.: interlúdio :. Chet Baker: Sentimental Walk in Paris

1zf4rpz“A última vez que vi Paris” é o título de um filme famoso, com aquela diva de olhos violáceos, Miss Taylor. Hemingway alegou que “Paris é uma Festa”. Paris, enfim, não tem fim. Mas depende. Depende de quem viu Paris da última vez (ou pela última vez), e também para quem Paris signifique algo mais que ir ao Louvre tirar um selfie com a Gioconda. Para mim Paris é um espetáculo de beleza e história. Uma festa de beleza e história. À parte os sanitários imundos sem portas dos bistrôs nas áreas mais turísticas e a falta de hábitos higiênicos dos atendentes das pâtisseries, entre outras coisas básicas dessa natureza, Paris é tudo de bom. Seu cheiro de rosas e crepes, de pedras medievais e frio, suas sombras que são azuis e que inspiraram os impressionistas. Francamente, não vivi os odores que alguns me alardearam. Montaigne dizia que as cidades mais fétidas do mundo seriam Veneza e Paris. Em seu tempo acredito plenamente. Balzac dizia da dureza do chão de Paris. Como para quem a visita o melhor é andar, de fato, seu solo é coriáceo. Distâncias imensas que vencemos hipnotizados pela beleza, nos deixando na lona, com febre de cansaço; todavia, inebriados. Balzac também falou da qualidade da comida – ora, existem os turistas e os peregrinos. Me enquadro entre estes últimos. Caminhante, peregrino da arte e da beleza (quase um Goliardo) e portanto não abastado o suficiente para ‘nouvelles cuisines’. Lembro que num bistrô nas imediações des Invalides nos serviram uma carne dos cavalos de Napoleão, de 1812; e no Marais uma sopa cuja acidez acionaria as lâmpadas de toda a Torre Eiffel. Confesso meu necro-turismo, habitué dos campos santos, que me levou à honra de estar ao pé do túmulo do grande Debussy – atenção, não é no Père Lachaise, mas no cemitério de Passy. Estou parecendo uma dondoca de Caras se pavoneando. Falo de Paris porque o presente registro é uma ‘caminhada sentimental’ pela Lutécia – antigo nome da cidade luz (pela qual rezo aos antigos deuses para que não soçobre às invasões bárbaras, fanáticas, obscurantistas, assassinas e desertícolas).

13z21rbEste disco traz um grande encontro ‘romântico’ entre o fabuloso Chet Baker e o maestro compositor romeno Vladimir Cosma (não confundir com Joseph Kosma, húngaro autor da melodia de Les feuilles mortes). Cosma, advindo de Bucareste para Paris para ser aluno de Nadia Boulanger. A sacerdotisa suprema da chamada música moderna, que em sua sabedoria sempre conduziu seus discípulos para os seus reais talentos, ao invés de encarcera-los nas mofadas fórmulas chamadas eruditas: entre muitos, Piazzolla e Gershwin. Todos os temas do disco são de Cosma. Variam entre lindos e deliciosos. Arranjos que lembram as escolas de Henry Mancini e Elmer Bernstein. Cosma é o que chamaríamos de um velho macaco em seu métier. Compositor de boas fórmulas melódicas, maestro e arranjador cativante, com um currículo vasto e admirável. Baker…

a1pl3mAlguém disse que nada havia a mais que se falar sobre ele? Sim, aquele drogadito do trompete, bafejado pelo sopro da beleza eterna em sua arte. Destacaria a faixa 5, Two Much. Baker era um camaleão que se adaptava aos mais diversos idiomas com a mesma verve. Sua atuação nesta faixa é tão bela e cativante quanto nas outras, todavia em seu arremate ele mostra por que seu nome se inscreve entre as constelações.

Esta colaboração entre o grande compositor de trilhas sonoras e maestro romeno Vladimir Cosma e o genialíssimo Chet Baker rendeu um dos mais belos discos de ambas as carreiras. Quando Cosma decidiu convidar Baker neste projeto, ele foi desencorajado por todos os tipos de negativas. Disseram: “não chame Chet Baker, ele vai aparecer chapado ou nem vai aparecer. Você não pode confiar nele ”. O maestro ficou apreensivo. Mesmo assim, Cosma rastreou o trompetista, que na época trabalhava na Itália. Os dois passaram horas ao telefone. Cosma teve o cuidado de dizer a Baker para trazer o trompete e o flugelhorn, já que ele tinha diferentes melodias que ele pensava ser mais adequadas para tais timbres, e Baker teve o cuidado de dizer a Cosma para não escrever nada onde ele tivesse que tocar mais alto do que um G ou F, já que seus dentes poderiam causar problemas. A música seria toda escrita para Baker, e o trompetista concordou em vir a Paris dois dias antes da sessão, a fim de ensaiar com o compositor, em seu apartamento em Paris. O encontro deles era para as duas horas. Nada de Chet. Horas vêm e vão sem nenhum sinal de Baker. Finalmente, depois das quatro, o telefone toca e é Chet. “Desculpe, cara, ainda estou na Itália. Meu carro quebrou e tenho que consertá-lo. Com certeza estarei aí amanhã a essa hora.” No dia seguinte, aconteceu a mesma coisa: Chet não apareceu, mas novamente ele ligou: “Ei cara, demorou mais do que eu pensava para consertar meu carro, mas estou a caminho agora e estarei lá a tempo.” A essa altura, Cosma estava muito nervoso. Ele tinha prazos para gravar e contratou nada menos que 40 músicos, incluindo uma orquestra de cordas completa, e mais um baixista de Copenhage – ninguém menos que o grande NHOP; e um baterista da Califórnia. Como reforço, Cosma ligou para o melhor trompetista de jazz de Paris e diz a ele para estar lá caso Chet não aparecesse ou, pior, não estivesse em condições de tocar. No entanto, tarde daquela noite a campainha toca no apartamento de Cosma, e lá está Chet. Ele tem uma linda jovem com ele, a quem Cosma reconhece como a filha de um famoso saxofonista belga, seu amigo Jacques Pelzer. O que Baker não tem, entretanto, é um trompete; ele teve de vendê-lo para subsidiar o conserto do carro. Os planos cuidadosamente discutidos de Cosma para fazer certas músicas no trompete e outras no flugelhorn foram jogados pela janela. No entanto, Baker promete alugar um trompete e garantiu que tudo ficaria bem. Ele também pediu a Cosma para gravar algumas das músicas para ele em uma fita cassete, para que ele pudesse ouvi-la em seu hotel naquela noite. Cosma não achou boa ideia, mas concordou, não com muita confiança. A sessão está marcada para as 9h; assim que Cosma chegou às 8h30, ele ouviu um dos mais familiares sons do jazz moderno – o trompete de Chet Baker. Não apenas Chet está adiantado para o encontro, mas ele já aprendera todas as melodias. Na lata, como se diz. Cosma tocava cada música com a orquestra, mas Baker insistiu em não tocar durante o ensaio – ele não colocaria o trompete nos lábios até que a fita estivesse realmente rolando. E então – pura magia. “Eu não posso te dizer o quão bonito ele tocou”. Diz Cosma. “Foi magnífico. Cada tomada foi literalmente perfeita, lindamente executada, com sentimento e alma e sem erros. Quando terminamos, era quase impossível escolher o melhor take de cada música, porque eram todas tão maravilhosas quanto diferentes umas das outras ”. Apesar de suas saídas para se ‘abastecer’, a sua inspiração não diminuiu. Dessa forma, eles conseguiram gravar todas as faixas que precisavam em um único dia. Cosma e Baker nunca mais trabalharam juntos, mas mantiveram contato, e Cosma ia ver Baker todas as vezes que ele tocava em Paris nos quatro anos restantes de sua vida. Gênio é gênio.

2cf5bonMas este texto não poderia ter uma Coda tão prosaica, afinal, falamos de Paris e de Paris há o que se dizer – e não caberia aqui (nem alhures). Evoco um ilustre de quem poucos lembram ou que poucos conhecem. O poeta e trompetista de jazz Boris Vian, de curta e intensa vida; a quem poderemos voltar a encontrar em outra esquina de Paris, noutra caminhada como esta. Segue um pequeno frasco com fragmentos de sua poesia:

Não queria morrer
Sem que tenham inventado as rosas eternas
A jornada de duas horas
O mar na montanha
A montanha no mar
O fim das dores
Os jornais em cores
A felicidade das crianças
E tantas coisas mais
Que dormem nos crânios
Dos geniais engenheiros
Dos joviais jardineiros
Dos solícitos socialistas
Dos urbanos urbanistas
E dos pensativos pensadores
Tantas coisas para ver
Para ver e ouvir
Tanto tempo esperando
Procurando no escuro.

Por fim, talvez a presença mais marcante de Paris nas telas (excetuando ‘Aristogatas’), esteja em Casablanca, 1942. Quando Rick (Bogart) relembra seus felizes dias de amor ao lado de sua bela Ilsa Lund Laszlo (Ingrid Bergman). Recorda o dia em que os nazis ocuparam Paris: “Eu me lembro de todos os detalhes. Os alemães vestiam cinza e você azul”. E na célebre despedida ao final da película: “Nós sempre teremos Paris”.

Chet Baker – Sentimental Walk in Paris, 1985.

  1. 12 + 12
  2. Sentimental Walk
  3. Hobbylog
  4. B. Blues
  5. Two Much
  6. Douceurs Ternaires
  7. Yves Et Jeun
  8. Pintade A Jeun
  9. Douceurs Ternaires (alt. Take)
  10. B. Blues (alt. Take)
  11. Pardon, Mon Affaire

Chet Baker – Trompete
Vladimir Cosma – Composições, arranjos e regência

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"We´ll always have Paris."
“We´ll always have Paris.”

Wellbach

7 comments / Add your comment below

  1. Maravilhoso….leve…nostálgico…competente…música de verdade.
    Wellbach…o texto como sempre escrito com segurança e conhecimento a fundo! Este Blog te agradece!
    Abraços

  2. Lindo texto, Wellbach!
    Comme on dit en Français, “je suis ravi”…
    Continuez à nous envoyer des beautés musicalles, s’il vous plaît!

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