A grande e heroica saga pequepiana de descobrimento das obras barrocas do ocidente compostas no oriente chega ao seu terceiro álbum. Depois das Vésperas à Virgem Maria na China (aqui) e do Concerto Barroco na Cidade Proibida (aqui), por que não esta delirante Missa dos Jesuítas de Pequim?.
(<<< ao lado a primeira e a segunda capas do álbum). É mais uma daquelas coisas exóticas que, ao mesmo tempo em que causam estranhamento, encantam e maravilham. São sentimentos que parecem ambíguos, mas não são: do estranhamento tiramos muitas de nossas mais pungentes e felizes recordações. E como não achar no mínimo diferentes as composições já tanto orientalizadas de Joseph-Marie Amiot, ou ficar bestificado com a elegância das sonatas de Teodorico Pedrini e com a imensidão sugerida pelos cânones e contracantos de Charles d’Ambleville? Tudo isso é exponencializado pela execução do grupo XVIII-021 Musique des Lumières, que mantém a elevada qualidade apresentada nas outras duas obras aqui postadas.
Mais uma pérola do oriente! Ouça! Ouça! Deleite-se!
Palhinha: Alguns trechos das peças de Amiot:
http://youtu.be/5b_ZjTnAGV8
Messe des Jesuites de Pekin
Concerto barroco na Cidade Proibida
Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
01. Actiones Nostras & C.
02. Acte D’humilité Charles d’Ambleville (séc. XVI – 1637)
03. Kyrie Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
04. Prélude “Pin, Bambou, Prunus” / Aspersion De L’eau Charles d’Ambleville (séc. XVI – 1637)
05. Gloria
06. Credo
07. Sanctus Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
08. Élévation De L’Hostie / Élévation Du Calice Simon Boyleau (ativo em 1544–1586)
09. Per La Natività Della Beata Vergine Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
10. Salve Regina Simon Boyleau (ativo em 1544–1586)
11. Per La Natività Della Beata Vergine Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
12. L’oie Qui Se Pose / Sanctissima Simon Boyleau (ativo em 1544–1586)
13. Per La Natività Della Beata Vergine Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
14. Pater Charles d’Ambleville (séc. XVI – 1637)
15. Agnus Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
16. Communion
17. Communion Teodorico Pedrini (1671-1746)
18. Sonate XII, Adagio
19. Sonate XII, Pastorale Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
20. Prière À Jésus-Christ
21. Prière Au Saint Sacrement
22. Prière Après L’Office
23. Le Chant Des Oies Sur Leur Passage
24. Ave Maria
Ensemble Meihua Fleur De Prunus
Chœur Du Centre Catholique Chinois De Paris
François Picard, regente do coro
XVIII-21 Musique des Lumières
Jean-Christophe Frisch, regente
Temple Bon Secours, Paris, Junho de 1998
Continuando na minha saga e meu afã de conhecer mais e divulgar a música ocidental feita no oriente, apresento-vos este belíssimo Concerto Barroco na Cidade Proibida, uma obra que o próprio encarte afirma ser de (entre aspas, mesmo) “barroco chinês”. na verdade, o termo é bastante apropriado para classificar o que seria a música composta por religiosos ocidentais, com um sistema musical e ritos europeus, realizada na distante China no período que, para a Europa e Latino-América, consideramos como barroco. Falar de um barroco na China (sem as aspas) seria forçação de barra, pois toda a arte deles não se alinha com a nossa e seus padrões estéticos são bem diversos dos que estamos acostumados.
Este CD mostra muito bem a diferença e a beleza da junção entre as culturas de cá e de acolá, alternando os Divertimentos Chineses, do padre jesuíta francês Joseph-Marie Amiot (1718-1793), e as Sonatas para Instrumento, do frei vicentino italiano Teodorico Pedrini (1671-1746), missionários contemporâneos que provavelmente se conheceram.
Essa alternância é proposital, para mostrar a diferença entre as peças de Pedrini, compositor que nunca conseguiu se desvencilhar dos padrões e sonoridades de sua terra nas obras executadas na China; e as de Amiot que, ao contrário de seu colega, mergulhou de cabeça na cultura chinesa (chegando a ser membro da Academia de Ciências Chinesa, tradutor do imperador e escrevendo dicionários e uma obra de 15 volumes sobre a história, ciência e arte chinesas), compondo peças que apresentam uma mescla da música que aprendeu com a que incorporou no oriente.
O jesuíta francês soube muito bem criar algo novo e rico aos nossos ouvidos. De forma contrária a ele, a música sem grande novidade formal do colega italiano surpreende, não pela novidade (pois quase não há), mas pela beleza, mesmo. Pedrini é um baita melodista! Como suas sonatas são lindas! Por isso mesmo seu nome deva aparecer sozinho na capa do álbum. Ainda mais: as obras são executadas pelos preciosistas do XVIII-021 Musique des Lumières, grupo que não erra nas execuções, mestres do bem-executado, de um capricho inestimável.
Um verdadeira pérola do oriente! Ouça! Ouça! Deleite-se!
Amostra: A primeira sonata de Pedrini:
http://youtu.be/JmJd2mYw-Mg
Concert Baroque à la Citè Interdite
Concerto barroco na Cidade Proibida
Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
01. Primeiro Divertimento chinês Teodorico Pedrini (1671-1746) Sonata No. 1 para violino e baixo continuo em Lá maior
02. I. Adagio
03. II. Allegro
04. III. Largo
05. IV. Adagio
06. V. Allegro Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
07. Primeiro Divertimento chinês Teodorico Pedrini (1671-1746) Sonata No. 7 para flauta e baixo continuo em Si bemol maior
08. I. Grave
09. II. Vivace
10. III. Adagio
11. IV. Baleto allegro
12. V. Allegro Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
13. Terceiro Divertimento chinês Teodorico Pedrini (1671-1746) Sonata No. 4 para violoncelo e baixo continuo em Sol menor
14. I. Grave
15. II. Cantabile
16. II. Allegro
17. IV. Grave e arcate lunghe
18. V. Allegro Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
19. 19. Segundo Divertimento chinês. Teodorico Pedrini (1671-1746) Sonata No. 10 para violino e baixo continuo em Dó menor
20. I. Prelúdio
21. II. Corrente Andante
22. III. Grave
23. IV. Sarabanda Vivace
24. V. Minuetto Allegro
25. VI. Adagio
26. VII. Giga Allegro Joseph-Marie Amiot (1718-1793)
27. 27. Terceiro divertimento chinês. Teodorico Pedrini (1671-1746) Sonata No. 5 para flauta e baixo continuo em Sol maior
28. I. Largo
29. II. Allegro
30. III. Vivace
31. IV. Allegro
32. V. Adagio
33. VI. Allegro
Martine Chappuis, cravo
Claire Antonini, teorba
Patrik Bismuth, violino
Hagger Hanana, violoncelo
Jean-Christophe Frisch, flauta transversa e regência
XVIII-21 Musique des Lumières
Álbum apresentado a este postulante que vos fala pelo fino gosto de Camilo Di Giorgi, inspirado pelos ventos do oriente (como diria o Avicenna): 前夕把中國人,管!
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Feliz Páscoa!
Minha mãe sempre me disse: “oriente-se, rapaz!“. Bom, ela não pode reclamar, pois essa semana estou indo cada vez mais fundo no Oriente (o termo orientar remonta, dizem, à época das cruzadas, quando os olhos da Europa se voltavam novamente para Jerusalém. Orientar-se era voltar-se para a Terra Santa, para Cristo, e dar um sentido à sua vida). Assim, depois de passar pela Rússia, agora cheguei à China!
A história do catolicismo na China é bastante longa: já havia missionários católicos naquele imenso país no século XIII. Expulsos no início da dinastia Ming (1368-1644), eles retornaram nos fins do século XVI.Se estabeleceram em Macau, foram avançando no território e em poucos anos chegaram a Pequim. Ali tiveram como líder o jesuíta Matteo Ricci, que construiu a primeira capela naquela cidade no ano de 1605. Essa capela foi reconstruída e ampliada várias vezes e foi o embrião da atual Catedral Metropolitana de Pequim, a Igreja da Imaculada Conceição. Assim, os católicos têm uma presença ininterrupta de mais de 400 anos na capital do país mais populoso do mundo. Hoje, os eles são 15 milhões na China, ou seja, 1,15% da população do país.
<– Matteo Ricci (esq.) e Xu Guangqi (direita)
O que é mais interessante é que os missionários que se estabeleceram na China não encontraram uma cultura tecnologicamente menos desenvolvida, ou sociedades tribais, como aqui nas Américas ou na África: eles chegaram a um país muito bem estabelecido, com sistemas de governo e uma sociedade de tradições milenares, e com algumas técnicas e soluções mais arrojadas que o ocidente. A postura ante os chineses não poderia ser a de impor a cultura europeia, como foi feito aqui no Brasil, mas sim a de aceitar a complexa (e fantástica) cultura chinesa e adaptar-se a ela. Reparem que as imagens dos jesuítas chineses (como a de Matteo Ricci, acima) os apresentam com vestimentas orientais, aculturados. Além de tudo, os católicos que foram à China também encontraram uma gama imensa de instrumentos diferentes que a população tocava, além de um sistema musical próprio, estabelecido há milênios, diferente do que conheciam. Desse mesmo modo, a música sacra composta em terras orientais escaparia um tanto dos padrões europeus e acabaria se mesclando mais às formas chinesas.
É o que veremos nessas Véspera à Virgem Maria na China. Em alguns momentos soarão apenas os instrumentos de lá, com muitos pratos e pesada percussão, com aquele som estrondoso que parece mesmo a Ópera de Pequim (que deixa o pessoal da primeira fila meio surdo). Em outros, a música parecerá a nós, ocidentais, muito mais familiar, com um cadências muito mais italianizadas.
É bom que vocês percebam que essas Vésperas não são uma obra fechada, de um mesmo autor, mas uma compilação de obras de vários autores e de épocas diferentes, uma reunião de obras dentro de uma formação litúrgica para formar um todo coerente, montado a partir de vários fragmentos musicais e informações dispersas sobre a música católica chinesa.
Estes elementos díspares tornam possível para nós, se estamos preparados para nos aventurarmos em algumas hipóteses, reconstruir um serviço de Vésperas Marianas, ou para ser mais exato o “Pequeno Ofício da Santíssima Virgem” – Shengmu xiao rike em chinês – como descrito pelo Padre Buglio em 1676: uma quantidade considerável de música mariana em italiano e chinês, música de vésperas que não possuem o texto estritamente litúrgico, e alguns fragmentos da própria liturgia. Esta liturgia pode não ter sido destinada a toda a comunidade dos neófitos, para certos mistérios do Cristianismo (como a Imaculada Conceição e a Santíssima Trindade) foram muito suspeito aos olhos das autoridades chinesas a serem revelados a todos. A restauração “paralitúrgica” para os espectadores foi provavelmente dispensada fora da igreja.
A organização dos componentes musicais disponíveis tem seu lado arbitrário, mas é a única forma plausível para apresentar essas curiosidades da história da música: o Magnificat ou um madrigal de Francesco Anerio com um texto em chinês, a música original chinês composta pelo convertido Wu Yushan, conhecido como Wu Li, ou das “oito canções com acompanhamento de instrumentos ocidentais” escritas por Matteo Ricci, conhecido por ter sido o primeiro jesuíta a chegar na China (extraído e traduzido do encarte).
E ora, se as primeiras vésperas conhecidas, as de Monteverdi (aqui), foram uma compilação de peças compostas anteriormente por ele, porque a turma do XVIII-21 Musique des Lumières não poderia fazer o mesmo? Ainda, esse pessoal, comandado pelo Jean-Christophe Frisch, tem um toque de Midas: eles fazem uma leitura muito cuidadosa das obras que se propõem a executar (basta ver o esplendoroso Negro Spirituals au Brésil Baroque, já postado pelo Avicenna aqui) e tudo que fazem é muito bom! Só ouvindo pra entender.
Bom, em suma: é de cair o queixo! Ouça! Ouça! Deleite-se!
Palhinha: Ouça a última faixa, o fantástico Magnificat:
https://www.youtube.com/watch?v=U69TE5XEg4w
Vêpres à La Vierge en Chine
Véspera à Virgem Maria na China
Anônimo
01. La feuille de Saule Joseph Marie Amiot (1719-1793)
02. Shengmu jing (Ave Maria) Giovanni Francesco Anerio (1567-1630)
03. Alla Miracolosa Madonna Matteo Ricci (1552-1610), Francesco Martini Fiamengo (1560c-1626c)
04. Le berger sur la colline Francesco Martini Fiamengo (1560c-1626c)
05. Ardente desiderio di morir
06. Qual Ape al favo Wu Li (1632-1718)
07. Louanges a la Sainte Mère Francesco Martini Fiamengo (1560c-1626c)
08. Mentre piü coce Wu Li (1632-1718)
09. Le demon de l’orgueil Anônimo
10. La feuille de Saule Matteo Ricci (1552-1610), Francesco Martini Fiamengo (1560c-1626c)
11. Equilibre interieur Joseph Marie Amiot (1719-1793)
13. Sandixima (Priere à la Vierge) Athanasius Kircher (1601c-1680), Lodovico Buglio (1606–1682)
14. Ave maris stella Joseph Marie Amiot (1719-1793) / tradicional
15. L’aloes et le santal brülent / Salve Regina Giovanni Francesco Anerio (1567-1630), Lodovico Buglio (1606–1682)
16. Magnificat
Shi Kelong, canto, declamação
Christophe Laporte, contralto, gongo daluo
Benoît Porcherot, tenor
Howard Shelton, tenor
Ronan Nedelec, barítono, címbalo xiaocha
Cyrille Gerstenhaber, soprano
Choeur du Beitang (Pequim)
XVIII-21 Musique des Lumières
Jean-Christophe Frisch, regente