Os ingleses detestam falar da longa noite que passaram entre Purcell e Britten. Entre estes dois picos, os grandes compositores simplesmente negavam-se a nascer na ilha que tanto ama a música. Esta gravação é boa, mas já ouvimos melhores, mais coloridas, principalmente em termos de bruxas.
Dido e Enéas é a primeira ópera inglesa, tendo sido a única escrita por Purcell (1659-1695). Ainda que tenha vivido pouco, ele nos deixou um número expressivo de odes para coro e orquestra, cantatas, canções, hinos, serviços, sonatas de câmara e obras para teclado, além de mais de quarenta peças para música de cena. Henry Purcell alcançou em vida relativo prestígio. Foi nomeado, em 1679, organista da abadia de Westminster e da Chapel Royal, em 1682, além de ocupar cargos importantes em várias instituições musicais londrinas.
A ópera foi escrita em 1689 para o internato feminino Josias Priest, de Chelsea, Londres, a partir de um libretto de Nahum Tate (1652-1715), poeta e dramaturgo inglês. O enredo segue a história de amor entre a lendária rainha de Cartago, Dido, e o refugiado troiano Enéas, narrada no livro IV da Eneida de Virgílio. Quando o mítico herói e sua tropa naufragam em Cartago, ele e a rainha se enamoram. Mas, por inveja, as bruxas conspiram contra os amantes e convencem Enéas a partir, pois seu destino, traçado pelos deuses, é o de fundar uma nova Troia, a cidade de Roma. Enéas, mesmo blasfemando contra a inclemência dos deuses, aceita seguir viagem e comunica a Dido que partirá naquela manhã. A rainha, esmagada pela dor, imola-se, apesar de Enéas, comovido e mudando o desígnio, afirmar preferir enfrentar a cólera dos deuses a abandoná-la.
A partitura é uma obra-prima de concisão e uma modelo para toda ópera de bolso: a orquestra inclui cordas e contínuo, há uns poucos papéis principais e a duração dos seus três atos não ultrapassa uma hora. Nela, Purcell incorporou tanto os desenvolvimentos da escola inglesa do século XVII, como influências musicais continentais. Combina, por exemplo, danças e coros, elementos próprios da tradição francesa, com árias que seguem em geral os modelos das óperas barrocas italianas. Os recitativos, por seu turno, a cavaleiro das tradições francesas e italianas, nada têm de artificial – são livres, melódicos e plasticamente moldados ao texto.
A abertura é francesa: um adágio solene inicial dá lugar a uma seção mais animada que introduz a cena. Já os coros homofônicos construídos com base em ritmos de dança, recordam os de Lully, assim como o minueto do coro Fear não danger to ensue (“Não temas os perigos que possam vir”). No entanto, cabe salientar a melodia tipicamente inglesa de Pursue thy conquest, Love (“Persegue tua conquista, Amor”) e a do coro Come away, fellow sailors (“Vinde, camaradas de marinheiros”), no início do terceiro ato. Esta alegre e singela canção marinheira carrega evidente matiz popular.
Algumas árias da ópera foram construídas sobre um baixo ostinato. A última delas, e a mais importante, é o famoso Lamento de Dido: When I am laid in earth (“Quando eu descer à terra”), uma das mais tocantes de todo repertório lírico. Nela, além do ostinato, os intervalos descendentes e as harmonias com retardos intensificam o infortúnio da rainha.
O coro final, With drooping wings (“Com asas caídas”) parece inspirado no de Vénus and Adonis, de Blow – de quem Purcell foi, aliás, discípulo. Possui forte caráter elegíaco, sugerido pelo uso de escalas menores descendentes e pelas impressionantes pausas após a expressão “never part” (“nunca parta”).
Com o Música UFRJ.
Dido and Aeneas, Z. 626:
1 Overture 2:03
2 Act I: Shake the cloud from off your brow (Belinda, Chorus) 1:08
3 Act I: Ah! Belinda, I am press’d with torment (Dido) 6:40
4 Act I: Grief increases by concealing (Belinda, Dido, Chorus) 0:50
5 Act I: Whence could so much virtue spring? (Dido, Belinda, 2nd Woman, Chorus) 4:22
6 Act I: See, your Royal guest appears (Belinda, Aeneas, Dido, Chorus) 0:53
7 Act I: Cupid only throws the dart (Chorus) 0:40
8 Act I: If not for mine, for Empire’s sake (Aeneas, Belinda) 1:09
9 Act I: Guitar Chaconne 2:32
10 Act I: To the hills and the vales (Chorus) 1:03
11 Act I: The Triumphing Dance 1:27
12 Act II: Wayward sisters (Sorceress, 1st Witch, Witches) 2:12
13 Act II: The Queen of Carthage, whom we hate (Sorceress, Chorus) 0:40
14 Act II: Ruin’d ere the set of sun? (Witches, Sorceress, Chorus) 2:26
15 Act II: In our deep vaulted cell (Chorus) 1:19
16 Act II: Echo Dance of Furies 1:16
17 Act II: Ritornelle 0:50
18 Act II: Thanks to these lonesome vales (Belinda, Chorus) 2:59
19 Act II: Guitar Passacaille 3:05
20 Act II: Guitar Dance: Oft she visits this lone mountain (2nd Woman) 1:47
21 Act II: Behold, upon my bended spear (Aeneas, Dido) – Haste, haste to town (Belinda, Chorus) 1:22
22 Act II: Stay, Prince! and hear great Jove’s command (Spirit, Aeneas) 2:38
23 Act II: Groves’ Dance: Then since our charms have sped (Chorus) 1:31
24 Act III: Come away, fellow sailors (1st Sailor, Chorus) 2:17
25 Act III: See, the flags and streamers curling (Sorceress, 1st and 2nd Witches) 1:02
26 Act III: Our next motion (Sorceress) 1:16
27 Act III: The Witches’ Dance 1:22
28 Act III: Your counsel all is urg’d in vain (Dido, Belinda, Aeneas) 7:48
29 Act III: Great minds against themselves conspire (Chorus) 1:00
30 Act III: Thy hand, Belinda; darkness shades me (Dido) 5:05 <— Lamento de Dido
31 Act III: With drooping wings ye cupids come (Chorus) 4:53
Sarah Connolly (Dido)
Gerald Finley (Aeneas)
Lucy Crowe (Belinda)
Patricia Bardon (Sorceress)
William Purefoy (Spirit)
Sarah Tynan (Second Woman)
John Mark Ainsley (Sailor)
Carys Lane & Rebecca Outram (Witches)
Choir of the Age of Enlightenment & Orchestra of the Age of Enlightenment
Steven Devine and Elizabeth Kenny (directors)
PQP
Obrigado pela postagem. Sei que óperas não são o forte do site, mas aproveito para deixar uma pergunta: Alguém tem alguma dica sobre bons lugares que disponibilizam gravações integrais de ópera? Seria bacana.
Novamente, agradeço pela postagem.
Agradecido pela postagem A versão é maravilhosa, especialmente Sarah Connolly. Infelizmente, falta a pista 23. Obrigado pela música de tal beleza.