Maurice Ravel (1875–1937): L’heure espagnole / Shéhérazade (Radio-Sinfonieorchester Stuttgart, Denève)

Estreada em Paris em 1911, L’heure espagnole é uma ópera cômica, e só isso já a diferencia das grandiosas e sérias óperas de Wagner e Verdi e dos one-hit-wonders de Bizet e Debussy nos palcos. Passada na Espanha como boa parte das obras de Ravel (Alborada del gracioso, Rapsodie Espagnole…), a ópera tem apenas um ato e, sem grandes acrobacias vocais, talvez o maior destaque seja para a originalíssima orquestração que remete ao tema dos relojoeiros com vários tipos de tic-tacs, carrilhões, sinos, cucos, etc.

O libretto é de Franc-Nohain, poeta amigo de Alfred Jarry, este último o autor de Ubu rei, obra-prima do teatro do absurdo. Não vou entrar em detalhes aqui mas a cena se passa em Toledo, Espanha, e a única mulher tem diálogos mais ou menos sedutores com alguns dos homens… enfim, o mais importante é a orquestra de Ravel, que aparece nesta gravação em primeiro plano ao contrário de discos antigos de maestros como B. Maderna, E. Ansermet e A. Cluytens nos quais os detalhes orquestrais ficavam um tanto abafados.

Já em Shéhérazade o ambiente é o do orientalismo, é claro, que também interessou a outros compositores do mesmo período como Rimsky-Korsakov e Richard Strauss (Salomé). Ravel completou 150 anos de nascimento em março deste ano, logo após o carnaval, e a data passou batida aqui neste blog, então deixo, mesmo atrasada, essa lembrança acompanhada de obras menos frequentemente gravadas do que outras como La Valse, Gaspard de la nuit e os dois Concertos para Piano.

Maurice Ravel (1875–1937):

Shéhérazade
(Três Poemas para voz e orquestra)
Stéphanie D’Oustrac (soprano)

L’heure espagnole
(Ópera cômica em um ato)
Concepción – Stéphanie D’Oustrac (soprano)
Torquemada – Jean-Paul Fouchécourt (tenor)
Ramiro – Alexandre Duhamel (barítono)
Don Inigo Gomez – Paul Gay (baixo)
Gonzalve – Yann Beuron (tenor)

Radio-Sinfonieorchester Stuttgart des SWR
Stéphane Denève
Recorded: 2014-2015

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Maurice Ravel em 1910, quando compôs L’heure espagnole

Pleyel

Rachmaninoff (1873-1943): Preludes Op. 23, Cinq morceaux Op. 3 (Idil Biret)

folderEm 1894, o oficial de artilharia do exército francês Alfred Dreyfus foi levado a julgamento e condenado a prisão perpétua em um tribunal marcial a portas fechadas, acusado de alta traição num processo baseado em documentos falsos e provas forjadas. Depois, novos documentos apontam o verdadeiro culpado. Em um novo julgamento em 1899, contra todas as evidências, outro tribunal referenda a condenação anterior. Indignado, o escritor Émile Zola publica uma carta aberta ao presidente da República, provocando comoção popular. A carta – J’accuse! (Eu acuso!) – se tornou um clássico. Zola recebeu muitos apoios, mas também ameaças antisemitas e xenófobas (seu pai era italiano) e foi processado por difamação pelo Estado francês, se exilando por 11 meses.

Dreyfus foi solto por indulto presidencial e anos mais tarde, já em 1906, foi declarado inocente.*

O romancista Marcel Proust foi um dos melhores cronistas do caso Dreyfus:

“Aconteceu com o dreyfusismo (defensores da liberdade de Dreyfus) o mesmo que com o casamento de Saint-Loup com a filha de Odette, casamento que chocou muitos. Hoje, ao vermos todas as pessoas conhecidas frequentando a casa dos Saint-Loups, aprovamos tudo como se sua esposa fosse uma nobre viúva. O dreyfusismo é hoje integrado a uma série de coisas respeitáveis e habituais. Quanto a se perguntar o que ele valia em si próprio, ninguém pensava nisso, nem para inocentá-lo agora nem para condená-lo antigamente.” (O Tempo Redescoberto)

Em seu romance sobre a passagem do tempo, ele mostra que os gostos e os humores mudam com os anos, que o culpado de hoje é o herói de amanhã e que é um erro delimitar a sociedade em classes estanques:

“De certa maneira as manifestações sociais (muito inferiores aos movimentos artísticos, às crises políticas, à evolução que leva o gosto do público em direção ao teatro de ideias, depois à pintura impressionista, depois à música alemã e complexa, depois à música russa e simples, ou em direção às ideias sociais, às ideias de justiça, à reação religiosa, ao ataque patriótico) são o reflexo distante, rachado, incerto, nebuloso, mutável, desses movimentos. De forma que as pessoas não podem ser descritas em uma imobilidade estática.”
(Sodoma e Gomorra)

Da mesma forma, as estreias da 1ª Sinfonia e do 1º Concerto para Piano de Rachmaninoff foram completos fiascos, que levaram o compositor à depressão e à perda da sua autoestima. Alguns anos depois, em 1901, o 2º Concerto para Piano teve grande sucesso e sua autoestima voltou. Pouco depois vieram os 10 Prelúdios opus 23.

O som de sinos – típico das igrejas russas – era uma obsessão de Rachmaninoff, desde seu Prelúdio em dó # menor op.3, reaparecendo em quase todas suas obras para piano e até em The Bells (1913) para coro e orquestra.

Os críticos xingaram a música de Rach com os adjetivos mais feios da época: romântica demais, acessível, superficial, barata. Era música russa e simples, desse tipo que Proust menciona mais acima. Stravinsky o desprezava.

No entanto, o tempo passa e muitos dos vanguardistas da época hoje viraram nota de rodapé, quase não são ouvidos nas salas de concerto, enquanto a música de Rach ainda é tocada e tem seu público.

Em 1915 Rachmaninoff programou um recital de piano em homenagem a Scriabin (1872-1915), seu compatriota e colega de Conservatório. Os críticos, pra variar, detestaram: o pianista Rach não entendia o estilo de Scriabin e “Enquanto a música de Scriabin flutuava nas nuvens, Rach trouxe-a para a terra”. Essa oposição descreve bem os dois russos: o místico, leve Scriabin e o pesado e depressivo Rach.

Eu pessoalmente gosto da música de Rach para piano e tenho horror a sua escrita orquestral: aquelas cordas exageradamente emotivas dos concertos, aquelas sinfonias previsíveis… Mas há quem goste e, como diria Proust, as modas e os gostos mudam. Nunca diga nunca.

Sergei Rachmaminoff:
10 Preludes op. 23
1) F♯ minor (Largo)
2) B♭ major (Maestoso)
3) D minor (Tempo di minuetto)
4) D major (Andante cantabile)
5) G minor (Alla marcia)
6) E♭ major (Andante)
7) C minor (Allegro)
8) A♭ major (Allegro vivace)
9) E♭ minor (Presto)
10) G♭ major (Largo)

5 Morceaux de Fantaisie op. 3
11) Elegie in E♭ minor
12) Prelude in C♯ minor
13) Melody in E major
14) Polichinelle in F♯ minor
15) Serenade in B♭ minor

Idil Biret, piano

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Idil Biret tem mais de 3 milhões de CD's vendidos. A maioria provavelmente de Chopin e Rachmaninoff
Idil Biret tem mais de 3 milhões de CD’s vendidos. A maioria provavelmente de Chopin e Rachmaninoff

Pleyel e o piano russo, parte 1
*Qualquer semelhança com o Brasil é mera coincidência. Ou não. [postagem original de 2018, época do Vampirão na presidência…]

Franz Schubert (1797-1828): Pequenos ciclos para voz e piano (M. Schäfer, Z. Meniker)

Como eu já falei aqui e aqui, para os meus ouvidos o som mais intimista dos instrumentos de época combina com o espírito romântico de Schubert… esse tipo de romantismo contido, sem exageros nem de alegria nem de melancolia.

Neste álbum gravado nos Países Baixos em 2018, os intérpretes escolheram gravar alguns dos pequenos ciclos de canções publicados por Schubert, por isso mesmo com números de Opus (enquanto os números “D” foram atribuídos depois por pesquisadores). São muito comuns as gravações de canções avulsas, e não há nada de errado nisso, pois no século XIX também era comum cantarem obras avulsas e não necessariamente o ciclo inteiro. Mas aqui Markus e Zvi buscaram apresentar os ciclos na ordem que foi decidida por Schubert em conjunto com os editores de suas partituras. O encarte do álbum explica:

That these have remained for a long time totally unknown can be explained by the decisions and choices made by nineteenth-century music publishers. In the Old Schubert Edition, publication of the Lieder was based on their chronological order, whilst in the complete Peters edition the order was determined by the popularity of the works. The smaller song cycles arranged by Schubert himself were thus broken up completely. Only in the Neue Schubert-Ausgabe, edited by Walther Dürr, were the songs published according to the opus numbers.

The view held by Markus Schäfer and Zvi Meniker about these cycles is that “they were not planned on purpose, like Die schöne Müllerin or Winterreise, but were mostly songs that he wrote at different times and then found connections between them. He always composed according to his mood, without planning in advance. Not like Mozart, who worked on commission or with the prospect of a performance, or like Beethoven with an eye on publishing, but simply by inspiration. Schubert got the spark, and then he wrote. Therefore, every song, no matter how short, is a gem. Hence the many unpublished songs; and he often grouped the songs together quite a long time after their composition, just for publication. There is a clear development in each cycle, each one has a direction, a beginning and an end. Each cycle has a theme, even if it’s a bit hidden sometimes.” That said, there are a number of opera which were conceived as cycles from the outset, for example the Drei Gesänge des Harfners (Op. 12), with texts drawn from Goethe’s novel Wilhelm Meisters Lehrjahre. This is also the case of the Refrainlieder (Op. 95), which were probably composed in June 1828 and were published on August 13 in the same year.

A good number of these smaller song cycles were developed by Schubert around a particular subject. For example, the Op. 5 set consists of five songs to poems by Goethe whose central theme is love. Whilst this opus was put together in 1821 for the publishers Cappi and Diabelli, the Lieder which make it up were composed in 1815 and 1816.

Franz Schubert (1797-1828):
1-5. Fünf Lieder op. 5 (1821), sobre poemas de Johann Wolfgang von Goethe
6-8. Drei Lieder op. 12 (1822), Drei Gesänge des Harfners aus “Wilhelm Meister”, sobre poemas de Johann Wolfgang von Goethe
9-12. Vier Lieder op. 59 (1826), sobre poemas de August von Platen e Friedrich Rückert
13-15. Drei Lieder op. 65 (1826), sobre poemas de Johann Mayrhofer e Friedrich von Schlegel
16-18. Drei Lieder op. 80 (1827), sobre poemas de Johann Gabriel Seidl
19-22. Vier Refrain-Lieder op. 95 (1828), sobre poemas de Johann Gabriel Seidl

MARKUS SCHÄFER tenor
ZVI MENIKER fortepiano after Conrad Graf, Vienna 1819, by Paul McNulty, Divisov 2012

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Retrato de Schubert por Anton Depauly (circa 1827)

Pleyel

Antonio Vivaldi (1678-1741): Concertos para Violoncelo (Ophélie Gaillard, Pulcinella Orchestra)

Fechando o mês das mulheres, um disco de Vivaldi com uma orquestra francesa de sonoridade suave e bela, regida por Ophélie Gaillard – que também é a solista dos concertos. Além de concertos variados (para um ou dois violoncelos como solistas, mas também um com dois violinos solando), temos duas árias de óperas de Vivaldi com cello obbligato, nas quais a voz humana e a do instrumento dialogam, prática também comum em algumas árias de Bach.

Em 2024, Ophélie esteve nas notícias de crimes, após um furto em sua casa em uma pequena cidade no leste da França, não muito longe de Genebra (Suíça), onde ela dá aulas. Na noite de 24 de setembro, sua residência em Saint-Julien-en-Genevois se encontrava sem gente e foi invadida por bandidos que levarem equipamentos eletrônicos, um violoncelo – fabricado em 1737 pelo luthier veneziano Francesco Goffriller – e dois arcos de violoncelo. Após dois meses de angústia, Ophélie Gaillard recebeu um telefonema da polícia anunciando que foi encontrado o instrumento: muito provavelmente os ladrões não conseguiram comprador para um instrumento absolutamente único, que os especialistas facilmente identificariam.

No encarte do álbum, escrito em 2020, portanto antes do furto, Ophélie escreveu: já fazem quase quinze anos que divido minha vida com um violoncelo veneziano de voz de baixo profundo e agudos cantantes. Desde então, busquei saber mais sobre sua história, saber quais mãos amorosas haviam escolhido essa madeira excepcional, mas pouco foi possível descobrir de seus segredos, exceto que foi conservado por longos anos em um atelier em Udine, perto de Veneza.

Antonio Vivaldi (1678-1741): I Colori dell’Ombra
CD 1
Cello Concerto In G Minor, Rv. 416
“Sovvente Il Sole” (from Andromeda Liberata, Rv Anh. 117) – Mezzo-soprano: Lucile Richardot
Concerto For 2 Cellos In G Minor, Rv. 531
Concerto For Cello And Bassoon In E Minor, Rv. 409
Concerto For Violoncello Piccolo In G Major, Rv. 414
Sinfonia For Strings And Basso Continuo In C Major, Rv. 112

CD 2
Concerto For 2 Violins And 2 Cellos In D Major, Rv. 575
Cello Concerto In B Flat Major “per Teresa”, Rv. 788 (Larghetto) – Reconstructed By Olivier Fourés
Concerto For Violoncello Piccolo In B Minor, Rv. 424
“Di Verde Ulivo” (from Tito Manlio, Rv. 738) – Contralto: Delphine Galou
Cello Concerto In D Minor, Rv. 405
Cello Concerto In A Minor, Rv. 419 (Allegro)

Cello, Music Director – Ophélie Gaillard
Cello [Second Solo] – Atsushi Sakaï
Pulcinella Orchestra
Recorded: Église luthérienne Saint Pierre (Paris), 2019

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Pleyel

Shostakovich: Concerto para Violino nº 1 / Gubaidulina: In tempus praesens (S. Lamsma, J. Gaffigan, R. de Leeuw)

Quando Sofia Gubaidulina era uma jovem estudante no Conservatório Tchaikovsky em Moscou, o compositor Dmitri Kabalevsky fez uma crítica feroz à sua música de tom melancólico que não traduzia a alegria da juventude soviética. Seu xará Dmitri Shostakovich, em 1959, tinha opinião diametralmente contrária e recomendou, na época da formatura, que Gubaidulina continuasse seguindo o seu caminho “errado”.

Após anos em que seu nome era conhecido apenas por um punhado de vanguardistas do lado de lá da cortina de ferro, a música de Gubaidulina começou a viajar por toda a Europa em 1981 com o seu primeiro concerto para violino (“Offertorium”), dedicado ao solista Gidon Kremer. Outra obra importante para Gubaidulina ser um dos nomes mais admirados da música contemporânea foi a que ela escreveu para os 70 anos de Mstislav Rostropovich em 1997: o Cântico do Sol, para violoncelo solo, coro e percussão (aqui), estreado por Rostropovich. E desde 1989, o maestro e pianista Reinbert de Leeuw tornou-se mais um dos defensores da sua música, e é ele quem rege neste disco o segundo concerto para violino de Gubaidulina (“In tempus praesens”), estreado em 2007 por Anne-Sophie Mutter.

O álbum tem também o primeiro concerto para violino de Shostakovich, que ele começou a compor em 1947 mas, após a péssima recepção de sua sarcástica nona sinfonia pelo regime stalinista (mais informações aqui), o concerto só foi estreado em 1955 após a morte do ditador.

DMITRI SHOSTAKOVICH (1906-1975): Violin Concerto No. 1, Op. 77 *
[1] Nocturne: Moderato 11:49
[2] Scherzo: Allegro 6:25
[3] Passacaglia: Andante 15:16
[4] Burlesque: Allegro con brio – Presto 5:01

SOFIA GUBAIDULINA (nasc. 1931)
[5] “In tempus praesens” 38:33 – Concerto nº 2 for Violin and Orchestra (2007) **
Live Recording

* James Gaffigan, conductor
** Reinbert de Leeuw, conductor

Simone Lamsma – Stradivarius violin
Netherlands Radio Philharmonic Orchestra

Recorded at:
Shostakovich: Studio 5 Broadcasting Music Center, Hilversum (2016)
Gubaidulina: Royal Concertgebouw, Amsterdam, live recording NTR ZaterdagMatinee (2011)

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Sofia Gubaidúlina (é assim a pronúncia russa do sobrenome)

Pleyel

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.: interlúdio :. Paul Bley Quintet – Barrage (1965)

.: interlúdio :. Paul Bley Quintet – Barrage (1965)
LEAD Technologies Inc. V1.01

Na semana do dia internacional da mulher, um álbum de free jazz com solos incendiários sobre composições de Carla Bley. Se hoje a funkeira MC Carol canta meu namorado lava minhas calcinhas, se ele ficar cheio de marra eu mando ele pra cozinha… a Carla Bley podia dizer: meu marido toca as minhas melodias. E depois, quando virou ex-marido, Paul Bley (1932-2016) continuou tocando.

Carla Bley, nascida Carla Borg (1936-2023), era pianista assim como o seu ex, mas ela dizia que era 1% pianista e 99% compositora. Em uma entrevista na qual comentou a sua infância em uma casa onde os pais eram músicos, Carla comentou: “comecei a aprender música antes de aprender a andar.” (aqui).

I began learning music before I was able to walk, and I was surrounded by music at home from as early as I can remember. As a very young child I assumed everyone was a musician. I’ve since learned this is not true.

Paul Bley Quintet – Barrage
1. Batterie – 4:19
2. Ictus – 5:24
3. And Now the Queen – 4:21
4. Around Again – 4:15
5. Walking Woman – 4:18
6. Barrage – 5:31

All compositions by Carla Bley

Paul Bley – piano / Marshall Allen – alto saxophone / Dewey Johnson – trumpet / Eddie Gómez – double bass / Milford Graves – percussion

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Carla Bley

Pleyel

.: interlúdio carnavalesco :. mais samba ao vivo – Elis Regina e Jair Rodrigues: Dois na Bossa)

Elis Regina não é uma sambista assim “de raiz”, mas o samba estava na carreira da gaúcha desde o começo, quando se apresentava na TV Record com Jair Rodrigues e com ele gravou 3 LPs ao vivo (1965, 66 e 67) com sambas de Zé Keti, Nássara, Jobim, Vinicius, Baden Powell, Cartola, Edu Lobo, Marcos Valle…

Pela percussão, pela colocação das vozes e por outros detalhes, trata-se aqui muito mais de samba do que de bossa: o nome dos álbuns fala em bossa porque parte das gravações (ou todas elas?) foram feitas durante o programa O Fino da Bossa, da TV Record muitas décadas antes da emissora ser comprada por uma igreja que associa as culturas afro-brasileiras ao diabo.

Depois, também na TV mas agora na Band, gravaria com Adoniran Barbosa cantando os seus sambas como Tiro ao Álvaro e Saudosa Maloca. E nos anos 1970 gravou também três sambas de João Bosco e Aldir Blanc: os politicamente engajados Mestre-Sala dos Mares e O Bêbado e a Equilibrista e a alegre Bala com Bala (aqui numa gravação em playback para a TV alemã)

Em conversa com o colega de blog Vassily, soltei as seguintes hipóteses sobre os par Elis/Jair, mais próximas de palpites informados em uma mesa de bar do que de argumentos sustentados por fortes evidências:

Pleyel: Aparentemente esses discos ao vivo venderam bem na época e estou pensando aqui uma hipótese pra, apesar do sucesso na época, depois serem pouco lembrados.
A hipótese: depois de morta, além do intocável Elis & Tom, Elis acabou sendo mais lembrada por canções politicamente engajadas, de compositores jovens dos anos 70: Como nossos pais, O bêbado…, Mestre sala dos mares, Nada será como antes, Para Lennon e McCartney, todas essas apelando a uma esquerda jovem de classe média
Esses 3 discos ao vivo, além de serem pré-AI-5, têm um repertório mais povão (e carnavalesco), exceto algumas canções de Edu Lobo, Tom e Vinicius. Talvez mais próximos do repertório geral do Jair Rodrigues.
O fenômeno “canção de protesto da ditadura” é muito mais um fenômeno pós-68 do que pós-64 (Além de ser fenômeno ligado às esquerdas escolarizadas, com poucos negros, mas isso já exigiria outras análises)
E como explicitam as canções do Milton tão bem cantadas pela Elis, há nessas canções de protesto muito de brasileiro, mas tb muito de Beatles e Bob Dylan, ao contrário do repertório do samba mais de raiz, que faz a crítica social por outros caminhos… Por exemplo O Neguinho e a Senhorita, samba hoje clássico e que ainda era muito recente quando Elis e Jair o gravaram.

Vassily: Elis morreu em plena abertura, três anos antes da Nova República, e suas interpretações mais icônicas na memória recente eram das canções de protesto. E há também o apagamento do Jair Rodrigues: talvez seja um viés de observação de alguém que cresceu num RS racista em que Elis era deusa e cujo maior compositor, Lupicínio, ainda não desce redondo para muita gente. Mas nos anos 80 não se fazia muita ideia lá no RS de quem era Jair Rodrigues. Quando muito, era o “preto aquele que cantou com Elis” e, depois, pai do Jairzinho do Balão Mágico

Pleyel: É até difícil de se mensurar até que ponto ele e o Simonal fizeram sucesso nos anos 60 e início dos 70 (logo antes do auge comercial da canção de protesto, após os sucessos iniciais de Chico Buarque, Vandré etc)
Porque a maior parte da população ouvia música no rádio e TV, né. Tirando uns raros pobres melômanos e colecionadores, em geral LP era da classe média pra cima. Nos sebos e feiras de rua que vendem LPs no Rio, não me lembro de ver os do Jair Rodrigues. Mas enfim, são muito bons esses álbuns de 65, 66 e 67 deles dois. E tudo ao vivo!

Elis Regina e Jair Rodrigues – Dois na Bossa nº 1, 2 e 3

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (mp3 320 kbps).

Edu Lobo – ouçam a versão ao vivo de Upa neguinho no 2º disco!
Noel Rosa de Oliveira (1920-1988), autor de O Neguinho e a Senhorita, era do morro do Salgueiro. Não confundir com o seu homônimo da Vila Isabel!

Pleyel

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.: interlúdio carnavalesco :. Três discos de samba ao vivo (Cartola, João Gilberto, Beth Carvalho)

É hoje o dia da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar! (Samba-enredo da União da Ilha, 1982)

A tristeza, apesar de tudo, tem parte inalienável no repertório do samba: muito ao contrário daqueles coachs que sugerem que não se mentalize nada de triste, no samba parece que é preciso falar na tristeza para em seguida despachá-la pra bem longe. Os álbuns de hoje trazem alguns dos mais belos sambas de todos os tempos, justamente no meio dessa encruzilhada:

“A Felicidade” (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes) – aqui, a felicidade é breve, fugidia como o Carnaval…

“Alegria” (de Cartola) – o nome engana: aqui é a alegria que está fazendo falta ao poeta

“Tristeza” (de Niltinho Tristeza e Haroldo Lobo) – novamente o nome engana: não é um samba triste, muito pelo contrário. Fruto de parceria entre o jovem Niltinho e o experiente Haroldo Lobo, seria a última obra deste último, autor de “Alá lá ô” e “Índio quer apito”. Niltinho fez a 1ª versão com 18 versos poéticos, sublimes, mas pro Carnaval era um exagero. Haroldo sugeriu reduzir pra 8. Dizia ele: os versos de carnaval devem ser simples e, quando possível, repetir palavras chaves e onomatopeias. Tristeza estourou no Carnaval de 1966. Niltinho “Tristeza” viveu até 2018, fez samba-enredos pra Imperatriz Leopoldinense e carregou como apelido sua obra maior. Até hoje a canção é muito ouvida no Carnaval carioca, mas muita gente só canta o começo da letra mais o “laiá laiá”… e o “quero de novo cantar”: a voz do povo comprovando que Haroldo estava certo. Já em 1975 a minimalista versão de Toquinho e Vinicius (aqui) selecionava parte da letra, tornando ainda menos triste um samba que nunca foi triste, ao contrário de A Felicidade.

São muitas outras as pérolas nesses três discos gravados ao vivo, algumas mais carnavalescas e outras nem tanto. Deixo mais abaixo uma série de fotos em homenagem a alguns dos compositores desses sambas.


Cartola – Ao Vivo (1978):
Alvorada
O Mundo é um moinho
Sim
Acontece
Amor proibido
As Rosas não falam
Verde que te quero rosa
Peito vazio
Alegria
Inverno do meu tempo
O Sol nascerá

Cartola – Voz (e violão?)
Regional do Evandro: Evandro – Bandolim / Pinheiro – Violão / Lucio – Cavaquinho / Zequinha, Silvio Modesto – Ritmos

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João Gilberto – Ao Vivo em Montreux (1985):
Sem Compromisso (Geraldo Pereira, Nelson Trigueiro)
Menino do Rio (Caetano Veloso)
Retrato em Branco e Preto (Chico Buarque, Antônio Carlos Jobim)
Pra que Discutir com Madame (Haroldo Barbosa, Antonio Almeida)
Garota de Ipanema (Jobim, Vinicius de Moraes)
Adeus América (Barbosa, Geraldo Jacques)
Estate (Bruno Brighetti, Bruno Martino)
Morena Boca de Ouro (Ary Barroso)
A Felicidade (Jobim, de Moraes)
Preconceito (Marino Pinto, Wilson Batista)
Sandália de Prata (Barroso)
Rosa Morena (Dorival Caymmi)
Aquarela do Brasil (Barroso)

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Beth Carvalho – Ao Vivo em Montreux (1987)
Da melhor qualidade
Nas rimas do amor
Samba do avião
Pé de vento
Andança
O encanto do Gantois
Alô Montreux / Carro de boi / A vovó Chica
Nas Veias do Brasil
Tristeza / Madureira chorou / Barracão / Firme e forte
Cacique de Ramos
Vou festejar

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Geraldo Pereira (1918-1955), autor de Sem Compromisso, além de portar um bigode sempre estiloso
Cartola (1908-1980) quando jovem
Haroldo Lobo (1910-1965) e Niltinho Tristeza (1936-2018), autores de Tristeza
Dorival Caymmi (1914-2008), autor de Rosa Morena e de sucessos carnavalescos como Maracangalha
Wilson Batista (1913-1968), autor de Preconceito
Tom Jobim (1927-1994), autor de A Felicidade, Samba do avião e Garota de Ipanema
Jorge Aragão (nasc. 1949), autor de Pé de vento e Vou festejar
Ary Barroso, autor de Morena boca de ouro, Sandália de Prata, Aquarela do Brasil
Homenagem de Carlos Drummond a Cartola, poucos dias antes da morte do sambista

Pleyel

Beethoven 1802: Variações op. 34 e 35, Sonata “Tempestade”, Bagatelas op. 33 (J. Vitaud, piano)

Um belo disco de obras da fase intermediária de Beethoven, quanto ele tinha trinta e poucos anos. Jonas Vitaud não é exatamente um fenômeno midiático: calvo desde jovem, faz mais o perfil sério e intelectualizado, a exemplo de pianistas das antigas como Alfred Brendel, Paul Badura-Skoda e Arnaldo Estrella. Sendo assim, e vivendo em nossos tempos, é claro que Vitaud se interessou pelos instrumentos da época de Beethoven e pelas práticas informadas, mesmo tocando em um piano de fabricação bem mais recente. Isso se nota na sua sonoridade, nos fortes e pianos com certa suavidade em ambos os extremos, nas ligações entre notas, no uso do pedal, etc.

No texto do livreto, escrito por Vitaud, ao invés de falar sobre aspectos técnicos do piano de Beethoven, ele explica sua escolha de obras para o álbum, todas de 1802, anos em que sua audição ia piorando e ele ia alternando entre períodos de pessimismo e de esperança, com esta última sendo uma marca distintiva de suas obras entre as de todos os outros compositores. Escreve Vitaud, em tradução minha com certos cortes:

Ano de 1802. Beethoven, que havia se mudado de Bonn para Viena dez anos antes, vive uma crise pessoal sem precedentes. Desde 1796, sua audição começava a declinar. Ele tenta vários remédios, vai a muitos médicos. No meio de 1801, ele se apoxima do professor Johann Schmidt, que aconselha ao compositor, para melhorar sua audição e acalmar seus nervos, um período na pequena vila de Heiligenstadt, longe da agitação vienense. Beethoven permanecerá ali de abril a outubro de 1802, período de “férias” extremamente longo para os seus padrões. Após esses seis meses, sem constatar qualquer melhora, ele perde a esperança da cura.

É então que ele escreve, em outubro de 1802, um forte testemunho a ser lido após sua morte, o famoso “testament de Heiligenstadt”, dirigido aos seus irmãos e também a toda a humanidade, no qual ele fala se seu sofrimento com a progressão da surdez e a vontade de suicídio.

Pianoforte de Conrad Graf,1822, que pertenceu a Beethoven. Aqui, Vitaud usa um Steinway moderno

A sonata opus 31 n° 2, de apelido Tempestade, é a única que reflete realmente a angústia, a desorientação moral e o desespero de Beethoven naquele período. Iniciada em 1801, esta obra leva ao extremo as noções de contraste, de imprevisibilidade, de conflito. No 1º movimento, todos os parâmetros fornecem o máximo de contrastes: sonoridades, dinâmicas, articulações, andamentos. Entre o primeiro e o último movimento, nos quais a tensão parece atingir níveis insuportáveis, Beethoven coloca um movimento lento, contemplativo e profundo, fazendo renascer a esperança.

Beethoven se consola na natureza, é ela que lhe dá a força para resistir. “Como estou feliz de poder passear nos bosques, florestas, entre as árvores, ervas e rochedos; ninguém conseguiria amar os campos mais do que eu”, escreve ele a uma amiga. Os dois conjuntos de variações opus 34 e opus 35, compostos no seu período em Heiligenstadt, fazem parte das suas obras marcadas por lirismo sereno e paz interior.

Essa esperança como princípio está no cerne da obra de Beethoven, exprime a sua crença em uma transformação da humanidade, sua capacidade de ir além do horizonte imediato para falar às gerações futuras. Em nosso período de crise cultural e sanitárias [2021], quando o Outro é muitas vezes visto como uma ameaça, um potencial contaminador, a música de Beethoven pode nos oferecer o sentimento de ligação entre humanos sem distinção. Essa música nos ajuda a resistir. (Jonas Vitaud, 2021)

BEETHOVEN 1802:
01. Variações “Eroica” en mi bemol maior opus 35
02-08. Bagatelles opus 33
09-11. Sonata “Tempestade” em ré menor opus 31 n°2
12. Variações em fá maior opus 34

Jonas Vitaud, piano
Gravado em: ’Abbaye-école de Sorèze (France), agosto-setembro de 2020

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“Como em Goethe, a esperança tem em Beethoven um papel decisivo como categoria mística secularizada. … A imagem da esperança sem a mentira da religião.” (T.W. Adorno, in: Beethoven – Philosophie de la musique)

Pleyel

W. A. Mozart (1756-1791): Trios para Piano K. 502, 542, 548

Postagem de 2021, link atualizado

Eu ia postar um álbum de Alberto Ginastera rico em trechos misteriosos, noites cheias de estrelas e cenas impressionistas. Mas Ginastera vai ter que esperar. Após a morte de nosso colega de blog, o saudoso Ammiratore, que nos deixou chocados e indignados, não consigo postar nada que não seja Mozart. O mal tem vencido diariamente. Por isso mesmo, como diria Walter Benjamin (6ª Tese sobre a História), é preciso acender as centelhas, as faíscas da esperança.

Mozart é necessário em tempos de tristeza. A música dele não é sempre solar e esperançosa, é claro. Mas há inúmeras obras que nos deixam de queixo caído com a forma como tudo se encaixa positivamente e tudo se encaminha para a alegria. É o caso de alguns dos concertos para piano, algumas das sinfonias e também estes três trios. Mesmo os movimentos lentos aqui são um larghetto e dois andantes de uma beleza bucólica: um é grazioso, o outro é cantabile.

As interpretações deste disco, em instrumentos de época por um músico holandês e dois japoneses, colocam os três instrumentos no mesmo nível, como três personagens de um diálogo. Mozart foi um dos maiores mestres da ópera (teatro com música) e conhecia a arte de fazer também os instrumentos dialogarem em réplicas e tréplicas mas, como falei logo acima, as discussões aqui sempre tendem para a paz e o entendimento. Todas as gerações têm algo a aprender com o gênio de Salzburgo.

W. A. Mozart (1756-1791): Trios para Piano K. 502, 542 & 548
1 Piano Trio in B-flat major, KV 502: I. Allegro
2 Piano Trio in B-flat major, KV 502: II. Larghetto
3 Piano Trio in B-flat major, KV 502: III. Allegretto

4 Piano Trio in E major, KV 542: I. Allegro
5 Piano Trio in E major, KV 542: II. Andante grazioso
6 Piano Trio in E major, KV 542: III. Allegro

7 Piano Trio in C major, KV 548: I. Allegro
8 Piano Trio in C major, KV 548: II. Andante cantabile
9 Piano Trio in C major, KV 548: III. Allegro

Stanley Hoogland, fortepiano (after Walter, Wien, ca.1795)
Natsumi Wakamatsu, violin (by Tononi, Bologna, 1700)
Hidemi Suzuki, violoncello (after Guadagnini, Parma, 1759)
Recorded: Chichibu Myuzu Park Ongakudo, Saitama, Japan, 2007

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Em 1782 Mozart comprou um piano construído por Anton Walter. Este da foto é uma cópia idêntica ao original de Walter.

PS: Hidemi Suzuki é provavelmente o mais famoso músico deste trio, ao menos aqui no PQPBach, onde ele já apareceu tocando Haydn (aqui) e Bach (aqui).

Pleyel

.: interlúdio :. Ron Carter: New York Slick (1979), Empire Jazz (1980) / Billy Cobham & Asere: De Cuba y de Panama (2008)

Antes que o ano acabe, vamos lembrar aqui de mais três discos com o fabuloso baterista Billy Cobham que completou 80 primaveras. Dois dos anos 1970, quando Ron Carter sempre o convidava para seus grupos, e um dos anos 2000 em que Cobham se mistura com percussões cubanas.

A quantidade de álbuns gravados por Ron Carter é tão grande que não surpreendente o fato de alguns serem pouco lembrados. Seja acompanhando gente como Milt Jackson, Tom Jobim, Miles Davis, McCoy Tyner e Roberta Flack (a lista poderia ser 15 vezes maior, mas ficaria cansativo) ou como líder, é música pra se ouvir ao longo de décadas. Em New York Slick (1979), ele assina todas as composições e também os arranjos para um grupo com três sopros: flauta, trombone e flugelhorn (um parente próximo do trompete). É a flauta de Hubert Laws que fica com os solos mais longos e mais saborosos: ao contrário do som mais angelical e agudo comumente associado à flauta, aqui o instrumento ganha um caráter mais noturno e um timbre rico como o do baixo de Carter, até porque na maioria das vezes Laws toca a flauta alto, maior e um pouco mais grave que a soprano.

Um ano depois, Ron Carter reuniu em estúdio mais ou menos os mesmos músicos do disco anterior, reforçados por mais um trompetista, um saxofonista e um guitarrista, para gravarem os seus arranjos da trilha sonora de “O Império Contra-Ataca” da 1ª trilogia de Star Wars. Eu não costumo gostar desses concertos em que orquestras ou grupos de jazz tocam trilhas sonoras de filme, de videogame… Nada conta quem gosta, é melhor ir ver um concerto desses do que certas diversões como ir pra um país em guerra pra pegar mulher, como fez um certo brasileiro. O que me incomoda provavelmente é a execução muito preocupada em imitar, no palco, uma música que é de outro contexto, sem fazer as devidas alterações, pôr um toque de pimenta aqui e ali… Uma relação de adoração com uma obra – a trilha sonora – que em sua origem era acessória e por isso mesmo tinha certas limitações à criatividade do compositor. Não é essa a relação de Ron Carter com a música de Star Wars aqui: assim como no caso dos arranjos de Eumir Deodato para R. Strauss e Debussy (aqui), em Empire Jazz (1980) os músicos alçam voos próprios sem se preocupar com a fidelidade às partituras de John Williams.

Nesses dois álbuns de 1979 e 1980, por detrás dos três a cinco instrumentos de sopro, o baixo de Ron Carter e a bateria de Billy Cobham ocupam um outro espaço sonoro com grandes diálogos entre os dois. Muitas vezes os pratos soam mais do que os tambores, nas micro-divisões de tempo características de Cobham.

Já no disco De Cuba y de Panama (2008), há um único sopro (trompete) e Billy Cobham é acompanhado por um naipe de percussionistas tocando congas, bongos e outros instrumentos tipicamente afro-caribenhos. Gravado com o grupo cubano Asere, trata-se de uma parceria um tanto fora da curva na carreira de Billy Cobham, ao contrário daquelas com Ron Carter que se repetiram tantas vezes em estúdio e nos palcos. Para quem gosta de música cubana, com as fortes influências do candomblé que nós brasileiros conseguimos perceber apesar das diferenças de sotaques, é um prato cheio.

Ron Carter: New York Slick (1979)
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Ron Carter 1979

Ron Carter: Empire Jazz (1980)
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Ron Carter 1980

Billy Cobham & Asere – De Cuba y de Panamá (2008)
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Pleyel

Anton Bruckner (1824-1896) – Sinfonia nº 4, “Romântica” (Harnoncourt, Concertgebouw Amsterdam)

Chegando perto do fim deste ano de muito Bruckner, um disco que ainda não estava nos acervos deste blog mas muita gente aqui deve conhecer, pois é uma gravação que circulou bastante nos últimos 25 anos. Embora não fosse um especialista no repertório do romantismo tardio, Harnoncourt tornou-se, nos anos 1990, um maestro respeitadíssimo em termos de Bruckner, com certas diferenças com relação à geração anterior, a de Jochum, Celibidache e Wand. Assim como o seu Beethoven, aqui temos um Bruckner cheio de energia, firmeza e outras qualidade que vão na direção contrária daquele estereótipo do compositor cheio de repetições um tanto tediosas…

“Eu não podia evitar Bruckner”, Nikolaus Harnoncourt admite. Sua visão de Bruckner repousa em reflexões sobre a enigmática personalidade do compositor. “As pessoas costumam pensar sobre ele como o organista de Deus sentado em uma igreja e tocando o órgão. E é assim que ele lida com os naipes orquestrais. É assim que aprendemos a vê-lo. Mas há esses notáveis elementos de scherzo, também nos seus movimentos iniciais e finais, e há relatos de que, na sua juventude, ele foi um bom músico de peças dançantes – o que os austríacos chamam um “Bratlgeiger”, ou seja, alguém que toca violino em tavernas. Ele deve ter sido um bom violinista. Isso me ajuda bastante na performance das suas obras: elas têm algo de muito físico, no sentido de movimento rítmico.”
“O que motivou essa Quarta Sinfonia foi a experiência de Lohengrin. Para Bruckner, era o auge do Romantismo em música. Deve ter sido uma experiência incrível para ele, musicalmente. Contudo, temente a Deus como ele era, era o típico anti-wagneriano. O modo como ele se enfeitiçou pelo som de Wagner me lembra o modo como Tannhäuser sucumbe a Venus. Ser arrebatado assim por Wagner era equivalente a um pecado para Bruckner. Tenho a impressão de que ele pensou que tinha que ir confessar seus pecados.”
“Sempre me perguntam o quão religiosa a pessoa deve ser para tocar Bruckner. Não acho que isso importe. Ele era um homem bastante religioso, mas na sua arte ele deve ter se sentido como alguém que estava sempre mexendo com algo proibido. Isso sugere que ele não era fixado por dogmas.”
– Nikolaus Harnoncourt (1929-2016), no livreto do disco.

Anton Bruckner (1824-1896): Symphony No. 4 in E-flat major – “Romantic” – 1878/80 version
01 – I – Bewegt, nicht zu schnell
02 – II – Andante quasi Allegretto
03 – III – Scherzo. Bewegt – Trio. Nicht zu schnell. Keinesfalls schleppend
04 – IV – Finale. Bewegt, doch nicht zu schnell

Royal Concertgebouw Orchestra, Amsterdam
Nikolaus Harnoncourt, regente
Recorded: Concertgebouw Amsterdam, 1997

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Anton Bruckner em tempos de bigodinho preto

Pleyel

Mozart (1756-1791): A Flauta Mágica (Klemperer, Philharmonia, Popp, Berry, Frick)


A última ópera de Mozart foi um dos grandes sucessos de público de sua carreira, talvez o maior de todos, com a marca de 100 apresentações sendo batida em pouco mais de um ano, quando o compositor já havia passado desta pra melhor. O que explica esse sucesso? A comoção com a morte do gênio pesa um pouco, claro, mas também as primeiras performances – das quais a primeira, em setembro de 1791, teve Mozart como regente – já haviam sido sucessos gigantes. Tenho uma teoria: nesta ópera, como em pouquíssimas obras, ele conseguiu formar uma unanimidade ao agradar a públicos muito diversos: quem gosta de árias difíceis tem aqui aquela que é talvez a mais famosa, virtuosa e atlética ária para uma voz feminina em toda a música europeia, a 2ª da Rainha da Noite, mas A Flauta Mágica também traz cenas cômicas, um par romântico, alusões à maçonaria, vários tipos de ouvinte encontram aquilo que lhes agrada.

Essa multiplicidade de estilos e histórias em uma só obra me faz até pensar naquelas novelas das nove, antes das oito, que tinham essa ambição de agradar a todo o conjunto da população, neste caso a do Brasil do século XXI e, naquele caso o povo do Império Austro-Húngaro (em Praga a Ópera logo foi um sucesso pouco depois da estreia em Viena, chegando depois à Alemanha). Não é apenas uma comparação superficial: também nas novelas da TV as várias tramas se entrecruzam com relativa independência e não é raro que um casal inicialmente protagonista (como Pamina e Tamino) acabe ganhando menos simpatia do público do que personagens supostamente menores (como Papageno e a Rainha da Noite). Vocês se lembram daquela novela na Índia em que a heroína foi casada à força pela família? Com o carisma do marido – inicialmente um quase-vilão – ganhando o público, o par inicial da heroína – que, no enredo planejado, iria recuperar sua amada do injusto casamento de conveniência – terminou como um coadjuvante secundário.

Temos aqui, então, um tipo de arte que se ajusta aos anseios das massas e, como por um milagre, o grande artista consegue fazê-lo sem rebaixar o nível da música, sem demagogias populistas e usando os lugares-comuns com criatividade. Em todo caso, por mais genial que seja, por esse caráter popular é uma obra que expressa mais uma coletividade do que a interioridade de Wolfgnang Amadeus Mozart: para isso, mais vale ouvir trechos do Requiem ou dos Concertos para Piano. No Concerto nº 20, por exemplo, temos o Mozart misterioso e noturno, nos Concertos nº 25 e 26 o Mozart grandioso, no nº 17 uma alegria mais jovial e no nº 27 uma certa maturidade que evita os excessos. Cada um desses traz, então, algo como retratos da alma do compositor – que era também pianista – enquanto na Flauta Mágica ele escreve mais distanciado, o conceito de personalidade, de individualidade do compositor cabe menos aqui, Mozart torna-se bem maior do que ele próprio e passam por ele os temperamentos dos seus contemporâneos, assim como resquícios musicais dos grandes autores de obras vocais seculares do seu século 18, quase todos italianos (como A. Scarlatti, Vivaldi e vários outros em Veneza) ou tendo vivido na Itália (Händel e Hasse). Por exemplo as melodias de Sarastro soam próximas dos baixos profundos dos italianos (aqui) e poucos seriam momentos semelhantes nas óperas do século XIX, quando os barítonos com voz não tão grave reinariam.

Por esse aspecto que vai além de Mozart tanto em termos de indivíduo quanto de tempo, acho bastante razoável amar essa gravação de Otto Klemperer, maestro que eu dificilmente consideraria uma das primeiras opções para as Sinfonias ou Concertos: nestes últimos, prefiro o Mozart mais leve das gerações mais recentes (Savall, os pianistas Brautigam e Lubimov…) ou nem tão recentes (Brendel/Marriner, Pires/Abbado…) Nessa Flauta Mágica, porém, após a solene abertura – aqui mais solene – Klemperer e Philharmonia Orchestra fazem um acompanhamento sem qualquer exagero ou maneirismo ruim. E os cantores são o que me faz realmente amar, fazem o coração bater mais forte: a Rainha da Noite por Lucia Popp, o Papageno por Walter Berry, o Sarastro por Gottlob Frick alcançam, juntos, um carisma e um nível técnico absurdo e que dificilmente alguma outra gravação alcançaria.

Mozart (1756-1791): A Flauta Mágica (Die Zauberflöte), K. 620
Philharmonia Orchestra, Otto Klemperer (conductor), Wilhelm Pitz (chorus master)
Lucia Popp, Walter Berry, Gottlob Frick, Nicolai Gedda, Gundula Janowitz, Ruth-Margret Pütz, Elisabeth Schwarzkopf, Christa Ludwig, Marga Höffgen
Recording: Kingsway Hall, London 1964
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320kbps

Em 1964 Klemperer regia assim, de cachimbo na boca

Pleyel

.: interlúdio :. The Heliocentric Worlds of Sun Ra, Vol. Two / Freak Out! (1966)

Não sei vocês, mas eu acompanhei com certa distância as eleições nos EUA, assim como os filmes de Hollywood eu não assisto tanto assim e, quando assisto, não é raro o espanto com certos clichês de gosto duvidoso. Mas enxergo uma importante contribuição dos americanos do norte em termos culturais ali no pós 2ª guerra, período em que houve rápida melhoria nas gravações (estéreo a partir dos anos 1950) e surgimento de instrumentos como o sintetizador, a guitarra e o baixo elétrico. Isso tudo seria relevante apenas nos textos sobre técnicas de gravação e construção de instrumentos, se não tivessem surgido junto cenas musicais enormemente interessantes.

Mas ainda no tema das tecnologias à época recentes: era um período e lugar de bonança econômica que permitiram a existência de músicos gravando em dezenas de estúdios e LPs fabricados aos montes, permitindo assim a profissionalização não só de uma meia dúzia de artistas famosos, mas de cenas de jazz com público reduzido porém fiel, com pequenas gravadoras lançando álbuns de variados estilos como o free jazz de Ornette Coleman, Don Cherry e etc., o jazz com percussões latino-americanas e caribenhas, até chegar ao jazz bastante popular de Miles Davis e de Louis Armstrong, que gravavam, ambos, pela Columbia, gravadora de grandes nomes como Lenny Bernstein e Bob Dylan.

Falando em Dylan, ele foi um dos que alcançaram um público bastante amplo com um tipo de persona pública do artista preocupado com questões sociais, com canções de letras longas e sérias, cheias de uma ironia e de uma (falsa ou verdadeira) inteligência que muitos tentariam imitar. Também o Frank Zappa, já no seu primeiro álbum, Freak Out! (1966), tinha um grande foco em letras de crítica social com chutes no saco e cusparadas voltadas para as famílias norte-americanas defensoras dos bons costumes e do “american dream”.

O pianista e band leader Sun Ra, na sua extensa discografia (e a prolixidade de registros em estúdio e ao vivo é uma característica em comum com Zappa), além de dar entrevistas enigmáticas sobre o sonho americano e o racismo, também teve álbuns com música cantada, com letras de crítica social, por exemplo aqui. Neste “The Heliocentric Worlds of Sun Ra vol II” (1966), não temos a cantora June Tyson, que entraria na Arkestra de Sun Ra poucos anos depois. Também não temos aqui uma banda gigante cheia de sopros: apenas cinco músicos entre saxofones, trompete, clarinete baixo e flauta, o que é pouco em comparação com discos dos anos 1970 e 80 em que a Arkestra era uma big band maior. Aqui, então, temos um total de oito músicos incluindo Sun Ra (piano e clavioline, um tipo de sintetizador). Ele tira do instrumento eletrônico sons muito mais grotescos e imprevisíveis do que os sons elegantes do piano elétrico Fender Rhodes, que aliás tanto Ra quanto Zappa usariam na década seguinte. Aqui, curiosamente, os sons eletrônicos de Sun Ra lembram um pouco a sonoridade do saxofone, mais do que a de um piano. O outro destaque maior de “Heliocentric Worlds Vol. II” é o contrabaixista Ronnie Boykins (1935 – 1980) que, como também os saxofonistas, estava próximo do que havia de mais atonal nas sonoridades do jazz dos anos 60.

Sun Ra usou teclados elétricos anos antes de quase todo mundo, sendo um dos pioneiros desses instrumentos no jazz junto com Joe Zawinul e poucos outros, uns cinco a dez anos antes de se falar em jazz fusion. Sun Ra se comportava à parte dessas classificações e terminologias, misturando big band com free jazz, roupas coloridas com solos atonais, liderando improvisos instrumentais mas também dando entrevistas com declarações sérias como as de Dylan e Zappa… Ou seja, era brabo na música e brabo no gogó, com as roupas esquisitas dando-lhe um certo passaporte para falar coisas sérias, afinal, como disse seu contemporâneo Thelonious Monk, às vezes é até bom que as pessoas te considerem louco (“Sometimes it’s to your advantage for people to think you’re crazy”).

Sem aderirem totalmente às modas de cada momento, porque ambos era esquisitos demais para aderir a qualquer moda, Frank Zappa e Sun Ra as tangenciaram às vezes. Aqui, nesses dois discos de 1966, enquanto Zappa faz colagens e distorções de sons – aliás, algo que ele aprendeu ouvindo discos de Edgar Varèse nos anos 1950 (aqui ele fala a respeito).

Mais um detalhe: esta postagem traz o som ripado do LP original de Zappa, no qual a contracapa trazia textos excêntricos e enigmáticos do próprio Zappa. Também o disco de Sun Ra trazia na contracapa trazia um poema do líder da Arkestra. Mais uma semelhança entre esses dois discos de 1966.

The Heliocentric Worlds of Sun Ra, Vol. Two (1966)
1. The Sun Myth (17:20)
2. A House Of Beauty (5:10)
3. Cosmic Chaos (14:15)
Sun Ra – piano, tuned bongos, clavioline, compositions and arrangements
Marshall Allen – alto saxophone, piccolo, flute, percussion
Pat Patrick – baritone saxophone, percussion
Walter Miller – trumpet
John Gilmore – tenor saxophone, percussion
Robert Cummings – bass clarinet, percussion
Ronnie Boykins – bass
Roger Blank – percussion

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Heliocentric Worlds Vol II

The Mothers of Invention – Freak Out! [single vinyl rip] (1966)
A1 Hungry freaks, daddy
A2 I ain’t got no heart
A3 Who are the Brain Police?
A4 Motherly love
A5 Wowie Zowie
A6 You didn’t try to call me
A7 I’m not satisfied
A8 You’re probably wondering why I’m here
B1 Trouble comin’ every day
B2 Help, I’m a rock / It can’t happen here
B3 The Return of the son of monster magnet (Unfinished Ballet in Two Tableaux)
all selections arranged, orchestrated and conducted by Frank Zappa

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Freak Out!

Bach, Beethoven, Mozart e Haydn comemorando os 18 anos do PQP Bach

Pleyel

Gabriel Fauré (1845-1924): Mélodies, Ballade (Stéphane Degout, barítono / Alain Planès, piano ; Ely Ameling, soprano / Rudolf Jansen, piano / Sweelinck Quartet)

100 anos da morte de Gabriel Fauré
A partir do olhar um tanto blasé da foto acima, mostrando Gabriel Fauré quando ainda tinha os bigodes e cabelos escuros, podemos extrair a característica fundamental da música desse compositor: um certo desprezo ou apatia com relação aos exageros do romantismo tardio da sua época – tanto nos excessos afirmativos como nos momentos caricaturalmente tristes. Esses exageros aparecem principalmente da música orquestral, em um período em que os tamanhos das orquestras aumentam e os instrumentos são refeitos para fazerem cada vez mais barulho: estamos falando das grandiosas óperas de Wagner, sinfonias de Bruckner, concertos de Tchaikovsky… e um dos primeiros representantes desses excessos românticos foi o francês Berlioz.

O estadunidense Robert Wilks define Fauré como o anti-Mahler, mas também seria possível defini-lo como anti-Berlioz, já que tanto Mahler como Berlioz praticamente só escreveram música para grandes formações orquestrais, algumas com coro, enquanto Fauré se destacou principalmente na música de câmara: quartetos, quintetos, obras para voz e piano ou para piano solo.

Mesmo a sua Missa de Requiem, como vimos nas postagens dias atrás, tinha uma orquestração relativamente moderada: segundo seu biógrafo Robert Orledge, “He intended his Requiem to be intimate, peaceful and loving, with none of the horrors of death he so detested in Berlioz’s 1834 Requiem”.

Para além do número de instrumentistas, vejamos a argumentação de Wilks:

Fauré’s personality was described as charming, easy-going and sentimental, with a keen sense of humor. He was adept at making and maintaining friendships with both musicians and rich patrons. He was sometimes accused of being a social butterfly. He was modest, even-tempered, “a real gentleman”.

Mahler’s personality could not have been more different. Musicians considered him abrasive and demanding. He consistently clashed with or offended almost everyone he ever worked with. Of course, the source of some of those frictions was anti-semitism and no fault of his own. Throughout his life he felt like an outsider. Neuroses displayed themselves in dances that were “demonic” and marches that were “ghostly”. Cheerful music is tainted with anxiety and tragic passages are interrupted with euphoria. He had conversations with Dr. Freud in an attempt to understand his own motivations. Unlike Fauré, he (…) was a highly acclaimed opera conductor in seven different cities.

Both composers wrote songs. Fauré’s more substantial output was produced over the course of his whole life, earning a revered place in the repertory of French art song. The two composers had important but different relationships to literary texts. Fauré had an extreme sensitivity to poetry and strong opinions about how a poem should be set in terms of its general feeling and mood (not always in sync with the natural rhythm and phrasing). He is most associated with the poems of Verlaine. (daqui)

Com exceção do Requiem, então, suas outras obras-primas são peças da intimidade, da conversa ao pé do ouvido, como é o caso dos diálogos entre voz e piano neste disco bem recente da Harmonia Mundi. E além do barítono francês Stéphane Degout (nasc. 1975), temos nessa postagem a holandesa Elly Ameling (nasc. 1933), soprano de imenso repertório gravado desde décadas de 1950, e que neste disco canta um repertório francês (Fauré, Duparc, Debussy e Ravel) em gravações ao vivo dos anos 1980. O ciclo “La bonne chanson”, de Fauré, aparece aqui na versão para voz, piano e quarteto de cordas. O ciclo de canções de Ravel cantado por Ameling no mesmo CD tem uma formação quase igual: ao quarteto de cordas e ao piano, somam-se flauta e clarinete. Mas a linguagem de Ravel é mais atonal e usa os instrumentos de modos mais vanguardistas, lembrando, aliás, o seu Trio da mesma época.

Mais um detalhe: Claude Debussy, 18 anos mais jovem e com um espírito um tanto briguento, escreveu ou falou certos comentários maldosos sobre Fauré. Não consta que eles fossem amigos do peito. É verdade, porém, que as semelhanças entre os dois são muitas: se Debussy, como Ravel, buscavam certas inovações formais que, na comparação, podiam deixar o compositor mais velho parecendo um conservador, ouvindo os dois à distância a sofisticação dos acompanhamentos da voz pelo piano os aproxima, assim como outros detalhes abundantes. Por exemplo: os dois, ao transformar os versos em música, evitavam refrões ou repetições de qualquer tipo, repetições comuns nos lieder de Schubert e Schumann. Isso fica óbvio na ópera Pelléas et Mélisande de Debussy (aqui), com mais de duas horas sem nenhuma ária com refrão, mas também é um dos ingredientes que dão às canções de Fauré todo o seu suave sentimento e intenso mistério.

Gabriel Fauré (1845-1924): Mélodies, Ballade (Stéphane Degout, barítono / Alain Planès, piano)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (Degout, Planès)


Gabriel Fauré (1845-1924), Claude Debussy (1862-1918), Maurice Ravel (1875-1937): Mélodies (Elly Ameling, soprano)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (Ameling) – mp3 320 kbps

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (Ameling) – flac

 

Fauré (sentado tocando o piano) com seus alunos e amigos, incluindo Ravel (1900)

Pleyel

Homenagem a Gabriel Fauré (1845-1924) – Obras para piano, violoncelo e quintetos (Angela Hewitt/Eric Le Sage/Bengt Forsberg – pianos, Andreas Brantelid – cello, Quarteto Ebène)

100 anos da morte de Gabriel Fauré


A música de Fauré nunca passou muito tempo sumida aqui do blog, mas uma característica marcante é a sua tendência a aparecer em conjunto com outros compositores, na maioria das vezes franceses mas às vezes de outros cantos. Contrariando uma certa ideia do gênio solitário e incompreendido, Fauré aparece em programas de recitais, em CDs e LPs junto de boas companhias como Debussy, Ravel e outros mais jovens como Poulenc e Messiaen. Aliás, Ravel foi o seu mais famoso aluno, mas há muitos outros que ficaram famosos, como as irmãs Nadia e Lili Boulanger (recentemente repostei o Réquiem de Fauré regido por Nadia). Aqui, aqui e aqui temos a música para piano solo e a quatro mãos de Fauré junto com a de seus contemporâneos. Aqui, obras para violino e piano, aqui, para flauta e piano… e se vocês clicarem mesmo nos links, notarão que o René é o meu colega que mais frequentemente tem nos trazido essas pequenas porções – petiscos, entradas e sobremesas – inventadas por Fauré.

Também o quarteto de cordas de Fauré marcou presença (aqui) em gravação premiada – Recording of the Year da Gramophone – ao lado novamente de Debussy e Ravel, lembrando que cada um desses compôs apenas uma obra para essa formação.

Portanto, nosso Gabriel ocupa esse lugar ao mesmo tempo importante e afastado dos holofotes, talvez um tímido como definiu PQPBach: música que “não grita chamando você, não chama sua atenção, tem que ser convidada” (aqui).

E há algo de bom a ser dito sobre os introvertidos inteligentes que nos conquistam ora pela inteligência, ora pelo sarcasmo (como Machado de Assis que, dizem, era um tanto gago), ora pelo exotismo dos esquisitos autênticos, ora pelo perfeccionismo dos que se preparam mil vezes antes de subir ao palco. É claro, na música de concerto nós amamos os maestros como Bernstein, os pianistas como Horowitz e Argerich, com personalidades fortes que se impõem e costumam ser lembradas nas listas de melhores isto ou aquilo. Mas o mundo seria bem menos rico sem os introvertidos como Fauré, ou como Chopin, que detestava fazer turnês e parou de compor para orquestra com pouco mais de 20 anos.

O compositor Aaron Copland (1900-1990) descreveu o movimento lento do Quarteto com Piano nº 2 de Fauré como “clássico se definirmos classicismo como intensidade sobre um fundo calmo.” Como diz um biógrafo, Fauré tinha “um horror de retórica, sentimentalismo, superficialidade”. Em bom português: não era do tipo que gosta de se amostrar. Não sei afirmar se Fauré tinha de fato desgosto pela orquestra em geral, mas o fato incontestável é que seu talento mais profundo era para a música mais íntima, o diálogo entre, dois ou três instrumentos, até cinco no máximo. Hoje, em homenagem a esse gênio discreto, trago aqui discos de música de câmara que vão contra esse padrão de juntá-lo a amigos e colegas, sendo todos eles dedicados exclusivamente à música de Fauré.

Gabriel Fauré por Angela Hewitt: Tema e Variações op. 73, Duas Valsas-Caprichos, Três Noturnos, Balada op. 19 para piano

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Gabriel Fauré por Brantelid & Forsberg – Obras completas para violoncelo e piano: Sonatas nº 1 e 2, Romance, Papillon, Sérénade, Berceuse, Sicilienne, Morceau de lecture, Élegie

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Gabriel Fauré por Le Sage & Quatuor Ebène – Quintetos com piano op. 89 e op. 115

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1ª edição da 1ª Valse-Caprice, obra pouco tocada e uma das mais belas surpresas do disco de Angela Hewitt

Pleyel

Gabriel Fauré (1845-1924): Requiem, Ballade, Pelléas et Mélisande, Pavane (Orch. Suisse Romande, Armin Jordan)

É melhor admitir logo ao invés de tapar o sol com a peneira: o Réquiem de Fauré ocupa um espaço acima do resto da sua obra orquestral. Isso aparece aqui: apesar das muito competentes interpretações dos músicos da orquestra suíça com o maestro também suíço Armin Jordan (1932-2006), o Réquiem paira no alto, elevado a uma distância das outras peças mais comuns, nas quais às vezes as repetições de Fauré podem cansar.

O Réquiem de Fauré, assim como as Sinfonias de Bruckner, teve mais de uma versão assinada pelo compositor. A primeira versão, sem violinos e sem madeiras, tinha como destaques, além das vozes do coro, as cordas graves. Não sem precedentes: já em J.S. Bach a ausência de violinos era um procedimento usado em certas obras de temas ligados à morte, com nas Cantatas BWV 106 (apelidada “Actus Tragicus”), BWV 18 e em vários movimentos de outras obras. Também no Barroco francês a viola da gamba tinha um papel proeminente em obras de Marais, Rameau, entre outros. O editor das obras de Fauré, em Paris, porém, não gostou: sugeriu a publicação de uma outra versão para orquestra sinfônica completa, sugestão acatada pelo compositor. Essa versão final, estreada em 1894, foi publicada com todas as partes para orquestra apenas em 1901, treze anos depois da primeira audição da obra em 1888 na igreja La Madeleine, em Paris.

O Réquiem alcançou grande popularidade ainda durante a (longa) vida do compositor e há registros de que Fauré, ao ser perguntado a respeito, disse que queria fugir do convencional e expressar a morte como “uma aspiração à felicidade do além, mais do que uma passagem dolorosa”. A versão gravada aqui é a final, com um naipe de cordas completo com os violinos.

Gabriel Fauré (1845-1924):
1. Ballade, pour piano & orchestre, op. 19
2 – 5. Pelléas et Mélisande, op. 80
6. Pavane, op. 50
7 – 13. Requiem, op. 48

Gilles Cachemaille, barítono / Mathias Usbcek, soprano
Orchestre de la Suisse Romande (Requiem) / Orchestre de Chambre de Lausanne (1-6) / Jean Hubeau, piano (1)
Armin Jordan, maestro

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Paris, 1871. Ao fundo, La Madeleine, igreja onde Fauré foi organista e onde estreou o Réquiem

Pleyel

Lili Boulanger: Salmos, Gabriel Fauré: Requiem (Boulanger, BBC SO)

coverEm 2018, muito se falou do centenário da morte do genial, inovador e sempre moderno Debussy. Pouco se falou, contudo, de Lili Boulanger, que morreu dez dias antes de Debussy.

Lili Boulanger teve uma carreira meteórica:
– aos seis anos de idade, antes de saber ler, já decifrava partituras. Gabriel Fauré se impressionou com seu ouvido absoluto e lhe deu as primeiras aulas de piano

– em 1913 foi a 1ª mulher a ganhar o cobiçado Prix de Rome, vencido por nomes como Berlioz, Debussy e Dutilleux, e que dava ao vencedor uma temporada de estudos em Roma. Note-se a concepção, desde o Renascimento, de que um grande artista devia conhecer a Itália e a capital do antigo Império. Lili passou pouco tempo em Roma, por causa de sua saúde delicada e da 1ª guerra mundial

– de 1914 a 1917, compôs sua obra-prima para solistas, coro, orquestra e órgão, baseada no Salmo 130, De Profundis (Du fond de l’abîme – Do fundo do abismo)

No começo de Do fundo do Abismo, é com sons agudos – e não com sonoridades graves e pesadas – que a orquestra introduz a oração desesperada que em seguida as vozes vão cantar (…).
O sentimento da solidão humana frente a uma onipotência, é esta a fonte de inspiração de Lili Boulanger, nos Salmos assim como no Pie Jesu, de uma linha melódica pura e com poucos ornamentos.
(Artigo de Joseph Baruzi no Ménestrel, 1923)

Nadia Boulanger, irmã de Lili, também compôs quando jovem e depois parou: dizia que suas obras não eram ruins, mas eram inúteis. Entre as décadas de 1910 e 1970, dedicou-se a ensinar, a reger e a divulgar a música de sua irmã pelo mundo. Nadia foi amiga de Stravinsky e professora de boa parte dos grandes compositores do século XX, de Piazzolla a Philip Glass. No Brasil, Almeida Prado e Egberto Gismonti, entre outros, foram a Paris estudar com ela.

Este disco foi gravado ao vivo em 1968, em um concerto em homenagem aos 50 anos de morte de Lili. Nadia regeu também o Requiem de Gabriel Fauré, que ela estreou na Inglaterra em 1936, quando foi a primeira mulher a reger a Royal Philharmonic de Londres. Também foi a primeira à frente da Filarmônica de Nova York, das Sinfônicas de Boston e da Filadélfia. Na sua estreia em Boston, em 1938, quando um repórter perguntou como ela se sentia ao ser a primeira mulher a reger a Boston Symphony, ela deu uma resposta ácida:

“Já faz um pouco mais de 50 ans que sou mulher, já superei o meu espanto inicial.”

Em décadas mais recentes esse Requiem de Fauré tem tido muito mais gravações na Inglaterra do que em qualquer outro lugar: London Symphony Orchestra & Tenebrae, Philharmonia Orchestra & Ambrosian Singers, Bournemouth Sinfonietta & Winchester Cathedral Choir, Choir of St John’s College & Academy of St Martin in the Fields, New Philharmonia Orchestra & Choir of King’s College, Cambridge… Mas Mademoiselle Nadia Boulanger foi a pioneira. Ouçam.

Lili Boulanger (1893-1918)
01. Psalm 24 ‘La terre appartient à l’Éternel’
02. Pie Jesu
03. Psalm 130 ‘Du fond de l’Abîme’

Gabriel Fauré (1845-1924)
Requiem, Op. 48
04. Introit et Kyrie
05. Offertoire
06. Sanctus
07. Pie Jesu
08. Agnis Dei
09. Libera me
10. In paradisum

Janet Price, soprano
Bernadette Greevy, contralto
Ian Partridge, tenor
John Carol Case, baritone
Simon Preston, organ
BBC Chorus, BBC Symphony Orchestra
Nadia Boulanger
Live at Fairfields Hall, London, England, 1968

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (mp3 320kbps)

Nadia Boulanger, cheffesse (maestrina em francês)
Nadia Boulanger, cheffesse (maestrina em francês)

Pleyel (postagem original de 2018, link consertado em 2024)

Chopin (1810 – 1849): Noturnos / Villa-Lobos (1887 – 1959): Cirandas (Arthur Moreira Lima, piano)

Arthur Moreira Lima Jr. (Rio de Janeiro, 16 de julho de 1940 – Florianópolis, 30 de outubro de 2024) por suas próprias palavras:

I. Em entrevista na edição de 14/10/1974 do jornal carioca O Pasquim:

“Acho jogadores assim como o Gérson, Didi, maravilhosos. Como certos pianistas. Didi pra mim é o Gulda. Ele podia errar tudo, mas de repente tinha aquele momento de gênio que neguinho pode estudar a vida inteira que não vai conseguir fazer igual.”
O PASQUIM – Tem algum grande pianista hoje como Didi?
ARTHUR – Sei lá, os grandes pianistas atuais tendem mais para Pelé do que pra Didi. São perfeitos demais. Tem o Rubinstein, né? Esse ainda faz uns troços que dão aquela ereção, entende?”
(…)
O PASQUIM – Qual é o autor brasileiro que você executa com mais receptividade lá fora?
ARTHUR – Bem, eu só tenho tocado Villa-Lobos. Que, aliás, tem uma receptividade muito maior lá fora do que no Brasil. Ele é considerado o maior compositor das Américas. E com toda razão. Tem neguinho aí que perto dele não pega nem juvenil. Eu gosto muito do Ernesto Nazareth também. Mas é um compositor muito mais difícil de ser entendido no estrangeiro. Aliás, eu vou gravar um disco em Moscou só com músicas brasileiras e é claro que vou incluir Nazareth.”
(Obs: após a publicação da entrevista, em 1975 Arthur foi convidado a gravar um vinil duplo dedicado somente a Nazareth, no Brasil mesmo, seguido de outro, totalizando quatro LPs que estão entre seus legados mais preciosos e você pode encontrá-los aqui)

II. Em 1981, quando lançou os Noturnos em gravação feita na Califórnia/USA e escreveu o texto do encarte do disco, traduzido para o inglês e re-traduzido aqui:

“A palavra nocturne foi utilizada pelo pianista e compositor irlandês John Field (1782-1832) para designar um tipo de composição lenta (calma e sonhadora), que tinha como principal característica a imitação do bel canto. Chopin gostava de tocar os noturnos de Field, adicionando floreios improvisados no estilo de sua época.

A declamação pianística (principal característica dos noturnos) é a chave do estilo de Chopin e da sua filosofia artística. Não é surpreendente, então, que Chopin tivesse uma especial predileção pelos seus noturnos. Ele os tocava frequentemente para os seus alunos e amigos, em salões e em concertos públicos. Em termos de pedagogia, o Mestre atribuía a eles uma importância comparável à dos Estudos.

Os noturnos exemplificam notavelmente a ousadia musical de Chopin e seus revolucionários modos de abordar o instrumento. Ouvindo eles todos, podemos apreciar o caminho artístico atravessado por Chopin – com cerca de 17 anos, as primeiras tentativas no gênero (Noturnos Póstumos nº 19, 20 e 21); com 36, a transcendência, a perfeição da forma musical, alargada no seu conteúdo emocional, rica em invenção harmônica e de contrapondo, como evidenciado na obra mais tardia (nº 18).”

III. Em 1988 No encarte de sua coleção de 3 LP dedicados a Villa-Lobos, um deles você pode ouvir no link mais abaixo:

“Impregnadas de sentimento brasileiro, as peças não fogem à linha geral de sua obra, filosoficamente assentada no nacionalismo, baseada em ritmos e melodias do nosso riquíssimo folclore e realizada tecnicamente sob a influência de compositores europeus como Stravinsky, Bartók e Debussy, influência essa que apenas orientou seu talento genial, sem impedir que em momento algum deixassem de vir à tona seu autodidatismo e sua marcante personalidade.

Fiel às suas raízes populares, o piano do Villa-Lobos é brilhante, marcando os ritmos por vezes como se fosse um instrumento de percussão, indo do mais terno ao mais agressivo, sem nunca perder uma grande presença de som, que lhe é característica.”

IV. O pianista, que tocou muitas vezes tanto em Moscou como em Kiev, lamentou em 2022:

“Tanto os russos como os ucranianos são muito simpáticos. Fico muito triste com esse conflito. Não estou do lado de nenhum governante. Minha preocupação é com o povo, a população. A Polônia está recebendo os refugiados ucranianos e nesses grupos há músicos. Nossa missão é lutar pela paz.” (aqui)

Frédéric Chopin (1810 – 1849):
21 Noturnos

Arthur Moreira Lima, Blüthner Piano
Recorded in Little Bridges Auditorium, Pomona College, CA, USA, 1981
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

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Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) – Cirandas:
A Condessa
Senhora Dona Sancha
O Cravo brigou com a Rosa
Pobre Cega (Toada da Rede)
Passa, Passa, Gavião
Xô, Xô Passarinho
Vamos Atras da Serra, Calunga
Xô, Xô Passarinho
Vamos Atrás da Serra, Calunga
Fui no Tororó
O Pintor de Cannahy
Nesta Rua, Nesta Rua
Olha o Passarinho, Dominé
À Procura de uma Agulha
A Canoa Virou
Que Lindos Olhos!
Có, Có, Có

Arthur Moreira Lima, Steinway Piano
Recorded: Rio de Janeiro, 1988

OUÇA AQUI – Spotify

Obs: Villa-Lobos, só no streaming. Reclamações, enviem por favor aos herdeiros do compositor.

(A foto que abre esta postagem é do Instituto Piano Brasileiro, também responsável por compartilhar várias outras preciosidades de Arthur Moreira Lima no Youtube (aqui) e, aqui, o mapa com todas as cidades onde ele tocou no seu projeto “Um Piano na Estrada”)
Pleyel

Alan Hovhaness (1911-2000): Ghazals, Achtamar, Sonata e outras obras para piano (F. Mardirossian)

As postagens neste blog são bastante variadas e não costumam seguir ordens: vocês sabem que é comum ver aqui, depois de uma maratona de concertos barrocos, uma ópera romântica e depois um clássico do jazz… Mas às vezes algumas combinações de álbuns podem soar especialmente felizes e achei importante juntar a música para piano de Komitas (1869-1935) com a do outro compositor de origem armênia que que fez música bastante original, afastada das correntes e modas do século XX. Ouvir Komitas e depois ouvir Hovhaness, especialmente a música para piano do mesmo, nos permite certas constatações do tipo “então é daqui que ele tirou isso!”

Nascido Alan Vaness Chakmakjian, ele usou como nome artístico uma adaptação do seu nome do meio (mais uma semelhança com Komitas, que foi o nome recebido em um tipo de ordenamento religioso, e não de batismo). Fortemente interessado na música da Armênia e da Índia, Hovhaness teve o reconhecimento de instituições e pessoas como o maestro Leopold Stokowski, o compositor John Cage e o pianista Keith Jarret, que gravou o concerto de sonoridade bastante oriental quando o compositor ainda era vivo (aqui).

Nascido perto de Boston, Hovhaness estudou em Tanglewood mas, nas suas próprias palavras, tomou rumos completamente diferentes dos que seus professores aprovariam. Apesar disso, conseguiu alguns sucessos em Nova York a partir dos anos 1940 e, já acom mais de 40 anos, fez viagens para a Índia e o Japão para complementar seu interesse pelas diferentes tradições musicais asiáticas.

temido crítico Virgil Thomson escreveu no New York Herald Tribune em 1947: “A pureza de sua inspiração fica evidente na extrema beleza do material melódico, que é original e não coletado em fontes populares do folclore.” Já o compositor Lou Harrison descreveu assim um outro concerto: “The serialists were all there. And so were the Americanists, both Aaron Copland’s group and Virgil [Thomson]’s. And here was something that had come out of Boston that none of us had ever heard of and was completely different from either. There was nearly a riot in the foyer [during intermission] — everybody shouting. A real whoop-dee-doo.”

Apesar desses sucessos, sua tendência à esquisitice deve ter impedido um sucesso mais amplo como o de seus contemporâneos Copland e Bernstein. Hovhaness passou boa parte da maturidade em Seattle, cidade distante das grandes orquestras e salas dos EUA, onde ele dava aula e compunha centenas de obras para piano, 67 sinfonias (sim, você não leu errado). A grande prolixidade – característica que une Hovhaness a Milhaud e Villa-Lobos – faz com que até hoje certas obras estejam recebendo primeiras ou segundas gravações em selos pequenos, procurados por fãs seletos mas fiéis. Compostas entre as décadas de 1930 e 1980, em sua maioria elas demandas poucos truques de virtuosismo, com as dificuldades se concentrando mais nas relações entre melodias (normalmente na mão direita) e seções com notas decorativas abusando dos ornamentos, ritmos repetitivos, sons modais e, mais raramente, técnicas expandidas em que se atacam diretamente as cordas do piano

Alan Hovhaness (1911-2000):

Música para piano, por Alan Hovhaness

1. Ghazal No.1, Op.36 No.1
2. Komachi, Op.240
3. Shalimar, Op.177
4. Sonata Prospect Hill, Op.346
5. To Hiroshige’s Cat (1st Mov.), Op.366
6. Love Song Vanishing Into Sounds Of Crickets Op.327
Alan Hovhaness, Yamaha C7 Grand Piano

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – Hovhaness by Hovhaness – flac
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Música para piano, por François Mardirossian

1. Mystic Flute op. 22 2.00
2. Pastoral n° 1, op. 111 n° 2 5.28
3-5. Suite op. 96
I. Doloroso 2.00 / II. Invocation Jhala 4.08 / III. Mysterious Temple 3.10
6. Dance Ghazal op. 37a 1.56
7. Achtamar op 64 3.51
8. Two Ghazals op. 36 7.01
9-12. Sonata for piano “Cougar Mountain” op. 390
I. 2.53 / II. 3.19 / III. 2.30 / IV. 4.05
13. Consolation op. 419 2.09
14-16. Suite On Greek Tunes
I. Wedding Song 1.29 / II. Grape-yard Song 0.54 / III. Dance in seven Tala 2.14
17. Love Song Vanishing Into Sounds of Crickets op. 327 3.53
18. Slumber Song op 52 2.22
19-20. Macedonian Mountain Dance op. 144 & 144b
Dance n°1 3.01 / Dance n° 2 2.56
21. Dark River and Distant Bell op. 21 4.47
22. Jhala op. 103 5.57
23-25. Three Haikus op. 113
Haiku I 1.14 / Haiku II 1.20 / Haiku III 4.14

François Mardirossian, piano
Recorded: Villethierry, France, 2021

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I’m always looking for new elements of sounds, and then there are so many possibilities with what we already have. What I am looking for is a deeper truth, a further penetration into what I have already done. And into what I feel is needed in music. A deeper, more emotional understanding of the universe, a greater oneness with the universe. However, I am certainly always open to new sounds if they are beautiful, but not to the noise of traffic jams – we have had enough of that. (Alan Hovhaness, entrevista em 1971)

Pleyel

Debussy: Études, Chansons de Bilitis, etc / Komitas: Dances e Canções Armênias (Kirill Gerstein; Thomas Adès; Ruzan Mantashyan; Katia Skanavi)

Um disco duplo que junta com grande sucesso a música composta no começo do século XX por dois homens cuja vida individual iria se misturar com a carnificina da 1ª Guerra Mundial. As dezenas de páginas do livreto do álbum – lançado em 2024 – trazem um forte resumo do genocídio armênio de 1915, da guerra e fazem uma triste comparação com as igualmente estúpidas carnificinas do nosso tempo, pouco notado à época por se situar ao mesmo tempo da carnificina mais ampla que ocorria principalmente na Europa Ocidental. Mas antes dessas importantes informações biográficas e históricas eu gostaria de deixar a minha opinião sobre este álbum: o jovem Kirill Gerstein (piano), acompanhado de Ruzan Mantashyan (soprano) e mais alguns colegas, escolheram muito bem o programa de obras: não só por misturar Komitas com o mais célebre Debussy, mas também por juntar peças para piano solo, dois pianos, piano e voz. Assim, por exemplo, a transição entre “Chansons de Bilitis” e “Six Épigraphes antiques” faz todo o sentido: em ambas as peças, Debussy tem em mente um mundo imaginário com elementos da antiguidade clássica (sátiros, ninfas, deuses gregos e egípcios…), típicos da obra desse compositor que buscou sempre o exótico, o detalhe do outro que causa estranhamento e nos faz sair da mesmice dos sons, grosso modo, “ocidentais”, seja lá o significado deste último coletivo imaginário. É claro que o exotismo da música de Komitas se encaixa bem nisso tudo. Ou seja: o disco duplo, além de muito prazeroso de se ouvir, foge do padrão atual de se juntar as peças musicais como em uma prateleira de supermercado – aqui a música para dois pianos, lá no outro corredor as obras para piano e voz, e lá no cantinho mal iluminado os “orientais”…

Komitas estudou música em Berlim a partir de 1895 e, antes, em Etchmiadzin – cidade que abriga uma catedral construída no ano 483, o centro religioso da Igreja da Armênia, que por sua vez é uma instituição separada dos dois cristianismos que sucederam ao império romano (o de Roma e o de Constantinopla). Com essa base cultural fundada em uma das mais antigas tradições do cristianismo, e também informado sobre a tradição germânica, Komitas coletou e transcreveu mais de 3 mil peças de música tradicional da Armênia, se interessando também pela música dos Curdos, grupo étnico até hoje imprensado entre a Turquia, o Irã e o Iraque e frequentemente pisoteado pelas maiorias daqueles países. A partir de 1906, Komitas fez turnês pela Europa: Rússia, Itália, Áustria, Suíça, Alemanha e sobretudo foi muito apreciado em Paris, onde alguns colegas armênios já viviam e ajudaram a fazer seu nome. Claude Debussy, entre outros, elogiaram a sua música. Mas com a 1ª Guerra Mundial, a grande catástrofe aconteceu, mas vou parar esse meu resumo por aqui… O texto a seguir junta trechos do livreto, de modo a apresentar esse exótico Komitas Vardapet, mais conhecido pelo primeiro nome, e que para mim não era nem um pouco conhecido.

Artur Avanesov escreveu no livreto: Like Bartók, Komitas was an ethnomusicologist with a passion for the music of his own people. Like Bartók, he understood that to fully comprehend his own tradition, he also had to comprehend the traditions of other nations, and their research often led them in the same direction. Komitas’s music is particularly close to Bartók’s folklore-based miniatures, such as Hungarian Folksongs from Csík, Romanian Christmas Carols, dances from Mikrokosmos, and his music for children. Both composers often build the vertical harmony out of multimodal layers. However, unlike Komitas, Bartók, a true virtuoso, created Hungarian music under the influence of Liszt and left behind a vast number of large-form compositions. In spite of the evidence that Komitas fully mastered the art of instrumentation, none of his mature works features any instrument other than the piano.

As an ethnographer, Komitas had a choice: either to assume the position of an observer describing and archiving the state of traditional music at that moment or, armed with his knowledge and expertise, to re-create the eessence of national music as he perceived it, basing it on his own research,
even when this essence was quickly disappearing. He clearly took the second path. There are multiple indications that, even in his time, actual folkloric practice may have been somewhat different than the samples he recorded would lead us to believe. Not an archivist, but a creator by nature, Komitas approached the study and preservation of folklore critically, rejecting everything that would not fit in with his vision of Armenian music, and perhaps sometimes editing on the basis of historical practice to make the reality correspond with logic. The result of Komitas’s efforts is that Armenian folklore as we know it today is largely Komitas’s folklore, the face of the national music that he restored from a half-erased original. It was to this gigantic task that he, indeed, had to sacrifice himself – to silence his own song in order to save the art of an entire nation from a fatal disease leading to oblivion and non-existence.

Komitas dando uma palestra em Paris, 1914

[depois do genocídio armênio 1915, do qual ele, que estava em Constantinopla/Istanbul, escapou com vida, mas com marcas da tortura e da morte de inúmeros conhecidos…] At first, he tried to work, but going back to his daily routine proved impossible. Besides, he was constantly haunted by paranoid hallucinations and nightmares. In 1916, while conducting his last Easter mass, he started sobbing at the altar as the hymn “Lord, Open the Doors” sounded. He screamed and prayed all night long. His landlord threatened to evict him or non-payment of rent. The same year, he finalized his last edition of the Piano Dances, after which working became unbearable..

CD 1
CLAUDE DEBUSSY (1862–1918)
12 Études (1915)
– à la mémoire de Frédéric Chopin
PREMIER LIVRE
1 I. Pour les cinq doigts · d’après Monsieur Czerny
2 II. Pour les tierces
3 III. Pour les quartes
4 IV. Pour les sixtes
5 V. Pour les octaves
6 VI. Pour les huit doigts
DEUXIÈME LIVRE
7 VII. Pour les degrés chromatiques
8 VIII. Pour les agréments
9 IX. Pour les notes répétées
10 X. Pour les sonorités opposées
11 XI. Pour les arpèges composés
12 XII. Pour les accords

KOMITAS VARDAPET (1869–1935)
Armenian Dances (1916)

13 Manushaki of Vagharshapat
14 Yerangi of Yerevan
15 Unabi of Shushi
16 Marali of Shushi
17 Shushiki of Vagharshapat
18 Het u Aradj of Karin
19 Shoror of Karin
Kirill Gerstein, piano

CD 2
CLAUDE DEBUSSY
Chansons de Bilitis (1897-98)

Text: Pierre Louÿs
1 I. La Flûte de Pan
2 II. La Chevelure
3 III. Le Tombeau des naïades
Ruzan Mantashyan, soprano
Kirill Gerstein, piano

6 Épigraphes antiques
pour piano à quatre mains (1914–15)

4 I. Pour invoquer Pan, dieu du vent d’été
5 II. Pour un tombeau sans nom
6 III. Pour que la nuit soit propice
7 IV. Pour la danseuse aux crotales
8 V. Pour l’Égyptienne
9 VI. Pour remercier la pluie au matin
Katia Skanavi and Kirill Gerstein, piano

KOMITAS VARDAPET
Armenian Songs

Text: traditional
10 Tsirani tsar
11 Chinar es
12 Garoun a
13 Le le Yaman
14 Qeler Tsoler
15 Antouni
Ruzan Mantashyan, soprano
Kirill Gerstein, piano

CLAUDE DEBUSSY
Late Pieces

16 Noël des enfants qui n’ont plus de maisons (1915)
Text: Claude Debussy
Ruzan Mantashyan, soprano
Kirill Gerstein, piano

17 Page d’album pour piano pour l’œuvre du « Vêtement du blessé » (1915)
18 Berceuse héroïque – pour rendre hommage à S.M. le roi Albert Ier de Belgique et à ses soldats (1914)
19 Étude retrouvée (1915)
20 Élégie (1915) from Pages inédites – sur la Femme et la Guerre
21 Les Soirs illuminés par l’ardeur du charbon (1917)
Kirill Gerstein, piano

En blanc et noir pour deux pianos (1915)
22 I. À mon ami A. Koussevitzky (Avec emportement)
23 II. Au lieutenant Jacques Charlot tué à l’ennemi en 1915, le 3 mars (Lent. Sombre)
24 III. À mon ami Igor Stravinsky (Scherzando)
Thomas Adès and Kirill Gerstein, piano

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Kirill Gerstein (Vienna Konzerthaus 2021)

Pleyel

Chopin (1810-1849): Scherzos, etc – Michelangeli, Richter

Postagem de 2021, links reativados em 2024

Centro e noventa anos atrás,  no dia 8 de setembro de 1831, os russos capturaram Varsóvia após a rebelião ocorrida na Polônia em meio a outras balbúrdias que sacudiram a Europa desde 1830. Chopin, ligado ao grupo que defendia a independência polonesa, jamais voltaria à sua terra natal. Ele estava em uma curta viagem pela Alemanha e, poucos dias depois, ainda em setembro, chegaria a Paris. “Coloco minha tristeza no piano”, escreveu ele em seu diário. Nesses primeiros meses de exílio ele escreveu seu primeiro Scherzo. A palavra italiana, que significa brincadeira, tem aqui um sentido enigmático, talvez de humor doentio e sarcástico, porque são as composições de Chopin mais ligadas ao que Nietzsche nomeia como estado de alma trágico. O Scherzo nº 1, em si menor, começa com acordes pesados, passa por um breve momento de paz com uma citação da canção natalina polonesa “Lulajże Jezuniu” (Dorme Jesus), canção brutalmente interrompida pelos acordes trágicos. Hoje trago dois pianistas da época do vinil, que considero até hoje os maiores intérpretes desse Scherzo.
A gravação dos quatro Scherzi por Richer era uma grande referência do Penguin Guide e outras enciclopédias musicais que deixaram de existir com a internet. Richter era um pianista de múltiplos talentos, mas provavelmente sua maior vocação era para a música mais “séria”, com uma certa solenidade, não era um homem de piadas e brincadeiras (para voltarmos à palavra italiana scherzo). Por isso ele é considerado um grande intérprete das últimas sonatas de Beethoven e de Schubert, bem como do Cravo Bem Temperado de Bach. A exceção que confirma a regra é o Concerto de Gerswhin, que surpreendeu o conselho consultivo do PQPBach por seu swing e leveza. Os Scherzi, gravados em 1977, recebem nessa edição em CD uma boa companhia com a série de miniaturas de Schumann. Aliás, Schumann era um grande admirador de Chopin e escreveu, sobre o primeiro scherzo: “Como se vestirão suas obras graves, se a piada já está sob véus negros?”

F. Chopin (1810-1849):
1. Scherzo No. 1 In B Minor, Op.20
2. Scherzo No. 3 in B-flat Minor, Op.31
3. Scherzo No. 3 in C-Sharp Minor, Op.39
4. Scherzo No. 4, E major, Op.54

R. Schumann (1810–1856):
5-18. Bunte Blätter, Op. 99 (Colorful Leaves – Folhas Coloridas)

Sviatoslav Richter, piano

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Chopin, por Eugène Delacroix

Depois da referência, a obscura gravação ao vivo. Michelangeli se notabilizou pela sua interpretação de um pequeno número de obras de Chopin: a Balada nº 1, a Sonata nº 2 “Marcha Fúnebre” e mais algumas. Perfeccionista, ele lapidava como diamantes as poucas obras de seu repertório. Era um frequente parceiro do maestro Sergiu Celibidache e compartilhava com ele o perfeccionismo e outras manias. Após as mortes dos dois ( Michelangeli em 1995, Celibidache em 1996), foram aparecendo gravações ao vivo disputadas pelos fãs, incluindo algumas dos dois juntos nos concertos de Ravel, Schumann e Beethoven.

Entre elas, essas gravações de Chopin, em recitais ao vivo entre 1962 e 1990. No Scherzo nº 1, a sonoridade de Michelangeli é aquela que os fãs conhecem: meticulosamente planejada, nada é por acaso: mesmo nos acordes mais fortes e intensos, cada nota é necessária para recriar a atmosfera sombria e trágica que passava pela cabeça de Chopin. O andamento bastante lento escolhido por Michelangeli faz parte dessa exposição transparente de todos os momentos, nada fica escondido, e nisso também, na lentidão, podemos lembrar de Celibidache.

Na Fantasia em Fá menor, obra que alterna entre momentos trágicos e outros de bravura virtuosística, Michelangeli mostra que sua técnica é realmente prodigiosa. Nas valsas e mazurkas que completam o álbum, Michelangeli tem concepções interessantes mas bastante excêntricas. Não temos aqui o ritmo dançante das mazurkas de Barbosa, de Novaes ou de Freire – esses pianistas brasileiros que parecem ter nascido para tocar esse Chopin mais dançante, onde o aspecto trágico também está presente mas apenas nas entrelinhas, mascarado pela dança.

1. Scherzo No. 1 in B Minor Op. 20 13:10
2. Fantaisie in F Minor Op. 49 14:30
3. Valse in A Minor Op. 34.2 7:23
4. Valse in A Flat Major Op. 34.1 5:40
5. Valse in A Flat Major Op. 69.1 4:18
6. Mazurka in A Minor Op. 68.2 3:07
7. Mazurka in F Minor Op. 68.4 3:41
8. Mazurka in A Flat Major Op. 41.4 1:45
9. Mazurka in G Sharp Minor Op. 33.1 2:50
10. Mazurka in D Flat Major Op. 30.3 2:58
11. Mazurka in G Minor Op. 67.2 2:34
12. Mazurka in B Minor Op. 33.4 8:06
Arturo Benedetti Michelangeli, piano

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Richter e Michelangeli em 1964

“Quanto precisou sofrer este povo para poder tornar-se tão belo! Agora,
porém, acompanha-me à tragédia e sacrifica comigo no templo de ambas as divindades!”
(Nietzsche – O Nascimento da Tragédia)

Pleyel

Ravel: Trio / Debussy, Respighi: Sonatas para violino e piano (Heifetz, Rubinstein, Piatigorsky, Bay)

Jascha Heifetz é a estrela do CD, mas os fãs de Arthur Rubinstein vão certamente se interessar pelo Trio de Ravel, muito bem gravado, com perfeito equilíbrio entre os três instrumentos. E, claro, com Rubinstein no piano e Piatigorsky no violoncelo a interpretação é cheia de nuances e de brilho.

Todos eles compostos na década de 1910, o Trio de Ravel e as Sonatas para violino de Debussy e Respighi eram obras contemporâneas para esses músicos aqui gravados. O Duo de Bohuslav Martinů, de 1927, mais ainda.

O Trio de Ravel e as peças de Debussy trazem todas as sutilezas da música francesa daquele período – aliás, aqui Ravel e Debussy se parecem, mais do que na música orquestral de ambos… E a Sonata do italiano Ottorino Respighi, obra relativamente pouco tocada, também merece o seu lugar ao sol. O encarte do álbum fala assim dela: a sonata robusta e expressiva, que equilibra com sucesso força emocional e substância musical, foi uma das várias boas obras que Heifetz retirou do anonimato: por anos ele foi o único violinista famoso a colocá-la no repertório dos seus recitais.

1-3. Debussy: Sonata para Violino e Piano em sol menor
4. Debussy: La fille au cheveux de lin (dos Prelúdios para Piano, transcrição A. Hartmann)
5-7. Respighi: Sonata para Violino e Piano em si menor
8. Ravel: Menuet (da Sonatina para Piano, transcrição L. Roques)
9-12. Ravel: Trio para Piano, Violino e Violincelo
13-14. Martinů: Duo nº 1 (Preludium – Rondo) para Violino e Violincelo, H 157

Recorded: 1950 (except track 8: 1947; tracks 13-14: 1964)
Jascha Heifetz – violin
Emmanuel Bay – piano (tracks 1-8)
Arthur Rubinstein – piano (tracks 9-12)
Gregor Piatigorsky – cello (tracks 9-14)

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Cuidado Monsieur Ravel, a cinza do cigarro vai cair nas teclas!

Pleyel

Franz Schubert (1797-1828): Quinteto para Cordas D 956 (Orpheus Quartet, P. Wispelwey)

Entre os melômanos mais dedicados existe um quase consenso de que a música de câmara permite aos compositores uma atenção aos detalhes – e aos ouvintes a audição transparente desses detalhes na voz de cada um dos instrumentos que se combinam – que fica impossibilitada nas obras para grande orquestra. Cada instrumento, em um trio ou quarteto, tem sua voz autônoma e elas ao mesmo tempo dialogam entre si, isso fica muito evidente desde as Trio Sonatas que surgem por volta do ano 1700, primeiro na Itália e logo depois na Alemanha de Händel e J.S. Bach. No classicismo vienense, o quarteto de cordas se torna o veículo principal para esse tipo de música, não sem relação com um certo ideal de equilíbrio entre as sonoridades dos instrumentos, equilíbrio que é justamente um dos fundamentos para a música da corrente iniciada por Haydn ser chamada classicismo – pois, para além do uso banal do tipo “são clássicos imortais”, o clássico na cultura ocidental envolve certas ideias de simetria, harmonia, ordem etc. que os românticos (e depois os modernistas) vão denunciar como uma ordem autoritária que atrapalha as fantasias e sonhos.

Eu gosto enormemente desse quinteto de Schubert, mais do que dos seus quartetos: não é um gosto racional, é uma daquelas obras que simplesmente tocam mais fundo em alguns de nós, mas, tentando interpretar esse gosto em termos racionais, diria que o quinteto mantém em certos momentos o diálogo transparente da música de câmara e em outros momentos dá uns passos em outra direção. Nessa obra, uma das últimas de Schubert, a transparência já não é completa: cinco instrumentos já estão bem no limite das nossas capacidades de acompanhar as melodias individuais, mas além disso os dois violinos e os dois violoncelos às vezes se fundem no agudo e no grave. Também gosto bastante, claro, do quinteto com piano e contrabaixo “A Truta”, mas aqui neste quinteto mais tardio em dó maior parece que essa mistura das vozes dá um toque diferente que também faz parte da transição entre o classicsmo vienense e a sensibilidade romântica. Sem falar em tantas melodias belíssimas, mas isso é chover no molhado em se tratando de Schubert.

Orpheus Quartet e P. Wispelwey fazem aqui uma interpretação mais contida do que outras que se ouve por aí. Esse quarteto teve uma carreira meteórica, encerrada após a morte precoce do seu primeiro violinista.

Franz Schubert (1797-1828): Quinteto para Cordas D. 956
I. Allegro ma non troppo
II. Adagio
III. Scherzo: Presto – Trio – Andante sostenuto
IV. Allegretto
Orpheus Quartet e Pieter Wispelwey
Recorded: Dutch Reformed Church, Kortenhoef, NL, june 1994

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Pieter Wispelwey

Pleyel

Fauré, Ravel, Debussy, Poulenc, Honegger, Vuillermoz: Fête Galante (K. Gauvin soprano / M.A. Hamelin, piano)

As descrições das semelhanças entre Claude-Achille Debussy (1862-1918) e Maurice Ravel (1875-1937) às vezes são pertinentes e às vezes são exageradas. É claro que os dois viveram na mesma cidade, se viram frequentemente e, até onde se sabe, admiravam-se mutuamente. Talvez seja nas obras para piano solo que as semelhanças entre os dois são mais profundas. Já nas obras vocais, tanto essas para cantora com piano, seja em peças mais amplas com acompanhamento orquestral, as diferenças ficam mais claras. Debussy era um admirador da poesia refinada de Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé e Pierre Louÿs, sendo amigo próximo deste último. Ele escreveu chansons sobre versos desses quatro poetas e, inspirado em Mallarmé, ainda fez o famoso Prélude à l’après-midi d’un faune. Obras cheias de sutilezas e de dissonâncias sedutoras, com uma certa tendência às imagens noturnas (o luar, as estrelas…), o que também aparece na sua única ópera. Nos três poemas de Louÿs extraídos do livro “As canções de Bilitis”, Debussy faz um arco dramático de referências pagãs e termina em tom de luto com versos como “os sátiros estão mortos e as ninfas também”. Louÿs, na época do lançamento do livro (1894), afirmava que os poemas foram encontrados nas paredes de uma tumba em Chipre, escritos por uma mulher da Grécia Antiga chamada Bilitis, uma contemporânea de Safo (a famosa poetisa lésbica). Após enganar o público e mesmo especialistas em antiguidades helênicas, anos depois Louÿs admitiu a pegadinha.

Já Ravel habita um mundo mais simples, menos melancólico, embora o piano de acompanhamento tenha semelhanças com o de Debussy e também com o de Gabriel Fauré (1845-1924), que aliás foi seu professor. As cinco melodias aqui gravadas são canções populares gregas. Assim como em outras de suas obras inspiradas pela Espanha e em seus dois concertos tardios inspirados no jazz, nas canções gregas mesmo os momentos mais lentos e pensativos são mais solares do que quase tudo de Debussy. O pianista aqui é Marc-André Hamelin, que mais recentemente tem gravado muitos discos pela Hyperion, incluindo obras de Debussy (aqui) e de Fauré.

Fête Galante
1-4. Gabriel Fauré: Mandoline, Clair de Lune, Aurore, En sourdine
5-9. Maurice Ravel: Cinq mélodies populaires grecques
10-12. Claude Debussy: Fêtes galantes (En sourdine, Fantoches, Clair de lune)
13-15. Claude Debussy: Trois chansons de Bilitis (La flûte de Pan, La chevelure, Le tombeau des Naïades)
16-23. Francis Poulenc: Métamorphoses, Deux poèmes de Louis Aragon, Trois poèmes de Louis Lalanne
24-29. Arthur Honegger: Saluste du Bartas
30-32. Emile Vuillermoz: Chansons populaires françaises et candiennes
Karin Gauvin (soprano), Marc-André Hamelin (piano)
Recorded circa 1999

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Debussy em pose relaxada, fumando com Zohra ben Brahim (amante de seu amigo Pierre Louÿs)

Pleyel