“Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, na noite de sexta para sábado, especialmente daquele lugar onde estávamos”, disse recentemente um medíocre e feio Primeiro-Ministro alemão logo após deixar o Brasil, onde passara alguns dias. O político de direita, que aliás é um ardente defensor da guerra em que o seu colega israelense Netanyahou bombardeia crianças aos montes, esse grande representante da civilização alemã também propôs retirar a cidadania alemã de pessoas que protestavam contra Israel.
Apenas uma breve recordação do tipo “assim caminha a humanidade”, momento no qual recordamos o horror que é a Europa, embora esse continente também tenha inventado coisas como o Quarteto de Cordas. Então voltemos nossos olhares para a música do latino-americano Alberto Ginastera. Nascido em Buenos Aires e tendo vivido os últimos anos em exílio quando a Argentina passava por ditaduras, Ginastera teve uma primeira fase mais nacionalista, com melodias folclóricas e ritmos de seu país, seguida por momentos mais experimentais e atonais que ele qualificou de “neo-expressionista” e, nos últimos anos de vida, uma espécie de síntese dessas fases. A trajetória recorda um pouco a de seu contemporâneo Francisco Mignone (1897-1986).
O primeiro quarteto é da fase mais claramente nacionalista e as influências de Bartók também aparecem, só que o sotaque, ao invés de húngaro, é latino-americano. Em todo caso, não há citações diretas de música popular nesse concerto, embora as influências do caldeirão cultural argentino – às vezes recalcadas por gente que olha apenas para o lado europeu das origens, como aliás muita gente no sul do Brasil – estejam sempre lá, com frenéticos momentos que recebem indicações como “Allegro violento ed agitato” e “Allegramente rustico”.
Esse quarteto foi tocado na Alemanha – novamente esse país com tanta gente detestável mas um ou outro que prestam – em 1951, marcando o primeiro sucesso de Ginastera na Europa. Sua reputação mundial cresceu a partir dos anos 1960 com as óperas Don Rodrigo e Bomarzo, além dos concertos para piano (1961 e 1972) e os dois para violoncelo (1968 e 1981).
O segundo quarteto, ainda que com momentos de intensidade rapsódica, passeia por aventuras politonais e microtonais mais intensas. E no terceiro quarteto, na verdade um quinteto com a presença de uma voz de soprano, o compositor musicou poemas de três poetas espanhóis do século XX: Juan Ramón Jiménez, Federico García Lorca e Rafael Alberti.
A. Ginastera (1916-1983): Integral dos Quartetos de Cordas
String Quartet No. 1, Op. 20
I. Allegro Violento ed Agitato
II. Vivacissimo
III. Calmo e Poetico
IV. Allegramente Rustico String Quartet No. 2, Op. 26 (Revised Version)
I. Allegro Rustico
II. Adagio Angoscioso
III. Presto Magico
IV. Libero e Rapsodico
V. Furioso String Quartet No. 3, Op. 40
I. Contemplativo
II. Fantástico
III. Amoroso
IV. Drammatico
V. Di Nuovo Contemplativo
Logo após o falecimento do grande Jack DeJohnette, ouvi pela primeira vez um álbum gravado por ele com o saxofonista lá em 1977, com uma sonoridade bem típica do chamado ECM-jazz, nomeado por causa da gravadora que lançou dezenas de álbuns de um estilo que, em termos mais amplos, é jazz europeu, com menos ritmos dançantes do que o jazz americano, e às vezes se aproximando do new age, estilo que na época ainda estava começando a se configurar. A presença da bateria de DeJohnette faz toda a diferença aqui: quando as sonoridades baseadas no sax, no órgão elétrico e na discreta guitarra vão se encaminhando perigosamente próximas do “easy listening”, chega o baterista e adiciona pitadas de swing.
E essa descoberta me fez voltar para um álbum que já admiro há mais tempo, também com Garbarek, também com uma formação de instrumentistas que deixa espaços vazios: se no álbum Places não há baixista, no Mágico (gravado em 1979) não há bateria ou outras percussões, de modo que às vezes é Egberto Gismonti, com seu violão e piano, que está “batendo” os ritmos, porque o baixista Charlie Haden tem preocupações principalmente melódicas.
Em algumas páginas na internet o disco aparece com a autoria de Haden, com a participação de Gismonti e Garbarek. É um equívoco: se o nome do baixista aparece em 1° lugar na capa é muito mais por respeito à sua idade maior (ele já tinha passado dos 40) e seu currículo que incluía álbuns gravados com Ornette Coleman, Keith Jarrett, Alice Coltrane etc. O baixo não tem nenhum solo longo, no máximo trechos de um ou dois compassos em que os dois colegas param e Haden apresenta com beleza suas réplicas, para usar a metáfora comumente usada para o quarteto de cordas como um diálogo civilizado entre quatro indivíduos de igual importância, sem diferença de níveis hierárquicos. Enfim, fica mais do que evidente a ausência de um líder nesse trio.
Recomendo ouvir os dois discos no mesmo dia: eles se complementam de alguma maneira misteriosa. Ou não tão misteriosa assim, afinal os melódicos e lentos solos de sax têm um mesmo caráter mas a cama sonora e a paisagem é diferente. Em um disco o violão cheio de personalidade de Gismonti e o baixo também muito pessoal mas discreto de Haden, no outro os teclados e a bateria formando um tipo de teia sonora completamente diferente mas com conexões com aquele outro mundo do brasileiro nascido no interior do Rio de Janeiro e do norte-americano nascido no Midwest.
Petr Eben faz sua estreia hoje no PQPBach. Nascido na então Tchecoslováquia, viveu a maior parte da vida em Praga. Avesso à politização de sua música, teve pouca projeção em seu país até o fim do regime socialista em 1990, quando repentinamente raiou a liberdade (ou ao menos é o que diz a propaganda) e ele tornou-se um dos mais festejados compositores tchecos do século XX.
Suas obras incluem música coral, um belo concerto para piano e muita música para órgão, totalizando 5 CDs de “organ works” lançados pela Hyperion. E começamos hoje pelo final: o 5º disco, no qual o organista Halgeir Schiager se soma a um percussionista na 1ª obra – Paisagens de Patmos, baseada no livro do Apocalipse – e um trompetista na última obra – Okna, que em checo significa janelas .
Petr Eben (1929 – 2007): Landscapes of Patmos
1 Landscape with Eagle [3’44]
2 Landscape with Elders [3’30]
3 Landscape with Temple [6’30]
4 Landscape with Rainbow [2’43]
5 Landscape with Horses [6’57]
Okna “Windows”
12 Blue Window ‘Ruben’: Con moto [4’02]
13 Green Window ‘Issachar’: Andantino pastorale [5’05]
14 Red Window ‘Zebulon’, Risoluto e drammatico [5’19]
15 Golden Window ‘Levi’: Festivo [5’45]
Halgeir Schiager – organ
Jan Fredrik Christiansen – trumpet (tracks 12-15)
Eirik Raude – percussion (tracks 1-5)
organ of Hedvig Eleonora Kyrkan, Stockholm (Grölunds Orgelbyggeri, Gammelstad, 1975-76)
Hoje é (talvez) o aniversário de Beethoven e temos uma daquelas promoções: três CDs pelo preço de um. São gravações grandiosas, cheias de energia, acordes monumentais, desenvolvimentos e resoluções tonais enfáticas. Os pianistas Claudio Arrau e Emil Gilels eram grandes autoridades no assunto Beethoven mais ou menos entre as décadas de 1940 e 1980, assim como o maestro Otto Klemperer, um pouco mais velho que eles.
Arrau e Klemperer tiveram em comum a longevidade: ambos passaram muitas décadas viajando pelo mundo com esse repertório do compositor de Bonn. Com Klemperer, descobri recentemente, houve um fato curioso: por volta de 1940 ele foi diagnosticado com um tumor cerebral, passou por cirurgias arriscadas e muitos achavam que ele estava à beira da morte. Acontece que, após alguns anos afastado, na década de 1950 ele voltou triunfalmente aos palcos e às gravações, principalmente com a Philharmonia em Londres, e essas gravações ao vivo com Arrau são da época desse retorno com pompa e circunstância do antigo assistente de Mahler. Klemperer, que alguns já descartavam como um velhinho com um pé na cova, ainda gravaria, anos depois e com a mesma orquestra, a integral das sinfonias de Beethoven (tá tudo disponível no blog aqui).
Gilels morreu não tão velho assim, quando estava quase completando sua integral de gravações das sonatas pela Deutsche Grammophon. Mas essas gravações que trago aqui são mais antigas, mostram o jovem Gilels e, salvo engano, são todas ao vivo. No Trio Arquiduque ele está muito bem acompanhado de seus compatriotas M. Rostropovich e L. Kagan. Uma curiosidade que li recentemente: esse trio, com difíceis partes para o piano, foi a última obra tocada em público por Beethoven, em 1814, quando a sua surdez já progredia bastante. As obras posteriores para piano, como a Sonata op. 110 (de 1821) gravada aqui por Arrau, ou foram tocadas pelo compositor apenas para amigos muito próximos ou nem isso.
Ludwig van Beethoven (1770-1827):
CD1
1-3. Concerto para Piano No. 3 em Dó Menor, op. 37
4-6. Concerto para Piano No. 4 em Sol maior, op. 58
CD2
1-3. Concerto para Piano No. 5 em Mi b maior, op. 73
4-5. Sonata para Piano No. 24, op. 78 ‘A Thérèse’
6-9. Sonata para Piano No. 31, Op. 110
Claudio Arrau, piano
Philharmonia Orchestra, Otto Klemperer
Recorded: Royal Festival Hall, London, 1957 (Concertos) / Abbey Road Studio, 1957-58 (Sonatas)
Ludwig van Beethoven (1770-1827):
1-3. Sonata para Piano No. 23, op. 57 “Appassionata”
4. 04. 32 Variações em Dó Menor, WoO 80
5-8. Trio op. 97 “Archduke”
Emil Gilels, piano
Leonid Kogan, violino / Mstislav Rostropovich, violoncelo
Gravado em: Florença, 1951 (Sonata) / Moscou, 1946 (Variações) / Moscou, 1956 (Trio)
P.S. aproveitei a ocasião para reativar os links de outras gravações antológicas de obras de Beethoven:
A integral das sonatas para piano que Claudio Arrau gravou para a Philips na década de 1960 (aqui).
E a famosíssima gravação das cinco sonatas para piano e violoncelo por Richter e Rostropovich, também pela Philips (aqui)
Postagem original de 2018
Quando se trata de música clássica, a forma mais fácil de agradar os ingleses é com grandes sonoridades. Eles gostam de juntar centenas de vozes pra cantar o Messias de Haendel todos os anos. Gostam de encher de gente a Abadia de Westminster para ouvir o órgão e cantar em homenagem à rainha [hoje: rei].
O pianista inglês Peter Donohoe é desses. Ano passado, ele tocou no Rio de Janeiro os Vinte olhares sobre o menino Jesus, de Messiaen, foi uma experiência indescritível, uma das grandes obras para piano do último século, extremamente virtuosa e com essa sonoridade grandiosa, sem medo de fazer barulho, que é a marca de Donohoe.
No encarte deste disco, Donohoe argumenta que Prokofiev, assim como Bartók e Stravinsky, não desprezavam o som cantabile do piano, como pensam alguns; mas esses compositores também não desprezavam o uso de outros timbres, notavelmente os percussivos. Donohoe respeita estritamente as indicações de Prokofiev, das quais a mais característica é o non legato, em que as notas soam separadas, e ao mesmo tempo o pianista parece se empolgar nos acordes cheios, nas oportunidades de criar essas grandes sonoridades tão tipicamente russas e inglesas.
As sonatas de guerra de Prokofiev foram compostas a partir de 1939, após um jejum de 16 anos sem compor sonatas para piano, e formam um grupo à parte na sua carreira.
Sobre a 6ª sonata, Sviatoslav Richter disse: “A clareza estilística e a perfeição estrutural dessa música me impressionaram. Eu nunca tinha ouvido algo assim. Com audácia o compositor rompeu com os ideais do Romantismo e introduziu em sua música o pulso terrível da música do Século XX.”
A sonata nº 7 é a mais famosa das três. Alguns lhe dão o apelido “Stalingrado”, por ter sido composta e estreada na época da famosa batalha da 2ª Guerra, e por sua atmosfera apressada e tensa, especialmente no último movimento, ‘Precipitato’, com seu ritmo frenético.
A sonara nº 8 é mais lenta, lírica, com indicações de tempo como ‘Andante dolce’, ‘Allegro moderato’ e ‘Andante sognando’. Para Richter, é a mais complexa das sonatas de Prokofiev, cheia de contrastes.
As sonatas de guerra de Prokofiev são da mesma década que os 20 olhares de Messiaen. À primeira vista são dois compositores completamente diferentes, com visões de mundo diferentes, mas não é que, pianisticamente, se aproximam? Os dois fazem uso de recursos técnicos parecidas, de um virtuosismo extremo e de uma linguagem que não se preocupa em saber se é tonal ou atonal.
A grande diferença entre Prokofiev e Messiaen talvez seja o fato de que o primeiro abraçou, com uma linguagem moderna, as formas tradicionais, enquanto o segundo as considerava relíquias de museu:
O.Messiaen: Pessoalmente, não acredito na “forma concerto”, (…) as obras-primas que conheço no gênero são os concertos para piano de Mozart. Todos os outros me parecem falhos, apesar de duas ou três passagens muito belas no concerto de Schumann ou nos de Prokofiev.
C.S.: Esse ataque ao concerto para piano não se direciona a todas as formas clássicas? Você não tem muita afeição pela sonata tradicional ou pela sinfonia…
O.M.: Como todos meus contemporâneos.
C.S.: Digamos alguns dos seus contemporâneos. Por que motivo?
O.M.: Sinto que essas formas estão “terminadas”. Assim como não se pode escrever uma ópera Mozarteana hoje em dia, é impossível escrever, como Beethoven, um primeiro movimento de sinfonia com um tema que diz “Eu sou o tema”, e retorna após o desenvolvimento afirmando “Olha eu aqui de novo, você me reconhece?”
(Olivier Messiaen Music and Color – Conversations with Claude Samuel)
Messiaen falava de um ponto de vista das vanguardas de Paris ou de Viena. De fato, Schoenberg, Stravinsky (russo emigrado), Villa-Lobos, Boulez não se destacaram nas formas Sinfonia, Concerto e Sonata, ainda que tenham escrito algumas.
Faltou combinar com os russos, como diria Garrincha. Bem longe dessas vanguardas europeias, como dito por Proust que citei no post anterior, havia compositores criando “música russa e simples”, em que as formas clássicas ainda eram relevantes. Não por acaso, as sinfonias, concertos e sonatas para piano contam entre as obras mais importantes e mais tocadas até hoje de Rachmaninoff (3 sinfonias, 4 concertos, 2 sonatas), Prokofiev (7 sinfonias, 5 concertos, 9 sonatas) e Shostakovich (15 sinfonias, 2 concertos, 2 sonatas).
Nas sonatas de Prokofiev observamos temas principais com cara de tema principal, segundos temas com cara de segundo tema, desenvolvimentos e reexposições, codas com cara de coda… Mas nem sempre. Tem vezes em que ele inova. E mesmo quando segue a cartilha, é com uma linguagem própria, um humor e um lirismo que consistem na sua originalidade. Nas palavras de Stravinsky, outro russo: “quanto mais limitações nos impomos, mais nos libertamos”.
Sergei Prokofiev (1891-1953) Sonata nº 6 em lá maior, Op. 82
1. I Allegro moderato
2. II Allegretto
3. III Tempo di valzer lentissimo
4. IV Vivace
Sonata nº 7 em si bemol maior, Op. 83
5. I Allegro inquieto-Andantino
6. II Andante caloroso
7. III Precipitato
Sonata nº 8 em si bemol maior, Op. 84
8. I. Andante dolce – Poco più animato – Allegro moderato – Tempo I – Andante – Andante dolce, come prima – L’istesso tempo – Allegro
9. II. Andante sognando
10. III. Vivace – Allegro ben marcato – Vivace come prima
Mendelssohn não está entre os meus 10 ou 15 compositores favoritos. Não só isso: como alguém que ouve muita música para piano, associo o compositor às belas e suaves miniaturas Romances sem palavras, que ele publicou em diferentes momentos da vida e eram populares na Inglaterra vitoriana, entre outros contextos de um certo conservadorismo musical de gente rica. Essa impressão combina ainda com a sua célebre Marcha Nupcial, presente em 9 a cada 10 casamentos, e combina parcialmente com as suas sinfonias.
Enfim, a imagem de um compositor muito competente, especialista em J.S. Bach – de quem ele salvou certas obras do esquecimento na sua época – e, assim como Bach, às vezes menos ousado do que outros contemporâneos seus. Parênteses aqui para lembrar que o grande, imenso Bach evitava temas de amor romântico nas suas obras vocais e uma das poucas obras com pitadas de polêmica é a Cantata do Café. Voltemos a Mendelssohn: algumas obras dos anos 1840, última década do compositor, mostram um estilo tardio em que finalmente o compositor soa mais ousado e se entrega a arroubos de romantismo mais intenso. Também é o período em que ele deixou crescer uma barbade gosto duvidoso para os dias de hoje, mas até nisso ele estava ousando: antes um gosto duvidoso do que a caretice-de-classe-média da Marcha Nupcial, não é mesmo?
Entre essas obras do estilo tardio: o Trio nº 2 (1845) e, em menor medida, já o Trio nº 1 (1839). Também o famoso Concerto para Violino em Mi menor (1844), incomparavelmente mais denso e emocionante do que os tediosos concertinhos para um e para dois pianos dos anos anteriores. E o seu último Quarteto de Cordas (1847), de nº 6, que é a peça que abre esse disco. Uma abertura enérgica, cheia de suspense, como aliás também o são os movimentos iniciais dos Quartetos nº 4 e 5 e dos seus Trios.
O livreto deste álbum explica alguns detalhes dos últimos meses de vida de Mendelssohn, após perder a sua irmã Fanny, vítima de um derrame – hoje em dia mais conhecido como AVC -, mesma causa que levaria à morte de Felix, um caso evidente de predisposição genética na família… A morte de sua irmã mais velha ocorreu quando Felix Mendelssohn já se encontrava exausto com turnês e outras atividades: o inglês Henry Chorley, que o visitou em agosto de 1847, descrevia o compositor como um homem precocemente envelhecido e já prevendo a própria morte ao comentar sobre as obras da Catedral de Köln que haviam reiniciado em 1842: “alguma obra minha ser cantada na inauguração da Catedral, que honra! Mas eu não viverei para ver isso”, teria dito Mendelssohn com uma expressão de cansaço.
Joseph Joachim (1831-1907)
Apesar desse cansaço e pessimismo, Mendelssohn teve forças para completar o seu último quarteto de cordas, o de nº 6, que foi ouvido primeiro em uma audição privada em outubro de 1847 e estreou em público em 1848, quando Mendelssohn já havia falecido. No primeiro violino o jovem Joseph Joachim (1831-1907), pupilo de Mendelssohn que estrearia ainda inúmeras obras como o Concerto de Brahms e a 2ª Sonata para violino de Schumann.
O encarte do álbum diz ainda: nem Schumann, que dedicará a Mendelssohn seus três quartetos op. 41, nem Brahms ousarão tais condessões nos seus quartetos de cordas. Apenas no século seguinte, com a Suíte lírica de Alban Berg e as Cartas íntimas de Janácek, surgirão quartetos tão autobiográficos.
Felix Mendelssohn (1809-1847):
1-4. Quarteto de cordas nº 6, em fá menor
5-8. Quarteto de cordas nº 4, em mi menor
9-12. Quarteto de cordas nº 5, em mi bemol maior
Quatuor Van Kuijk: N. van Kuijk (vln.), S. Favre-Bulle (vln.), E. François (vla.), A. Kondo (cello)
Recorded: 2022, Arsenal de Metz, France
Entre 1899 e 1903, Béla Bartók estudou na Real Academia de Música de Budapeste. Mas o principal aprendizado foi de 1908 a 1914 quando se dedicou a estudar e coletar melodias folclóricas húngaras, romenas e de vários outros povos da Europa do leste. A outra grande influência de Bartók, especialmente para sua música orquestral, foi Claude Debussy: menos no que se refere à busca por sonoridades únicas (mas também um pouco nisso) e sobretudo pela quebra que Debussy faz na narratividade musical da música romântica. O tipo de desenrolar não linear de cenas como no Fauno, em La Mer e nos Noturnos, que buscam evitar os desenvolvimentos grandiosos rumos aos céus tão típicos da música austro-germânica (Beethoven, Wagner, Bruckner, Mahler, Strauss). Isso tudo foi absorvido tanto por Bartók como por Stravinsky, lembrando aliás que estes dois nasceram a um ano de distância. Então há diversos momentos no Mandarim de Bartók em que as viradas e paradinhas orquestrais nos fazem crer que estamos ouvindo algo de Debussy ou de Stravinsky.
Nesta gravação, com o compositor Bruno Maderna regendo a orquestra de Mônaco, não temos tutti orquestrais tão impactantes quanto os de Boulez/Chicago (aqui), Rattle/Birmingham (aqui) ou Salonen/Los Angeles (aqui), o destaque aqui fica com os vários momentos solos dos sopros: oboé, fagote… Além das percussões e outros detalhes da composição do jovem Bartók que, aliás, gerou um pequeno escândalo na época pela temátca escandalosa que envolvia prostituição e crimes.
Na Sonata para Dois Pianos e Percussão, o estilo é mais fortemente característico de Bartók. Composta em 1937 e estreada em 38 pelo compositor e sua esposa como pianistas – portanto, doze anos após a estreia do Mandarim que foi composto entre 1918 e 24 -, ela tem elementos já desenvolvidos em obras como Out of doors (1926, aqui) e os Concertos para Piano nº 1 e 2 (1926 e 1931, aqui), como os momentos percussivos dos pianos e o uso de clusters (várias notas próximas tocadas ao mesmo tempo). A pianista Geneviève Joy era uma especialista na música do século XX: basta dizer que ela estreou a belíssima sonata para piano de Henri Dutilleux.
Béla Bartók (1881-1945):
1. O Mandarim Miraculoso
2-4. Sonata para dois pianos e percussão
5. Suíte de Danças (Maderna, Monte Carlo / Joy, Robin, Casadesus, Drouet)
Orchestre National de l’Opéra de Monte-Carlo, Bruno Maderna (faixas 1, 5)
Pianos: Geneviève Joy, Jacqueline Robin (faixas 3-5)
Percussão: Jean-Claude Casadesus, Jean-Pierre Drouet (faixas 3-5)
Ninguém é tão pessoal quanto Scarlatti: as únicas regras que ele obedece são as suas próprias. Chegando em Portugal com 34 anos, ele era ainda um compositor convencional à sombra do seu famoso pai, mas já reconhecido como um virtuose excepcional do cravo e do órgão. Mas a descoberta de novas culturas teve sobre ele um efeito renovador… Nas suas sonatas, tudo pode se confrontar e se misturar. Dança, retórica, teatro, exotismo, prática instrumental, tradições eruditas e populares se articulam e dão origem a simbioses e experiências.
(Adaptado das contracapas dos discos)
Giuseppe Domenico Scarlatti (Nápoles, 26 de outubro de 1685 — Madrid, 23 de julho de 1757) nascia há exatos 340 anos, alguns meses após os nascimentos de J.S. Bach e de G.F. Händel em terras alemãs. É uma coincidência impressionante o nascimento desses três compositores que, entre outras obras, tanto escreveram para os instrumentos de teclado, dos quais o cravo tinha a predominância em ambientes seculares e o órgão, nas igrejas. Então celebremos hoje a vida de Domenico, vida longa para a nossa sorte, pois ao contrário de tantos gênios precoces (Mozart, Chopin, Scriabin) ele produziu a maior parte de sua obra depois dos 40 anos e provavelmente mesmo depois dos 60.
O cravista Pierre Hantaï é um velho conhecido do pessoal aqui do blog, principalmente pelas suas gravações de J.S. Bach (aqui, aqui, aqui, entre muitos outros CDs). Aqui, como em outras gravações, ele utiliza instrumentos de sonoridades um tanto delicadas, cheias de nuances às vezes suaves, diferentes dos cravos que se ouvia mais nas décadas de 1950 a 80, quando o som do instrumento era mais estridente e combinava mais com trilhas de filmes de terror do que com melodias folclóricas espanholas e napolitanas. Não dá pra dar todo o crédito ao instrumentista francês, é claro, pois a preparação do instrumento envolveu outras pessoas: nas últimas décadas os afinadores e outros técnicos especializados passaram a conhecer muito melhor esses instrumentos após o seu ocaso de cerca de 200 anos.
Uma curiosidade sobre a música de Scarlatti é o quanto ela, com diversas melodias de caráter popular, era admirada por Béla Bartók que, como sabemos, além de compositor era também um dedicado estudioso de expressões musicais folclóricas. Como um pintor que escolhe expor os seus quadros ao lado daqueles de poucos mestres selecionados a dedo, quando Bartók tocava piano em público, era quase certo que algumas sonatas de Scarlatti estariam presentes, como relata a biografia Béla Bartók, por József Ujfalussy:
One striking feature of his recitals is that the works performed were, apart from his own compositions and those of Kodaly, mainly sonatas by the eighteenth-century composer, Scarlatti, and selections from Debussy’s Preludes. (…)
In 1911, he played works by Scarlatti, Couperin and Rameau at the concerts organized by UMZE; and in 1912 he wrote an article for Zenekdzlony on ‘the performance of works written for the clavecin’.
The concert he gave in Szeged [Hungary] in November 1921 (…) At this concert he played works by Scarlatti and Kodaly and also some of his own songs and piano compositions.
Domenico Scarlatti (1685-1757):
100 Sonatas (6 CDs)
Pierre Hantaï, cravo
Os napolitanos Farinelli (centro) e Scarlatti (direita) segurando partituras na corte de Madrid, pelo pintor napolitano Jacopo Amigoni (1685-1752)
Pleyel
Este disco é o irmão do outro postado dias atrás também com cantatas para alto de J.S. Bach. Também aqui, o órgão tem espaço para brilhar, ao contrário da grande maioria das cantatas, na qual esse instrumento faz parte do continuo junto com outros como cravo, viola da gamba, violoncelo, alaúde, etc. O continuo, na música daquele período, não tinha uma instrumentação obrigatória: por exemplo, podemos imaginar que se um talentoso contrabaixista estava visitando a cidade ele se juntava ao grupo naquele dia em específico. Quando um instrumento era realmente obrigatório, usava-se a palavra obbligato, indicando que aquele instrumento é essencial, não devendo ser omitido nem substituído.
Esses dois discos gravados pelos ingleses Davies/Cohen/Arcangelo abrangem todas as cantatas de Bach para alto. Além das três estreadas em 1726 (BWV 35, 169, 170), há também a BWV 54, estreada em Weimar por volta de 1715, e a BWV 82 – Ich habe genug, uma das mais famosas cantatas. Esta última estreou em Leipzig para voz de baixo (1727), depois foi transposta para soprano (1731) e para alto (1747), o que mostra que ela já era popular na época. Tanto a BWV 54 como a 82, como aliás a grande maioria das cantatas de Bach, não têm sofisticados solos para órgão. Nelas, o órgão se funde com o violoncelo e outros instrumentos do continuo, o que apenas acentua o encontro raro e significativo da voz com o órgão naquelas três cantatas de 1726. Naquele momento, Bach “descobriu” os duetos de alto com órgão, descoberta comparável à “descoberta” do clarinete por Mozart e do tímpano por Haydn: um encontro do compositor já maduro com sons que o estimularam por mares nunca dantes navegados. Encontro influenciado por coincidências da vida, algo que os esotéricos talvez relacionariam a uma conjunção de estrelas e os religiosos poderia chamar de milagre.
IESTYN DAVIES countertenor
with CAROLYN SAMPSON soprano / JOHN MARK AINSLEY tenor / NEAL DAVIES bass-baritone
MARK WILLIAMS organ
ARCANGELO / JONATHAN COHEN conductor
Recorded in St Jude-on-the-Hill, Hampstead Garden Suburb, London, 2015
Dois discos pouco conhecidos de John Coltrane, discos com nome um tanto complicado de se pronunciar, mas a música não é complicada. O de 1965 é da fase em que Coltrane queria expandir seu quarteto e trouxe músicos adicionais incluindo o saxofonista Pharoah Sanders, mas o conjunto da obra é menos vanguardista do que outros discos dos últimos anos de vida de John Coltrane. E o de 1958 é da época em que Coltrane tocava frequentemente com Miles Davis, mas aqui o trompetista que divide a liderança do grupo é outro, Wilbur Harden (1924 – 1969). Harden toca também o flugelhorn, com seu som mais agudo que o do trompete. Os arranjos aqui são bem convencionais mas os solos… acho que geniais e impressionantes não são palavras inadequadas.
Wilbur Harden & John Coltrane: Tanganyika Strut
1. Tanganyika Strut – 9:57
2. B.J. – 4:32
3. Anedac – 5:12
4. Once in a While – 9:28
Recorded on June 24 and May 13 1958.
John Coltrane: Kulu Sé Mama
1. Kulu Sé Mama (Juno Sé Mama) (18:50)
2. Vigil (9:51)
3. Welcome (5:24)
John Coltrane — tenor saxophone
McCoy Tyner — piano (tracks 1, 3)
Jimmy Garrison — double bass (tracks 1, 3)
Elvin Jones — drums
Frank Butler — drums, vocals (track 1)
Pharoah Sanders — tenor saxophone, percussion (track 1)
Donald Rafael Garrett — clarinet, double bass, percussion (track 1)
Juno Lewis — vocals, percussion, conch shell, hand drums (track 1)
Recorded:
United Western Recorders, Hollywood, California, October 14, 1965 (track 1)
Van Gelder Studio, New Jersey, June 10-16, 1965 (tracks 2, 3)
Recentemente o nosso patriarca, guia e poço de conhecimento, ele mesmo, P.Q.P. Bach, o filho do homem, escreveu na caixa de comentários que gosta cada vez mais de Messiaen. E os pedidos dele, por aqui, são ordens. Então vamos de mais Messiaen, hoje com o pianista Håkon Austbø, um branquelo norueguês que, confesso, nunca vi um vídeo dele tocando e nem me lembro de ouvir falar em recitais dele, muito menos aqui no Brasil. Uma coisa, porém, é certa: as gravações dele das obras de Messiaen, sempre pela Naxos, são sempre de alto nível.
O piano de Messiaen deve muito às invenções de timbre de Debussy, assim como as suas harmonias e escalas também são em grande medida continuações da obra do francês que morreu quando Olivier Messiaen era um moleque de nove anos. Então faz sentido que as peças para dois pianos dos dois compositores apareçam juntas. Não que Messiaen seja simplesmente um imitador de Debussy. Um exemplo: os sinos que soam em vários momentos dessas Visões compostas e estreadas durante a 2ª Guerra Mundial… esses sinos, dizia eu, fazem os pianos soarem de modos às vezes brutais como um trovão vindo dos céus, lembrando às vezes os acordes de Rachmaninoff mais do que os de Debussy.
O nome de Ralph van Raat não me era familiar, mas ele também já gravou outros discos pela Naxos: obras de Frederic Rzewski, Charles Koechlin, Pierre Boulez, etc.
Claude Debussy (1862-1918):
En blanc et noir Olivier Messiaen (1908-1992):
Visons de l’amen
Ralph van Raat, Hakon Austbo – pianos
Recording: 6-8 July, 2010, Haitinkzaal, Amsterdam, The Netherlands
Wilhelm Kempff (1895-1991) foi um dos pianistas mais longevos e mais gravados do período após a 2ª Guerra: um dos poucos alemães sem passado de simpatia pelo partido nazista, foi o favorito da gravadora DG também por este motivo, mas é claro que havia outras razões… As suas sonoridades e andamentos mais suaves e tranquilos soavam, para muitos, como um alívio numa época em que grandes pianistas como V. Horowitz e S. Richter – além da então novata M. Argerich – gostavam de enfatizar os extremos de sangue, suor e lágrimas que impressionavam as plateias. Especialmente nas obras de Schumann, que, aliás, era um dos compositores favoritos desses três últimos pianistas que mencionei.
Kempff, então, era um pianista para paladares mais refinados, ele não enchia as suas sobremesas de açúcar, muito menos do hoje onipresente leite condensado. Isso pode ser bom ou ruim: muita gente ama e muita gente acha tediosa a sua integral de sonatas de Beethoven, mas talvez na primeira metade ele esteja mais no seu ambiente ideal (mais ou menos até a Sonata ao Luar ou a Pastoral, nº 14 e 15). O mesmo valeria para Schumann: as gravações que Kempff fez para a DG entre 1967 e 1974 têm sido relançadas em uma caixa de 4 CDs e eu diria que uma parte é excelente e outra é apenas mediana. A parte excelente é a que demanda do intérprete, justamente, menos paixões arrebatadoras. As Cenas Infantis são o destaque absoluto, com dedilhados de um grande mestre que conhece intimamente Robert Schumann, com quem já viveu muitas experiências. As outras obras dessa edição italiana são Papillons e Arabesque. Sem grandes dificuldades técnicas, são frequentemente tocadas por pianistas adolescentes porém, assim como os Noturnos de Chopin e o Arabesque de Debussy, permitem que um gigante como Kempff expresse várias coisas que, no final das contas, vão ser ignoradas pelos paladares menos refinados que só procuram grandes dificuldades técnicas e velocidades notáveis como em uma corrida de automóveis.
Robert Schumann (1810-1856):
1-13. 02. Kinderszenen (Cenas Infantis), Op. 15
14. Arabesque, Op. 18
15. Papillons (Borboletas), Op. 2
Wilhelm Kempff, piano
Recorded: Beethovensaal, Hannover, DE – 1967 (Papillons), 1971 (Kinderszenen), 1972 (Arabeske) BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Kempff ensaiando nos estúdios do PQP hall
Kempff também gravou Bach para a DG: duas suítes que muito agradaram ao colega René (aqui)
Nas partituras usadas há séculos na música de concerto ocidental, muita coisa é escrita e lida em termos bastante racionais: uma oitava é uma oitava, pausa é uma pausa… Na música tonal, é mais ou menos evidente a função de uma pausa, de uma oitava, de uma dissonância resolvida na tônica, etc. Mas quando se trata de timbre e orquestração, muitas vezes as intenções dos compositores podem ser misteriosas e relacionadas com fatos específicos das suas vidas. Mozart, por exemplo, escreveu para clarinete só quando já vivia em Viena: tanto o quinteto como o concerto foram compostos para um clarinete-baixo que poucos anos depois caiu em desuso, de modo que a versão publicada em 1801, transcrita para clarinete tradicional (mais agudo) é aquela que é tocada quase sempre até hoje. Já Haydn, por volta de 1795, quando já tinha composto mais de cem sinfonias e umas dez missas, resolveu incluir partes para tímpanos bem mais proeminentes na Sinfonia nº 103 e na Missa “em tempos de guerra”, como comentei aqui.
J.S. Bach, ao escolher os instrumentos e vozes humanas para suas obras, também seguiu caminhos muitas vezes misteriosos. Ninguém tem certeza do que ele quis dizer com “flauti d’echo” no seu 4º Concerto de Brandenburgo: essa expressão não é usada em qualquer outra obra. Harnoncourt entendia que eram duas flautas doces tocando afastadas dos outros músicos, criando um efeito de eco, já outros especialistas chegaram a outras conclusões.
Outro mistério: por que, na sua coleção de mais de 200 obras vocais que, em sua maioria, misturam movimentos corais com árias para solistas*, Bach compôs três obras para alto com órgão obbligato estreadas em Leipzig em três domingos entre julho e outubro de 1726?
* No século XIX, quando foram editadas, as obras que não se encaixavam como “Paixão”, “Missa”, “Magnificat” ou outra categoria foram classificadas sob o guarda-chuva “Cantata”: essa provavelmente não era a palavra mais usada por Bach. Também data do século XIX a numeração dos “BWV”, que é mais ou menos arbitrária: tirando a ordem da reedição no século XIX, não há qualquer motivo para a cantata de BWV 35 (estreada em setembro de 1726) ter numeração distante das 169 (outubro de 1726) e 170 (julho de 1726).
São poucas as informações sobre os solistas que Bach tinha à disposição nas igrejas onde trabalhava. A hipótese de que, naquele ano, Bach se entusiasmou com a voz de um cantor é apenas isso, uma hipótese sem se apoiar em outros documentos além dessas cantatas. E o motivo para Bach ter escrito complicadas partes para órgão tampouco é claro. Apenas podemos imaginar que, na cabeça do mestre de Leipzig, os sons do órgão combinavam especialmente com a voz de alto (correspondente às contraltos e mezzo-soprano, para as mulheres, e, para os homens, ao contratenor e ao haute-contre no barroco francês).
JOHANN SEBASTIAN BACH (1685 –1750)
Gott soll allein mein Herze haben BWV 169 [22’59]
1 Sinfonia [7’23]
2 Arioso e Recitativo Gott soll allein mein Herze haben [2’48]
3 Aria Gott soll allein mein Herze haben [5’45]
4 Recitativo Was ist die Liebe Gottes? [0’48]
5 Aria Stirb in mir [4’33]
6 Recitativo Doch meint es auch dabei [0’28]
7 Choral Du süße Liebe, schenk uns deine Gunst [1’11]
HEINRICH SCHÜTZ (1585 –1672)
8 Erbarm dich mein, o Herre Gott SWV447 [4’00]
DIETERICH BUXTEHUDE (c. 1637–1707)
Klag-Lied BuxWV76b [13’03]
9 Verse 1 Muss der Tod denn auch entbinden [1’48]
10 Verse 2 Unsre Herzen sind die Väter [1’50]
11 Verse 3 Solcher ist mir auch gewesen [1’50]
12 Verse 4 Dieser nun wird mir entrissen [1’47]
13 Verse 5 Und dass er nun den empfangen [1’50]
14 Verse 6 Er spielt nun die Freuden-Lieder [1’50]
15 Verse 7 Schlafe wohl, du Hochgeliebter [2’04]
JOHANN SEBASTIAN BACH (1685 –1750)
Geist und Seele wird verwirret BWV35 [25’08]
16 PART I Sinfonia [5’02]
17 Aria Geist und Seele wird verwirret [7’38]
18 Recitativo Ich wundre mich [1’34]
19 Aria Gott hat alles wohlgemacht [3’18]
20 PART II Sinfonia [3’12]
21 Recitativo Ach, starker Gott [1’16]
22 Aria Ich wünsche nur bei Gott zu leben [3’06]
IESTYN DAVIES countertenor
with CAROLYN SAMPSON soprano / JOHN MARK AINSLEY tenor / NEAL DAVIES bass-baritone
TOM FOSTER organ
ARCANGELO / JONATHAN COHEN conductor
Recorded in St Jude-on-the-Hill, Hampstead Garden Suburb, London, 2020
Mais um disco em que Barbara Strozzi, junto dos seus contemporâneos, se mostra mais delicada, mais surpreendente, menos previsível. Já tinha acontecido aqui. Este disco ganhou boa parte dos prêmios que poderia ter ganho na mídia inglesa em 2022 e 2023: para a revista da BBC, a voz de Charlston é cheia como um bom vinho rosé, e altamente expressiva, mergulhando nos textos com variedade de timbres… Para a Gramophone, que deu o prêmio de “Concept Album of the Year”, a inteligência do programa é do mesmo nível que sua execução – legatos bem feitos, mudanças de tom que capturam os monólogos de Strozzi e Monteverdi.
A essas resenhas, acrescento a minha apreciação pela gravação: realizada dentro de uma igreja na Escócia, com uma acústica que faz os sons ressoarem um pouco, mas não excessivamente. Assim, nas finalizações de frases, temos o balanço perfeito entre o tom íntimo dos lamentos e certo aspecto um pouco mais grandioso do que o conceito mais moderno de intimidade em um quarto burguês… Ou seja, o ambiente soa perfeitamente adequado para essas obras que datam, em sua maioria, do período inicial do barroco.
Barbara Strozzi (1619-1677), Henry Purcell (1659–1695), Claudio Monteverdi (1567–1643) et al: Árias (Helen Charlston, mezzo-soprano / Toby Carr, theorbo)
1 O lead me to some peaceful gloom
Composed By – Henry Purcell
2:58
2 L’Eraclito Amoroso
Composed By – Barbara Strozzi
5:55
3 Prélude
Composed By – Robert de Visée
1:25
4 Restless In Though
Composed By – John Eccles
4:24
Dido’s Lament
Composed By – Henry Purcell
(3:57)
5 Thy Hand, Belinda
6 When I Am Laid In Earth
Battle Cry
Composed By – Owain Park
(16:51)
7 Boudicca
8 Philomela In The Forest
9 A Singer’s Ode To Sappho
10 Marietta
11 Preludio V
Composed By – Giovanni Girolamo Kapsberger
1:04
12 La Travagliata
Composed By – Barbara Strozzi
4:42
13 Lamento D’Arianna
Composed By – Claudio Monteverdi
9:03
14 Sarabande
Composed By – Robert de Visée
2:12
15 An Evening Hymn
Composed By – Henry Purcell
4:42
O lead me to some peaceful gloom / L’Eraclito Amoroso / Prélude / Restless In Though / Dido’s Lament / Battle Cry
/ Preludio V / La Travagliata / Lamento d’Arianna / Sarabande / An Evening Hymn
Helen Charlston, mezzo-soprano
Toby Carr, theorbo
Recorded on 29-30 October and 1 November 2021 in Crichton Collegiate Church, Midlothian, Scotland, UK
Ronald Brautigam, pianista holandês, é um dos grandes pianistas do século XXI. Há algum tempo ele se especializou nos pianofortes (ou fortepianos) construídos como réplicas de intrumentos antigos. Após anos tocando esses instrumentos, ele tem a intimidade, a experiência para saber o que soa bem e o que soa mal nos fortepianos.
Ele gravou uma integral de Beethoven na qual o primeiro CD se inicia com a Sonata Patética (Sonata No. 8 em Dó menor, Op. 13) que começa logo com acordes tão marcantes e com som tão profundamente diferente de um piano Steinway que milhares de ouvintes já se apaixonaram nos primeiros segundos. Logo após esse pacotaço de Beethoven, Brautigam retornou a Mozart, de quem ele já tinha gravado a integral das sonatas, lançamento do ano 2000 que não teve tanta aclamação quanto o seu Beethoven.
A gravação dos concertos foi feita com mais calma e os discos foram sendo lançados separados: alguns já foram postados por FDP Bach. Neste aqui, gravado em Köln em 2012 e lançado em 2014, Brautigam utiliza uma réplica de instrumento feito por Anton Walter (circa 1795). Mozart comprou em 1782 um pianoforte de Walter, que já era um fabricante e vendedor respeitado em Viena desde 1778.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791):
Concerto para Piano nº 18, K 456
Concerto para Piano nº 22, K 482
Ronald Brautigam, fortepiano (after Walter circa 1795)
Die Kölner Akademie, Michael Alexander Willens
Cadenzas: W. A. Mozart (K 456); R. Brautigam (K 482)
PS: Estes discos de Mozart também tiveram os links consertados: Quintetos K 515 e 516 – Talich Qt. (aqui) / Piada musical, K.522 – Barshai, Moscow (aqui)
É mais difícil escrever sobre música instrumental do que música com letra, é mais difícil escrever sobre música improvisada do que sobre música com estrutura bem determinada. É bastante difícil para mim falar sobre Hermeto Pascoal, também por esses motivos, além da sua carreira de camaleão nordestino de berço, carioca nos últimos anos por adoção e universal por vocação. Após o recente fim da sua longa e produtiva vida, vi um portal de notícias dizer que Hermeto deixou “um legado de 75 anos dedicado ao jazz, samba e forró” e em um primeiro momento fiquei puto: forró, samba, é assim que estão rotulando o Hermeto? Mas umas horas depois, dou o braço a torcer. É difícil escrever sobre Hermeto pela caleidoscópica mistura de sons que suas bandas fizeram, mas por outro lado talvez seja fácil: qualquer coisa que se disser vai ter um fundo de verdade. Sim, ele também fez forró.
Na verdade ele já cantou a pedra há muito tempo, em uma entrevista lá em 1972 para a revista Rolling Stone: Eu não gosto de dizer que faço um tipo de música. Porque eu faço questão de não fazer só um tipo de música. Eu quero fazer tudo: baião, rock, jazz, tudo sem uma intenção premeditada de fazer uma coisa específica. Depois ninguém vai dizer que o Hermeto tem um conjunto de baião ou de rock, todo mundo vai dizer que o Hermeto tem um conjunto de música, que para mim é o mais importante. (clique abaixo para expandir)
Então, constatando que tudo que se escreve sobre o bruxo tem boa chance de descrever em alguma medida a sua música, me atrevo a escrever sobre Hermeto Pascoal. Nos seus últimos anos ele manteve uma banda fixa com fiéis escudeiros que já tinham uma comunicação telepática com ele. Aliás, nos anos 1980 a banda também era espetacular, com destaque para o flautista e multiinstrumentista Carlos Malta, como vemos nesse disco postado mais abaixo. Mas voltemos aqui para o Hermeto já octogenário: vi dois shows desse seu último grupo. O primeiro eu vi de perto e me lembro que o solo de chaleira era o momento mais marcante para o público, aquele instante em que se impressionavam e se uniam em atenção unânime tanto os melômanos mais dedicados como o pessoal que estava por acaso naquele evento e sabia bem mais ou menos quem era o velhinho barbudo no palco. Ele tinha esse caráter do absurdo, do exótico que encanta quem normalmente não se preocupa com música instrumental. E quem se preocupa também se encantava com ele, nem preciso explicar os por quês, né?
O segundo show acabou sendo o último dele no Brasil, três meses atrás, no Circo Voador, junto aos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro. Show gratuito e lotadíssimo, não consegui entrar mas, colado à grade externa, foi possível ouvir tudo e ver uns 30% do palco, a parte da esquerda, sobretudo o pianista André Marques. Alguns solos, mesmo sem ver, eram óbvios: de bateria, de sax, etc. E nos momentos mais estranhos e absurdos, era evidente que o bruxo estava tocando. Deixo abaixo esse simplório vídeo que registra mais o ambiente do que a música, mas não deixa de ser histórico esse registro de nove segundos do último show da banda de Hermeto Pascoal no Rio, com gente na fila abaixo dos Arcos até o fim do show tentando entrar.
Terminado esse relato – no qual realmente não consigo botar em palavras as experiências desses dois shows de Hermeto, incompetência que espero justificada – deixo aqui um dos seus discos mais importantes, cheio de improvisos e de sons do cotidiano pois, como dizia Hermeto, “as coisas que fazem parte do meu dia a dia é que ditam meu som”. Em dois momentos do disco, trechos de locutores de futebol servem de base para a música. Aliás, para situar melhor aquele dia na Lapa: poucos minutos antes do início do show, eu chegava atrasado pela Rua Riachuelo e via, em um bar, botafoguenses pularem no momento do gol do Botafogo contra o PSG. Então os torcedores do glorioso podem guardar isso na memória: no mesmo dia dessa vitória improvável, a última aparição em um palco brasileiro desse músico, arranjador e compositor profundamente improvável, nascido em 1936 no município do agreste alagoano que dá nome ao disco.
Hermeto Pascoal e grupo: Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca (1984)
Lado A
1. Ilza na feijoada (Hermeto Pascoal)
2. Santa Catarina (Hermeto Pascoal)
3. Tiruliruli (Osmar Santos)
4. Papagaio alegre (Hermeto Pascoal)
5. Vai mais, garotinho (José Carlos Araújo) / decisão do campeonato nacional 1984
6. Monte Santo (Hermeto Pascoal e João Bá)
Lado B
1. Spock na escada (Hermeto Pascoal)
2. Mestre Radamés (Hermeto Pascoal)
3. Aquela coisa (Hermeto Pascoal)
4. Frevo Maceió (Hermeto Pascoal)
5. Desencontro certo(Hermeto Pascoal)
Joyce Arleen Auger foi uma cantora especialmente associada ao repertório vienense: Mozart, Haydn e também este álbum de Schubert gravado mais para o fim da sua vida que, infelizmente, não foi muito longa. Tampouco foi longa a vida de Franz Schubert, mas foi povoada por incontáveis melodias. O compositor Aaron Copland, em seu livro What to listen to in music, chama atenção para a gigantesca produção de Schubert como reflexo de sua personalidade como compositor, bastante diferente da de Beethoven. Isso não diminui a grandeza de Schubert, apenas o posiciona historicamente como alguém que vivia o comecinho do que entendemos como Romantismo em música e tinha certas diferenças em relação ao seu contemporâneo Beethoven, embora Schubert tivesse enorme admiração pelo alemão falecido em Viena um ano antes dele:
O tipo que mais tem fascinado a imaginação pública é o do compositor de inspiração espontânea – em outras palavras, o tipo Franz Schubert. Todos os compositores, naturalmente, são inspirados, mas esse tipo é o de inspiração mais fácil. A música parece jorrar de cada um deles. Muitas vezes, eles não são capazes de anotar as ideias na rapidez em que elas lhe ocorrem. Esse tipo de compositor pode ser identificado pela abundância da sua produção. Em certas épocas, Schubert escrevia uma canção por dia …
Invariavelmente, eles trabalham melhor nas formas mais curtas. É muito mais fácil improvisar uma canção do que improvisar uma sinfonia.
Beethoven simboliza o segundo tipo – o tipo construtivo, como se poderia chamar. Beethoven não era absolutamente um compositor ao estilo de Schubert, bem-amado da inspiração; era obrigado a seguir o caminho mais longo, começando com um tema, transformando-o em uma ideia germinal, e construindo em cima disso uma obra completa, em um trabalho diário e exigente. Desde os dias de Beethoven, esse tipo de compositor tem se revelado o mais comum. (A. Copland, trad. L. P. Horta)
Franz Schubert (1797-1828):
1. Gretchen am Spinnrade, Op. 2, D. 118
2. Heidenröslein, Op. 3.3, D. 257
3. Lieb Minna, D. 222
4. 3 Lieder, Op. 19.3, Ganymed, D. 544
5. Geheimes, Op. 14.2, D. 719
6. Auf dem See, Op. 92.2, D. 543
7. 3 Lieder, Op. 92.1, Der Musensohn, D. 764
8. Suleika I, Op. 14.1 No. 1, D. 720
9. Suleika II, Op. 31, D. 717 “Ach um deine feuchten Schwingen”
10. Daß sie hier gewesen, Op. 59.2, D. 775
11. 3 Lieder, Op. 20.1, Sei mir gegrüßt, D. 741
12. Du bist die Ruh, Op. 59.3, D. 776
13. Lachen und Weinen, Op. 59.4, D. 777
14. Seligkeit, D. 433
15. An die Nachtigall, Op. 98.1, D. 497
16. Wiegenlied (Schlafe, schlafe) D498
17. Am Grabe Anselmo’s, Op. 6.3, D. 504
18. 4 Lieder, Op. 88.4, An die Musik, D. 547
19. Die Forelle, Op. 32, D. 550
20. Auf dem Wasser zu singen, Op. 72, D. 774
21. 2 Lieder, Op. 43.1, Die junge Nonne, D. 828
22. 4 Lieder, Op. 106.4, An Sylvia, D. 891
23. Ständchen, D. 889
As obras orquestrais mais famosas de Lutoslawski são o concerto para orquestra (1954), as quatro sinfonias (1948-1993, aqui) e o concerto para violoncelo (1970). Aqui neste álbum, temos duas obras menos célebres mas que merecem uma ou mais audições cuidadosas. Livre pour orchestre – Livro para orquestra – é uma série de episódios avulsos, uns maiores e outros mais simples, mais ou menos como os livros de prelúdios e fugas de Bach. Estreado em 1968 durante um período de protestos políticos na Polônia e em vários outros lugares do planeta, trata-se de uma das obras mais vanguardistas de Lutoslawski, cheia de sonoridade imprevisíveis, não domesticadas, com alguns choques que às vezes soam desconfortáveis aos ouvidos, mas ao mesmo tempo os episódios vão se desenrolando como uma narrativa abstrata para pura apreciação, em oposição a outras obras de vanguarda que, em sua militância, exigem uma postura mais intelectual do ouvinte.
Composta dez anos antes (1958), a Música Fúnebre dedicada à memória de Bela Bartók é mais tonal, mais comportadinha, mas tem em comum com Livre o seu desenrolar em uma narrativa que, embora não expresse uma mensagem específica, um conteúdo verbal, guarda alguma semelhança com a música narrativa dos compositores românticos. E falando nisso, a primeira obra do álbum, a 2ª Sinfonia (1909) de Szymanowski, não me interessa minimamente: um formato romântico previsível, melodias menos notáveis do que as de outros compositores do mesmo período como Scriabin, Mahler ou o jovem Schönberg, isso para ficarmos só na Europa central e oriental… Uma perda de tempo.
Karol Szymanowski (1882-1937):
Sinfonia nº 2 Witold Lutosławski (1913-1994):
Livre pour orchestre
Música Fúnebre à memória de Béla Bartók
Polish N.R.S.O., Alexander Liebreich
Nascido na França e filho de pais suíços, Arthur Honegger estudou no Conservatório de Zurich (1910-11), imerso na tradição alemã do contraponto e na música mais moderna de Wagner, R. Strauss e Reger. Após se mudar para Paris (onde foi aluno de Widor e seguiu estudando contraponto), ele escreveria em 1915 em uma carta para seus pais: minhas simpatias pela nova música francesa crescem a cada dia. Conheci e apreciei Reger e Strauss na Suíça, e continuo a gostar deles, mas percebi que compositores como Debussy, Dukas, d’Indy, Florent Schmitt e outros são mais novos e mais originais, e sobretudo têm mais sentimentos do que os alemães modernos.
A influência de Debussy e de Fauré é evidente na linguagem harmônica de Honegger, mas sua música costuma ter muito mais passagens em contraponto e imitação do que a da maioria dos franceses, provavelente por influência de Beethoven e Bach. Em 1925, Honegger escreveu: Pode-se facilmente encontrar Bach na origem de todas as minhas obras.
Entre essas obras, se destacam os três Movimentos Sinfônicos da década de 1920, incluindo Pacific 231, que imita o movimento de um trem (obra que estreou no Rio de Janeiro ainda em 1929 e que Villa-Lobos certamente ouviu, no Rio ou em Paris, antes de compor o seu Trenzinho do Caipira das Bachanias nº 2, de 1930-34). Nos anos 1930, não conseguindo emplacar muitos sucessos nas salas de concerto, Honegger compôs música incidental para rádio, música de cabaré, música de partido de esquerda e 24 trilhas sonoras de filmes. Finalmente em 1938 ele voltou a fazer sucesso como compositor sério, com a estreia do oratório Joana d’Arc na fogueira, a partir do libreto do poeta Paul Claudel. No fim da década de 30 e sobretudo na de 40, Honegger compôs suas Sinfonias nº 2, 3, consideradas por muitos como suas obras-primas. Na 3ª e na 4ª, para orquestra sinfônica, passagens em contraponto alternam com uma orquestração que às vezes soa como música de filme, e lembra nesse sentido Shostakovich, por usar alguns efeitos orquestrais simples, às vezes apelando para clichês, mas com efeitos que sempre chamam a atenção e fazem as passagens atonais soarem palatáveis. Honegger, como Shostakovich, mistura a tradição com a inovação (aliás, além de ambos terem composto música de filme, ambos se destacam como compositores de sinfonias, forma musical que revolucionários como Debussy, Schoenberg e Boulez julgavam antiquada). Mais uma citação de Honegger: “Minha inclinação e meu esforço sempre foram no sentido de escrever música que fosse compreensível para o grande público e ao mesmo tempo suficientemente livre de banalidade para interessar aos genuínos amantes da música… Quis impressionar a esses dois públicos: os especialistas e a multidão.” (Citado por Keith Waters)
Na 2ª Sinfonia, para cordas com uma pequena participação de um trompete, a orquestração com menos instrumentos faz com que o desenvolvimento temático apareça de forma mais explícita, como também é o caso da Música para cordas, percussão e celesta de Bartók. Ambas as obras, assim como a 4ª de Honegger, foram encomendadas e estreadas pelo bilionário Paul Sacher e sua orquestra de câmara da Basileia (Basler Kammerorchester). Vamos nos concentrar aqui em algumas grandes gravações das sinfonias nº 2 e 3.
Para a 2ª Sinfonia, composta durante a 2ª Guerra, veremos logo abaixo que as interpretações se dividem em dois grupos: as que enfatizam a tensão e nervosismo e as que soam menos nervosas e mais pendendo para o luto e a reflexão. Em todo caso, embora seja famosa como uma das “sinfonias de guerra” do repertório do século XX, não é uma obra programática: o autor afirmou que, se a sinfonia gera certas emoções, é simplesmente porque essas emoções estavam presentes naquele momento histórico. O fim da sinfonia é mais alegre e um tanto wagneriano, mas não daremos spoilers para quem ainda não conhece…
Na 3ª, composta poucos meses após o fim da 2ª Guerra e estreada por Charles Munch em 1946, já há um programa mais explícito: o autor deu a cada movimento um subtítulo em latim proveniente da liturgia cristã, daí o nome “Sinfonia Litúrgica”, embora não haja outra conotação especialmente religiosa ou melodias cristãs emprestadas. O 1º movimento é um allegro (Dies iræ), o 2º um adagio (De profundis) e o 3º um andante (Dona nobis pacem), que se abre com uma espécie de Marcha Fúnebre, especialidade dos franceses desde a Symphonie fantastique de Berlioz e a 2ª Sonata de Chopin. Sobre essa marcha, Honneger escreveu que queria retratar “justamente a ascensão da estupidez coletiva… A vingança da besta contra o espírito…” Lembrando que se tratava de um pós-guerra no qual a estupidez tinha realmente atingido níveis supremos. Mas, assim como na 2ª sinfonia, também aqui o final é alegre, só que em vez do clímax wagneriano da sinfonia anterior, aqui temos um clima bucólico que lembra Debussy: as nuvens pesadas vão embora e os pássaros cantam de forma nada mecânica. Vamos às comparações:
Ansermet e o Honegger intelectual
Espero que vocês tenham gostado das homenagens aos 160 anos de Debussy. Para mim, foi a oportunidade de ouvir novamente alguns grandes intérpretes de Debussy, como Toscanini, Martinon, e alguns nomes menos óbvios como Svetlanov, Baudo e Hewitt. Hoje seguimos com outro grande mensageiro da música de Debussy, Ernest Alexandre Ansermet (1883-1969), que esteve aqui no blog há algumas semanas na (re)postagem de FDP Bach.
Ansermet também foi um grande intérprete de Stravinsky e Honegger, estreando obras dos dois e tendo em comum com este último o fato de ter passado a vida entre a França e a Suíça. Nesse disco com as duas “sinfonias de guerra” além da 4ª sinfonia, Ansermet e seus músicos suíços parecem enfatizar menos as emoções das “sinfonias de guerra” e mais a genialidade de Honneger em seus desenvolvimentos de temas, contrapontos e orquestração cuidadosa. Com uma gravação de alta qualidade, podemos ouvir com clareza alguns detalhes sutis, por exemplo os baixos no início do 2º mov. da 2ª sinfonia ou o solo de cello no momento mais calmo do 3º mov. da 3ª sinfonia (p.ex. aos 8m20s). São interpretações calmas, intelectuais, podemos até lembrar que os mais velhos entre aqueles músicos suíços devem ter passado a 2ª Guerra em segurança naquele país neutro, sem o nervosismo que vivia, por exemplo, o francês Charles Munch como veremos logo abaixo.
Arthur Honegger (1892-1955):
1-3. Symphony no.2 For Trumpet And Strings: I. Molto moderato – allegro; II. Adagio mesto; III. Vivace, non troppo
4-6. Symphony no.3, “Liturgique”: I. “Dies Irae” Allegro marcato; II. “De Profundis Clamavi” Adagio; III. “Dona Nobis Pacem” Andante
7-9. Symphony no.4, “Deliciæ Basilienses”: I. Lento e misterioso – Allegro; II. Larghetto; III. Allegro
Orchestre de la Suisse Romande
Ernest Ansermet
Recorded at Victoria Hall, Geneva: 1961 (Symphony No. 2), 1968 (Symphonies No. 3-4)
Provavelmente esse é o disco com mais notas levemente desafinadas ou pizicatti desencontrados postado neste blog nos últimos meses. Mas nesses tempos em que cantores da moda exageram no autotune e tudo tem que soar perfeitinho, é importante conhecermos algumas gravações ao vivo como essas feitas por Charles Munch (1891-1968) em turnê pela Europa (França, Suíça, Espanha e Finlândia) em 1962 e 64. Os eventuais desencontros entre as cordas são compensados pela tensão fortíssima da orquestra tocando em andamentos bem mais rápidos do que os de Ansermet. Mais rápidos também do que a Orchestre de Paris na gravação posterior da 2ª Sinfonia que Munch faria no seu último ano de vida. Aqui nessa apresentação ao vivo em 1964, a Orchestre National de France corre em todos os movimentos e sobretudo no último, com um Presto final loucamente acelerado que dura apenas 4m51s (a faixa é mais longa por causa dos aplausos). É um tipo de tensão que também combina com uma sinfonia conhecida como “de guerra”, e lembremos ainda que Charles Munch regeu a segunda apresentação dessa sinfonia em 1942 em Paris ainda sob ocupação nazista. E nessas gravações ao vivo temos uma amostra daquele tipo de nervosismo: a sensação de que o campo é minado, com um passo em falso, tudo pode dar errado, a orquestra corre muitos riscos e viver é desenhar sem borracha (frase do Millôr Fernandes).
Em 1969, Karajan/Berlin P.O. fariam um último movimento igualmente acelerado, mas algumas gravações seguintes – Plasson/O.C. Toulouse (1979), Rozhdestvensky/USSR M.C.S.O. (1986) e Leducq-Barôme/Baltic C.O. (2018) – seriam um pouco mais lentas e bem comportadas, menos incisivas.
Arthur Honegger (1892-1955):
1. Le Chant de Nigamon
2. Pastorale d’été
3-5. Symphony no.2 For Trumpet And Strings: I. Molto moderato – allegro; II. Adagio mesto; III. Vivace, non troppo
6-8. Symphony no.5: I. Grave; II. Allegretto; III. Allegro marcato
Orchestre National de France
Charles Munch
Recorded live: Paris, 1962 (Chant), Basel, 1962 (Pastorale d’été), San Sebastian, 1964 (Symphony no. 2), Helsinki, 1964 (Symphony no. 5)
Jean Fournet e a lenta marcha da estupidez coletiva
Jean Fournet (1913-2008) foi um regente francês mais associado a ópera, mas que também regeu muita música instrumental de seus contemporâneos como Messiaen, de Falla e Ibert. Sua única gravação de Honegger foi esta, aos 80 anos – ao contrário de Ansermet e Munch, íntimos do compositor e dessas obras desde a estreia – mas ele mostra uma boa familiaridade com Honegger e o disco é talvez a melhor introdução para quem não conhece o compositor, por trazer obras de diferentes períodos, como a Pastorale d’été (1920), obra com climas debussystas, feita por um jovem em busca de sua voz, e Pacific 231 (1923), primeiro grande sucesso de Honegger e já com suas características típicas. Como descreveu o compositor: “A obra inicia com uma contemplação subjetiva, o respirar quieto de uma máquina em descanso, [a seguir] seu esforço para começar, a velocidade que aumenta gradativamente […] Musicalmente, eu compus uma espécie de um grande e diversificado coral, repleto de contraponto à maneira de J. S. Bach”
E na 3ª Sinfonia, Jean Fournet e seus músicos holandeses fazem a marcha do 3º movimento de forma muito lenta, grandiosa, uma marcha da estupidez coletiva com toda a pompa e sem perder nenhum detalhe. E o primeiro flautista brilha no final, com um som fluido, irregular, em tudo o oposto da marcha que tinha a precisão de uma máquina.
Arthur Honegger (1892-1955):
1. Rugby, mouvement symphonique
2. Pacific 231, mouvement symphonique
3. Concerto da Camera
4. Pastorale d’eté
5. Symphonie no. 3, “Liturgique” (I. “Dies Irae” 0:00-7:02; II. “De Profundis” 7:03-21:19; III. “Dona Nobis Pacem” 21:20-35:15)
Netherlands Radio Philharmonic Orchestra
Jean Fournet
Recorded: 1993
Mariss Jansons (1943-2019), quando jovem, foi assistente grande maestro soviético Y. Mravinsky, e parece ter herdado dele as chaves interpretativas de uma 3ª sinfonia de Honegger extremamente emotiva, também soando como uma sinfonia “de guerra”, mas sob o ponto de vista do front oriental. A marcha do 3º movimento é rápida como a de Mravinsky (em Moscou, 1965, infelizmente com qualidade de som não tão boa), e com um clima de grande tensão, colocando os ouvintes em uma atmosfera de quem perdeu amigos e parentes por causa da estupidez coletiva que Honegger mencionou no programa da sinfonia. Ao mesmo tempo, as cordas do Concertgebouw brilham no 2º movimento, como era de se esperar. O disco tem como complemento o Gloria composto por Poulenc em 1959-1961, já bem depois da guerra. Poulenc, como Honegger, fez parte do chamado “grupo dos seis” na Paris do entreguerras, embora Honegger tivesse como principal amigo no mesmo grupo o compositor Darius Milhaud.
Nesta gravação ao vivo temos uma mistura eclética de tradições: um regente de origem judaica, formado na escola soviética, com uma orquestra holandesa fazendo a sinfonia “litúrgica” de Honegger (de família protestante) junto com a liturgia católica repensada por Poulenc. O clima geral mistura por um lado o nervosismo “in tempore belli” (para lembrarmos a grandiosa missa de Haydn) e por outro lado a busca perfeccionista pelos timbres raros e detalhes como os momentos em que o piano se sobressai na orquestração: os músicos nos envolvem na encruzilhada entre a tensão interior e o brilho exterior. A encruzilhada, símbolo da ambivalência e da imprevisibilidade, traz possibilidades de vida brotando nas frestas da estupidez coletiva.
Francis Poulenc (1899-1963):
1-6. Gloria: I. Gloria in excelsis Deo – II. Laudamus te – III. Domine Deus, Rex coelestis – IV. Domine Fili, Domine Deus – V. Domine Deus, Agnus Dei – VI. Qui sedes ad dexteram Patris Arthur Honegger (1892-1955):
7-9. Symphonie no. 3, “Liturgique”: I. “Dies Irae” Allegro marcato – II. “De Profundis” Adagio – III. “Dona Nobis Pacem” Andante)
Royal Concertgebouw Orchestra, Amsterdam
Mariss Jansons
Luba Orgonasova, soprano; Netherlands Radio Choir
Recorded live: Amsterdam, 2004 (Honegger), 2005 (Poulenc)
Nessas obras para voz e piano, Grieg pode ser colocado na companhia de Schubert, Schumann, Fauré e Debussy entre os autores de melodias íntimas. Leif Ove Andsnes executa com competência no piano os diferentes fraseados que são bem mais do que simplesmente acompanhamento.
Uma curiosidade sobre Grieg é sua relação com o brasileiro Alberto Nepomuceno (1864-1920), compositor que viveu alguns anos na Europa antes de voltar para o Brasil. Pois Nepomuceno se casou com a pianista norueguesa Walborg Bang, aluna de Edvard Grieg, o que levou o compositor brasileiro a frequentar por certo tempo a casa do norueguês, que o incentivou a dedicar-se às melodias e ritmos típicos do seu país, no caso, o Brasil.
Impressão minha ou o Grieg tinha um jeitão de comediante da turma do Chaves ou da Praça é Nossa?
Para uma outra bela gravação desse pianista em repertório romântico, confira aqui:
https://pqpbach.ars.blog.br/2015/09/18/robert-schumann-1810-1856-piano-quintet-in-e-flat-major-op-44-johannes-brahms-1833-1897-piano-quintet-in-f-minor-op-34/
O que aproxima esses dois discos tão diferentes é a presença de naipes de sopros liderados por um pianista. Ou big bands, em inglês: conjuntos com sonoridade orquestral, diferentes do jazz feito por um trio ou quarteto.
O álbum ao vivo de Ray Charles eu conheço por um LP bem antigo lá em casa e, do meu ponto de vista, é mais interessante do que as suas gravações de estúdio por aquela dinâmica dos shows ao vivo com público. Alguns dos seus grandes hits estão presentes em arranjos com banda de metais e com uma ou duas cantoras que acompanham a voz de Ray Charles.
Já o álbum de McCoy Tyner, gravado em estúdio, apresenta arranjos mais suaves com destaque para as flautas… Há outros discos gravados por McCoy nos anos 1970 com grupos maiores e nos quais os arranjos não me agradaram tanto assim, mas neste aqui o balanço parece perfeito entre uma certa orquestração leve influenciada pela bossa nova e os momentos solo do piano, do baixo (Jooney Booth) e da bateria (Alphonse Mouzon). As notas do disco dizem que os arranjos são de McCoy, representando a sua primeira experiência escrevendo partituras para um grupo desse tamanho.
Ray Charles: Live in Concert (1965)
Opening 0:35
Band: Swing A Little Taste 3:35
I Gotta Woman 6:10
Margie 2:29
You Don’t Know Me 3:14
Hide Nor Hair 2:57
Baby, Don’t You Cry 2:35
Makin’ Whoopee 6:17
Hallelujah I Love Her So 2:55
Don’t Set Me Fee 3:58
What’d I Say 4:30
Finale 1:55
Falecido em 18 de julho de 2025, o maestro inglês Roger Norrington foi um dos principais nomes ligados às interpretações historicamente informadas nas últimas décadas. Ele chamava o vibrato uma “droga moderna” e insistia que no século XIX os naipes de cordas das orquestras não utilizavam essa técnica, tese da qual alguns discordam, mas não entremos tão a fundo nessa polêmica hoje. O que importa é que Norrington fundou em 1978 a orquestra London Classical Players, que se especializou em obras do século XIX e fim do XVIII, em uma época em que o repertório de Monteverdi até Vivaldi e Bach já era usualmente tocado por orquestras menores e andamentos e trejeitos menos românticos, mas ainda era bastante polêmico fazer o mesmo com Beethoven.
E Norrington foi além: gravou bastante coisa de românticos como Schumann, Bruckner e Brahms, estes últimos principalmente com a Radio-Sinfonieorchester Stuttgart, orquestra da qual ele foi regente titular após a dissolução dos London Classical Players em 1997, quando estes se fundiram com a Orchestra of the Age of Enlightenment, orquestra sem maestro titular, mas que também convidava Norrington com frequência.
Então Norrington – que era também um acadêmico com passagens nas Universidades de Cambridge e Oxford e ligado ao Oxford Bach Choir – especializou-se sobretudo nessas obras românticas de Beethoven, Schubert, Schumann, alemães que ele conhecia como a palma de sua mão e buscava extrair de suas partituras o suco e jogar fora o bagaço representado em resumo pelo vibrato. E há também Berlioz, francês que, como sabemos, foi um dos principais continuadores do estilo orquestral de Beethoven. Como eu recordei aqui, em 1828, um ano após a morte de Beethoven, a célebre 5ª Sinfonia estreou em Paris, com Berlioz presente naquele evento que iniciava, no país do croissant, um culto a Beethoven. Dois anos depois, em 1830, Berlioz compôs a Symphonie Fantastique que, como a Pastoral de Beethoven, tem um programa poético e cinco movimentos ao invés de quatro.
Essa sinfonia foi gravada por Norrington tanto em Londres como em Stuttgart. Fazendo uma certa combinação em que sai o vibrato mas ficam as emoções românticas, Norrington alcança belos resultados, como provavelmente alcança também no Requiem de Berlioz, gravação lançada em 2006 com a orquestra de Stuttgart e o coro Rundfunkchor Leipzig, mas que ainda não ouvi.
Note-se ainda que Norrington parece ter sido um sujeito mais ou menos discreto, fiel às mesmas orquestras com que se apresentava (além dessas citadas, a London Philharmonic – LPO, com quem gravou Vaughan Williams, a Royal Scottish National Orchestra, a Camerata Salzburg e a Tonhalle Zürich) e distante de grandes polêmicas, de solistas laureados e golpes de marketing.
Hector Berlioz (1803-1869): Symphonie Fantastique
The London Classical Players, Roger Norrington
Recorded: Abbey Road Studios, 1988
Quem era vivo na década de 1990 vai se lembrar desse grupo de músicos cubanos, muitos deles com mais de 70 ou mesmo 80 anos de idade, que de repente ficaram famosos a partir de um documentário. Fizeram um belíssimo disco de estúdio, ganharam Grammy, mas o disco que apresento aqui é o segundo, gravado ao vivo em Nova York quando estavam na crista da onda.
É um caso raro de músicos que fizeram carreiras mais ou menos discretas por décadas, tocando em cassinos, casas noturnas e coisas do tipo, alguns deles desde antes da Revolução Cubana de 1959… e de repente alcançaram um estrelato mundial, coisa que naqueles tempos pré-Youtube e pré-redes-sociais ainda passava necessariamente pelo controle de gravadoras e outras empresas com poder de distribuição internacional. Os músicos se conheciam há anos, mas não formavam exatamente uma banda, de modo que temos um tipo de jazz caribenho em que os arranjos são bastante fluidos, às vezes o trompete tem destaque, às vezes o piano (Rubén González, 1919-2003), às vezes a voz masculina e às vezes a voz feminina (Omara Portuondo, nasc. 1930 e ainda não se aposentou!). Eu insisto em chamar esse tipo de música de jazz, o que é uma certa alfinetada na concepção segundo a qual esse estilo estaria restrito às fronteiras de um certo país anglófono. É bastante curioso que antes de 1959 as músicas de Cuba e dos EUA eram bem entrelaçadas e logo depois os laços se cortaram por motivos políticos, com esses músicos – muitos deles já falecidos em 2025 – representando uma memória viva de fluxos culturais típicos de tempos idos.
Buena Vista Social Club At Carnegie Hall:
Chan Chan 4:46
De Camino A la Vereda 4:59
El Cuarto de Tula 8:01
La Engañadora 2:44
Buena Vista Social Club 5:59
Dos Gardenias 4:24
Quizás, Quizás 3:48
Veinte Años 4:07
Orgullecida 3:23
¿Y Tú Qúe Has Hecho? 3:33
Siboney 2:33
Mandinga 5:30
Almendra 5:49
El Carretero 5:39
Candela 7:00
Silencio 5:25
Rubén González – Piano
Hugo Garzón – Vocals
Ibrahim Ferrer – Vocals
Manuel ‘Puntillita’ Licea – Vocals
Omara Portuondo – Vocals
Pío Leyva – Vocals
Este blog tem atualmente seis colaboradores fixos e mais alguns de rara aparição. A palavra é usada aqui no sentido de colaboração mesmo, e não aquele jargão horrível para funcionários, até porque o blog não gera dinheiro. Faço esse preâmbulo para dizer que fui eu, Pleyel, o responsável pela “chuva de Mahler” nas últimas semanas: primeiro completando o ciclo com Svetlanov e sua orquestra russa e depois repostando o jovem Gustavo Dudamel com sua orquestra venezuelana. Dudamel é provavelmente o maestro vivo com mais íntima afinidade com a música de Mahler, ao lado do veterano Tilson Thomas (que fez uma Sétima elogiadíssima por PQP Bach).
Agora voltemos à velha guarda: trago hoje um Mahler com sotaque da Europa Central, com o maestro Václav Neumann (1920-1995), maestro tcheco nascido em Praga que rege aqui a tradicional orquestra do Gewandhaus de Leipzig na então Alemanha Oriental. Foi quando residia em Leipzig, aliás, após um tempo morando em Praga, que Mahler compôs sua primeira sinfonia por volta de 1888: ele era maestro no Neues Stadttheater, a casa de ópera destruída na 2ª Guerra, e tinha o posto de maestro substituto da Gewandhausorchester. Já a sétima sinfonia ele iria compor mais de 15 anos depois, quando residia em Viena, mas sua estreia ocorreu em Praga em 1908.
Depois disso, os tchecos mantiveram uma tradição de interpretação de Mahler mesmo quando suas obras eram menos lembradas lá por 1930, 1940… e Vaclav Neumann fez parte da geração de maestros – junto com Lenny Bernstein, Rafael Kubelík, Bernard Haitink e, um pouco depois, Claudio Abbado e Evgeny Svetlanov – que, pouco após a 2ª Guerra, foram responsáveis por inúmeros sucessos de público e de crítica que colocaram as sinfonias de Mahler definitivamente nos programas orquestras em todo o mundo.
Barbara Hannigan é uma das poucas grandes cantoras hoje em atividade que se arriscam nesse tipo de repertório: Messiaen, Schoenberg, Hindemith, Berio…
Uma influência para que ela se aventurasse por esses compositores foi a sua longa parceria musical com o maestro , pianista e compositor holandês Reinbert de Leeuw (1938 – 2020). Neste disco lançado em 2024, Hannigan escolheu o repertório de um compositor bastante associado ao seu antigo parceiro holandês, mas com um novo parceiro, agora um francês… mas deixemos que ela conte a história:
Eu ouvi Bertrand Chamayou pela 1ª vez em um concerto na Maison de Radio France, em Paris. Era 2015 e, esperando minha vez de cantar, pois eu também estava no programa, em esperava na cochia. Bertrand tocava Ravel e eu escutei um legato de um tipo que eu nunca tinha escutado antes. Era líquido e hipnótico. Eu me perguntava como deviam ser os movimentos das suas mãos que eu não via. Como ele fazia para dar ao fraseado uma tal fluidez? Mais tarde naquela noite, nós fomos apresentados e ficamos um tempo conversando, principalmente de cozinha.
Didier Martin, diretor da Alpha Classics, passou por Bertrand por acaso um pouco após aquele concerto, em um café de Paris. Segundo as palavras de Bertrand: “Didier me perguntou o que eu gostaria de tocar com você, e eu respondi espontaneamente: Messiaen”
Didier me repassou essa informação. Ele tinha a sensação de que Bertrand e eu adoraríamos trabalhar juntos e eu segui seu conselho. Na época, meu querido amigo e mentor, Reinbert de Leeuw, acompanhava ainda todos os meus recitais, embora sua saúde já declinasse e nós percebêssemoe que os dias de música juntos não seriam ilimitados. Em 2017, Reinbert e eu fizemos nossa última gravação (Vienna: Fin de Siècle) e nossa última grande turnê de recitais. Era difícil pensar em perdê-lo como amigo e companheiro musical.
Bertrand e eu nos encontramos novamente em Londres em 2019 e, dessa vez, não falamos só de cozinha. Respirei fundo e propus que nós fizéssemos um programa Messiaen. E mãos à obra: animados e nervosos frente ao desafio que nos esperava, nós devíamos primeiro aprender a linguagem dessa música tão particular: o diálogo e o desenvolvimento das tonalidades, a superposição complexa de motivos rítmicos e os diferentes sentidos das palavras. Esses primeiros dias marcaram o início da nossa amizade musical. Nós fomos bastante longe naquelas primeiras 72 horas, encontrando juntos nosso caminho na música. Reinbert de Leeuw disse uma vez; “Messiaen tem uma clareza, o caráter é extremamente pessoal e claro, e se torna natural. Isso se torna logo natural…” (traduzido do libreto do CD)
Olivier Messiaen (1908-1992):
Chants de terre et de ciel, para soprano e piano
Poèmes pour Mi, para soprano e piano
La mort du nombre, para soprano, tenor, violino e piano*
Barbara Hannigan, soprano
Bertrand Chamayou, piano
Charles Sy, tenor*
Vilde Frang, violino*
Continuando o estilo “pague um, leve um monte” da postagem de Messiaen da semana passada, aqui estão outras postagens reativadas de obras do francês para piano solo e para órgão:
As 20 olhadelas para o menino Jesus, por Håkon Austbø aqui
As obras completas para órgão por Jennifer Bate, gravadas sob supervisão do compositor – os 6 CDs aqui
O órgão de Olivier Messiaen (1908-1992) ao vivo em Amsterdam – aqui
Olivier Messiaen quando as entradas na testa ainda eram pequenas