Ah, nada como a Páscoa para se disponibilizar uma das tantas peças que a humanidade produziu sobre a Paixão de Cristo…
E essa postagem é uma prova de como os comentários que fazem vocês, usuários/ouvintes, são importantes para nós. Eu nunca tinha ouvido sequer menção ao nome do arrojado Osvaldo Golijov, até vê-lo citado aqui no P.Q.P.Bach, em um pedido para que postássemos esta instigante Pasión según San Marcos. Como me interesso especialmente por música coral e sacra, procurei, achei, ouvi e… Gostei, gostei muito!
Aos mais puristas (nem direi sobre aos mais puritanos) já aviso que talvez essa obra não os agrade: Golijov utiliza-se de vários ritmos latinos e alguns judeus para criar ambientações musicais para as situações que cercam os acontecimentos que vão desde a Última Ceia até o caminho para o Gólgota. Podem se assustar com o narrador cantando um ritmo caribenho para contar a traição de Judas por 30 moedas ou, mais ainda, se estarrecerem com o povo pedindo a Pilatos a crucifixão de Jesus sob uma percussão de samba. Inusitado é o mínimo que se pode achar!
Interessante é perceber que a peça toda se desenrola especialmente com narração ou com a fala do povo e que os principais personagens – Jesus, Judas, Pedro, Caifás – tem falas bem pequenas. Mais para o fim, no caminho do Calvário e na crucifixão, Jesus, personagem principal, emite apenas uma frase: o povo, que quer sua morte, sufoca qualquer outra expressão. Por fim, depois de tantos trechos tensos, quando Cristo entrega seu espírito, soa o Kaddish. De melodia triste, mas leve, o Kaddish eleva o espírito do Salvador aos céus e transmite paz e serenidade, quase enunciando a meditação e o resguardo para os dias antes da ressurreição.
Para esclarecer mais sobre o autor e o contexto em que a obra foi concebida, transcrevo o texto do encarte:
Osvaldo Golijov é um jovem compositor argentino que nasceu em 1960. Estudou música em seu país e na Europa, com mestres como George Crumb e Oliver Knussen. Vive atualmente nos EUA e é compositor da Orquestra Sinfônica de Chicago. Entre suas obras está uma ópera baseada em poema de Federico Garcia Lorca, intitulada Aindamar.
O trabalho apresentado hoje é fruto de uma requisição da Bachakademie Internationale Stuttgart (Academia Bachiana Internacional de Stuttgart), em 2000, a quatro compositores para homenagear Johann Sebastian Bach em seu aniversário de 250 anos de falecimento. A soviética Sofia Gubaidulina (1931) escreveu uma Paixão segundo São João, Wolfgang Rihm (1952) baseou-se no Evangelho de Lucas para o seu trabalho, Tan Dun (1957), de origem vietnamita, apresentou em sua Paixão uma combinação de visões ocidentais e orientais da mítica história, enquanto o argentino Osvaldo Golijov escreveu A Paixão Segundo São Marcos que ora oferecemos.
A Paixão Segundo São Marcos de Golijov me chamou a atenção porque é um trabalho cantado em espanhol (a paixão que eu conheço em nossa língua), mas não exclui textos em outras línguas, porque incluem evangelho, Kadish, um poema Rosalia de Castro e extratos da Bíblia, especialmente o Evangelho de Marcos.
Além disso, o compositor mistura ritmos latinos, africanos, judeus e sul-americanos para tratar um assunto bastante solene. Trata-se de um arranjo de instrumentos folclóricos e vocais que lembram as celebrações da Sexta Feira Santa nas pueblos argentinos. A narrativa da obra não se faz de forma literal, mas o compositor prefere, em algumas passagens, inserir, ao texto bíblico, poemas e orações de diferentes culturas e colocar a voz de narradores diversos, que podem ser vozes masculinas ou femininas. O resultado é um trabalho muito interessante, que marca a entrada triunfal de música sacra contemporânea latino-americana no cenário mundial.
A peça estreou em 2000 na Beethovenhalle de Stuttgart, na Alemanha, com um sucesso impressionante. Tem duas gravações, e esta que nós oferecemos é dirigida por Maria Guinand, com a participação da Schola Cantorum de Caracas.
La pasión según san Marcos
Osvaldo Golijov (1960)
01. Visión: Bautismo en la Cruz
02. Danza del Pescador Pescado
03. Primer Anuncio
04. Segundo Anuncio
05. Tercer Anuncio En Fiesta No
06. Dos Días
07. Unción con Betania
08. ¿Por Qué?
09. Oración Lucumí (Aria con Grillos)
10. El Primer Dia
11. Judas XII. El Cordero Pascual
12. Quisiera Yo Renegar
13. Eucaristía
14. Demos Gracias
15. En el Monte de los Olivos
16. Cara a Cara
17. En Getsemaní
18. Agonía
19. Arresto
20. Danza de la Sábana Blanca
21. Ante Caifás
22. Soy Yo (Confesión)
23. Escarnio y Negación
24. Desgarro de la Túnica
25. Lúa Descolorida
26. Amanecer: Ante Pilato
27. Silencio
28. Sentencía
29. Comparsa
30. Danza de la Sábana Porpura-Manto Sagrado
31. Crucifixión
32. Muerte
33. Kaddish
Luciana Souza, voz
Reynaldo González-Fernández, balé e voz
Schola Cantorum de Caracas
Orquesta La Pasión
Cantoría Alberto Grau
Maria Guinand, regente
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE (197Mb)
Ouça! Deleite-se!
… E, depois, deixe um comentário para este postante.
Bisnaga
Muito obrigado e parabéns pelo trabalho de vocês, e por compartilhá-lo conosco. Maravilhosamente excepcional. Saudações e vida longa!
Como diria a galera do PQP, IM-PER-DÍ-VEL!!! Curioso, Bisnaga, agora reparei que você usa a bandeira da nacionalidade do compositor nas suas postagens. Não que eu nunca tenha visto, é que eu pensei que você só estivesse colocando a bandeira do Brasil nas suas postagens do Carlos Gomes porque ele era brasileiro, é um orgulho nacional, enfim. Desculpe minha falta de comentários quanto à música postada, mas, tratando-se de comentários, tá aqui alguém que gosta de conversar (rs).
Hehehe.
Já tinha colocado a bandeirinha da Estônia na Postagem de Arvo Pärt no Natal, mas não deixa de ser pelo orgulho nacional que eu coloque as bandeirinhas na frente do nome de Carlos Gomes. Comecei por isso, mas expandi para os outros. Talvez para evidenciar meu sentimento patriótico, eu deva aumentá-las (apenas as brasileiras). Em tempo, tenho o meu orgulho latinoamericano, também.
Simplesmente: PARABÉNS!!!
Obrigado!
Boa noite!
Baixei a Paixão segundo Marcos mas não a ouvi ainda. A curiosidade é grande, principalmente por propiciar um comparativo com os grandes compositores que já escreveram “paixões”.
Mas já constatei, e fiquei triste com isso, que o encarte com o texto em espanhol incorre em erros nos trechos latinos do oratório. E são erros grosseiros nas concordâncias das declinações. Será que não se deram conta de que uma obra dessas deve ser tratada de forma primorosa da primeira à última letra, também no encarte?
Pena!
Logo que a ouça, voltarei a comentar.
Boa noite,
Raul.