“Let us turn away and contemplate the past before all is lost to the vandals.” — W.G. Hoskins, The Making of the English Landscape
Na obra de Vaughan Williams, a forma sinfônica tem seus melhores momentos quando expressa as paisagens inglesas com suas canções populares, bem distantes do tom épico das sinfonias alemãs e austríacas.
Esse aspecto pastoral da obra de Vaughan Williams é típico da Inglaterra daquela época. Por exemplo W.G. Hoskins (1908-1992), que estudou a paisagem associada à nostalgia e à melancolia, vê a revolução industrial com horror. “Nenhum escrúpulo enfraqueceu sua ânsia por dinheiro; eles ganharam dinheiro e deixaram sua sujeira.”
O também inglês John Ruskin (1819-1900), meio século antes, já chamava atenção para a beleza das ruínas milenares, dos “muros lavados pelas várias ondas da humanidade”. Para Ruskin, as ervas e trepadeiras que crescem em qualquer área de ruína “têm uma beleza em todos os aspectos quase igual e, em alguns, incomensuravelmente superior à da escultura mais elaborada de suas pedras.”
A Sinfonia Pastoral de Vaughan Williams é, para muitos, a sua obra-prima no gênero. Ao contrário do que o nome indicaria, ela é uma sinfonia de guerra, como tantas outras do século XX. Escrita logo após a 1ª Guerra Mundial, na qual o compositor participou de batalhas nos campos franceses, ela tem a beleza das ruínas, de um mundo destruído por bombas e explorado por elites belicistas. Tem a simplicidade das plantas que crescem sobre pedras abandonadas.
Para nós, brasileiros, que não vivenciamos guerras há tantas décadas, um paralelo com o que se sentia no dia-a-dia das Grandes Guerras foi o incêndio do Museu Nacional. Assim como na 1ª Guerra as trincheiras devastaram os campos franceses e queimaram a Catedral de Reims, se na 2ª Guerra Dresden e Milão foram devastadas e a Ceia de Da Vinci se salvou quase por milagre, no nosso país tropical, grande parte da memória nacional queimou em uma noite de 2018 no Rio de Janeiro.
Considero belíssimas – e tão afastadas do sentimento médio de nossas ditas elites! – as palavras do antropólogo Viveiros de Castro. Para ele, aquela ruína deveria permanecer intocada, como o Coliseu:
A minha vontade é deixar aquela ruína como memento mori, como memória dos mortos, das coisas mortas, dos povos mortos, dos arquivos mortos, destruídos nesse incêndio. Eu não construiria nada naquele lugar. E, sobretudo, não tentaria esconder, apagar esse evento, fingindo que nada aconteceu e tentando colocar ali um prédio moderno, um museu digital, um museu da Internet – não duvido nada que surjam com essa ideia. Gostaria que aquilo permanecesse em cinzas, em ruínas, apenas com a fachada de pé, para que todos vissem e se lembrassem. Um memorial.
As duas rapsódias que completam este CD também mostram a nostalgia de um compositor amante do folclore numa era em que a locomotiva do progresso andava apressada em uma só direção.
Ralph Vaughan Williams (1872-1958) – Sinfonia Pastoral, Norfolk Rhapsodies
1 Norfolk Rhapsody No. 2
2 Pastoral Symphony (Symphony No. 3) – I Molto Moderato
3 Pastoral Symphony (Symphony No. 3) – II Lento Moderato
4 Pastoral Symphony (Symphony No. 3) – III Moderato Pesante
5 Pastoral Symphony (Symphony No. 3) – IV Lento*
6 The Running Set
7 Norfolk Rhapsody No. 1
London Symphony Orchestra – Richard Hickox
*Soprano – Rebecca Evans (track 5)
Recorded at All Saints’ Church, Tooting, London; 16-18 January 2002
Pleyel!
Dois grandes textos em tão curto espaço de tempo!
Este me convenceu a ouvir a sinfonia do Vaugham Williams!
Será que esta música se relaciona com a de Butterworth e Percy Grainger?
Vou baixar o arquivo e ouvir a música!
Boa noite!
RD
René,
Não conheço esses dois. É uma tradição musical bem insular né? Cercada de mar por todos os lados…
Texto precioso!