Haydn (1732-1808), considerado o pai dessa formação. Além disso, Villa se mantém dentro de uma estrutura formal simples seguindo, praticamente o formato A-B-A nos movimentos. As melodias utilizadas são variadas e já antecedem as Bachianas e o poema sinfônico “Uirapuru”. O primeiro movimento, “allegro com moto”, tem reminiscências de Debussy e trabalha com ampla variedade harmônica. No segundo movimento, aparece um tema evocativo de Xangô. O terceiro, é bem leve e cria uma atmosfera que nos remete ao mundo de suas obras para crianças. No último movimento, o compositor busca novamente um idioma mais abstrato, sem variar tanto a estrutura harmônica como no primeiro.
No ano passado, quando o mundo lembrava os 50 anos da morte de Villa-Lobos, Márcio Steuernagel, compositor, e regente da nossa orquestra, pensou em fazer homenagem ao mestre através da orquestração de uma de suas obras pouco conhecidas, mas que fosse muito significativa. Foi quando lhe sugeri esse quarteto de cordas no.4. Nesse grande trabalho de orquestração, M.Steuernagel fez uma aprofundada pesquisa de técnicas de instrumentação que foram desenvolvidas ao longo do século passado. O contraste entre as massa sonoras sugeridas pela escrita às vezes densa, por Villa-Lobos, e a textura filigranada da música de câmara foram o ponto de partida para esse trabalho. No primeiro movimento, a orquestração foi usada para revelar as estruturas rítmicas subjacentes ao texto musical. No segundo, foram usadas técnicas expandidas para valorizar as possibilidades timbrísticas. No terceiro, numa brincadeira, como sugere o título do movimento, O quarteto foi multiplicado resultando em 25 quartetos dentro da orquestra que se alternam entre si e com o todo fazendo-nos lembrar de um concerto grosso barroco. E, no quarto e último movimento, a orquestração foi pensada em função de uma análise espectral de uma gravação do quarteto original.
Esta é a primeira execução da obra nesse formato que foi criado especialmente para a Orquestra Filarmônica da UFPR.
Harry Crowl (1958): Subtrópícos (2010)
1. Enquanto uma grande cidade dorme – estréia mundial –
São quase inexistentes as obras musicais que fazem alusão ao universo relativo às paragens ao sul do trópico de capricórnio, no Brasil, com exceção do Rio Grande do Sul. Enquanto a exuberância tropical domina a visão que se tem sobre o país, fica muitas vezes esquecida a percepção da mudança das estações, a diversidade cultural amalgamada num cotidiano discreto e muitas vezes introspectivo desse mundo situado entre São Paulo e as serras gaúcha e catarinense. Não se trata aqui de um retrato noturno de Curitiba, ou das regiões do Paraná e Santa Catarina, mas de um ensaio sonoro sobre os sons misteriosos ouvidos ao longe nas profundezas da noite numa cidade grande. Por aqui, esses sons são enriquecidos muitas vezes pelo uivar do vento e pelos caminhões de limpeza. A região subtropical encontra-se delimitada ao norte, pelo Trópico de capricórnio. Nessa obra orquestral, que é a primeira de um dítico para orquestra, dedicado à Orquestra Filarmônica da UFPR, foram trabalhados muitos aspectos harmônicos e timbrísticos que têm como objetivo uma constante e sutil passagem entre sonoridades diversas como num quadro abstrato onde cores se fundem umas nas outras sem ficar claro onde uma acaba e outra começa. É uma obra que nos remete ao compositor americano Charles Ives (1874-1954), especialmente nas suas “Duas Contemplações para orquestra: The Unanswered Question (A pergunta não respondida), e, Central Park in the Dark (Central Park no escuro) ”.
Leopoldo Miguéz (1850-1902): Suíte à Antiga, opus 25
I. Prelúdio (moderato)
II. Sarabanda (andante)
III.Gavota (allegro moderato)
IV.Ária
V. Double (andantino)
VI.Giga (allegro vivace)
Exímio violinista e regente de orquestra muito atuante no Rio de Janeiro do final do século XIX, Miguéz tornou-se conhecido pela sua autoria do “Hino à Proclamação da República” e pelo episódio que proporcionou o lançamento do então jovem maestro italiano Arturo Toscanini, no Rio, em 1897, quando se desentendera com o empresário italiano que o havia contratado para reger a ópera “Aída”, de Giuseppe Verdi. O jovem Toscanini era o primeiro violoncelo da orquestra que acompanhava a companhia de ópera, então de passagem pela América do Sul, apresentando essa ópera. No dia da demissão de Miguéz, Toscanini foi convidado a reger o espetáculo e, para surpresa de todos, ao chegar ao pódio, fechou a partitura e conduziu a orquestra por mais de 3 horas inteiramente de memória. Miguéz se sentiu talvez, aliviado, pois ele era um grande admirador de Wagner e Liszt e não se simpatizava com o domínio da ópera italiana, no Brasil daquela época. A sua visão estética ficou muito clara em suas obras sinfônicas, centradas em 3 magníficos poemas sinfônicos: Parisina, Prometeu e Ave Libertas! Miguéz estudara na França com Ambroise Thomas (1811-1896) entre 1882 e 1886, e de lá voltara convertido à música de vanguarda da época, que era justamente a nova música alemã preconizada pelos poemas sinfônicos de Franz Liszt (1811-1886) e pelos gigantescos dramas musicais de Richard Wagner (1813-1883). Miguéz também escreveu dois dramas musicais seguindo o modelo wagneriano, – Pelo Amor! e, Os Saldunes. A Suíte à Antiga, opus 25, segue uma tendência que esteve amplamente na moda no final do séc.XIX e início do séc.XX. Tratava-se de se recriar o ambiente da corte francesa do séc.XVIII através da imitação do estilo dos cravistas do século anterior, especialmente dos Couperin, que viveram entre os séculos XVII e XVIII. No Brasil, além de Miguéz, Alberto Nepomuceno (1860-1920) também escreveu uma Suíte Antiga, em versões tanto para piano quanto para orquestra de cordas. Compositores europeus tão diversos quanto o norueguês Edvard Grieg (1843 -1907), os franceses Claude Debussy (1865-1918) e Maurice Ravel (1875-1937) e, o alemão Richard Strauss (1864-1949), escreveram obras evocando os salões da corte de Versalhes através da recriação do estilo antigo francês. No caso de Miguéz, que era um republicano convicto, encontramos essa obra bem característica de uma nostalgia dos tempos de glória anteriores à Revolução Francesa.
No programa desta noite, a música feita por compositores brasileiros do passado e do presente nos revela o dinamismo e a vitalidade que a música de concerto ainda tem a nos oferecer, seja como entretenimento ou como reflexão.
Harry Crowl
Avicenna