Marcílio Onofre (1982) – Capricho Medonho e Eatenus

[Post publicado pela primeira vez em 10 de junho de 2010, com acréscimos atualizados em itálico.]

Esse “grande público” distinguiu-se com frequência, nos últimos três séculos, por seu conservadorismo estético: por vezes se queixa das mudanças que lhe tornam a música “incompreensível”, e sua preocupação em compreender (tão estranha diante de uma arte não significante) torna-se obsessiva. Mas não se deve ser sistemático: o artista profético à frente de seu tempo é um lugar-comum da história da música. A defasagem sempre existe, mas, de ordinário, é sempre superada: percebidas a princípio como anomalias, as novidades são integradas à tradição, servindo, por sua vez, para controlar novos progressos. A recusa categórica da música da música moderna por parte de uma maioria do público é uma singularidade de nosso tempo.

Roland de Candé, em História Universal da Música, vol. 1

Sábado passado postei o Concertino para violoncelo e cordas de Clóvis Pereira aqui no blog. Não tenho queixa quanto ao número de downloads, mas creio que se não fosse pelos figurões (Meneses e Haydn) aquele CD não seria tão acessado.

Transcrevi essa epígrafe acima para reforçar uma cantilena que expus tempos atrás. Não sei quantos pararam para ouvir Gilberto Agostinho, Eli-Eri Moura, Clóvis Pereira, Harry Crowl ou Dimitri Cervo, mas sei que o desconhecimento dos nomes espanta os menos ousados. Que alguém não goste de ouvir aquilo com que teve contato é compreensível; estranho é o arraigamento da rejeição àquilo que não se conhece. Daí fica meu convite, mais uma vez, para baixarem obras postadas por mim, CDF, Ranulfus e itadakimasu e comentarem o que quer que seja (desde que não seja para apontar erros gramaticais e de digitação, pois cachorros mortos não serão chutados: serão cremados mesmo aqui no nosso filtro da wordpress).

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Preparei e publiquei o presente post, originalmente, na terça-feira de madrugada [antes do dia 10 de junho] e pouquíssimos puderam vê-lo. Nele, eu falava de como o Compomus (o Laboratório de Composição Musical da UFPB) tornou-se o maior celeiro de compositores nacionais durante esta última década e das parcerias entre esses compositores e grupos musicais locais, como o Brassil. [Só que aí a mudança de servidor mandou os textos do blog daquela semana pro beleléu e eu chutei o balde: reescrevi aquilo que pude recordar.]

Destaquei em particular o jovem Marcílio Onofre, que passou de aluno a professor do Compomus em poucos anos, e esta magnífica obra dele [- o Capricho medonho – ] cujo áudio descobri no YouTube, interpretada pelo próprio Onofre junto com a Sinfônica Jovem da Paraíba – orquestra que dedica um concerto por ano para estrear obras dos alunos do Laboratório (nem orquestras profissionais fazem isso no Brasil, atualmente).

[Removi o link porque recebi este arquivo e o seguinte de um colega meu que garantiu que o compositor não tem a menor bronca com downloads.]

No mais, boa audição. Vale a pena dar uma conferida.

BAIXE AQUI

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Fiquei (e continuo) muito bem impressionado com o Capricho medonho acima. Mas medonha é a presente partitura, Eatenus (algo que em latim quer dizer “longe pra caralho, nos confins das pregas do universo”), para flauta, clarineta, fagote, trompa, violino, viola, violoncelo e contrabaixo. As duas obras, lado a lado, mostram uma tendência observada entre os compositores da Paraíba: a de comporem peças experimentais um tanto áridas (como Eatenus) – ligadas às pesquisas desenvolvidas nas áreas de música, musicologia e tecnologia – e a de, consequentemente, terem cabedal para criar obras competentíssimas seguindo referências tradicionais (como o Capricho, que seria digno de ter sido escrito por aluno de Prokofiev ou Bartók caso conhecesse a música modal nordestina).

A interpretação é do grupo residente do Festival de Inverno de Campos do Jordão 2009.

BAIXE AQUI

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Nos próximos cinco dias, fiquem com o reload dos Quartetos de Cordas do Villa (que já estavam agendados antes do “apagão”) enquanto ajeito os posts do box de música sacra da Harmonia Mundi.

[Deixei esse trecho pra todo mundo voltar a ficar puto com o veto que levamos, de privar vocês das obras do Villa.]

CVL

12 comments / Add your comment below

  1. Caro C.V.L.:

    Já fiz o download. Realmente, este post foi um dos que passaram batido para mim na troca de servidores. De cara (Capricho Medonho), gostei. Estou enganado ou ele usa algumas passagens de música nordestina neste? No concertino do Clóvis Pereira isto fica evidente não obstante você tenha indicado, mas aquele vou ter que ouvir mais algumas vezes para ter certeza do que indiquei.

    Até breve.

  2. Usa sim, Adriano. Foi até o que falei bem no finalzinho do post. Onofre parte de um tema modal nordestino e na aparição mais nítida dele, depois do primeiro minuto, ainda introduz com parcimônia a famosa batida de baião – colcheia pontuada + semicolcheia – nos pratos e no triângulo. Valeu pelo comentário.

  3. se meu ouvido não está errado…

    compasso binário

    fá#-sol-fá#-sol-fá#-sib-sol-fá#-mib-dó-dó-mib-sol-fá#-dó-mib

    colc. semin. colc. / semin. colc. colc. ligada à seguinte / colc. lig. à ant. colc. colc. colc. / colc. colc. colc. colc. / semin. colc. colc.

  4. É, meu ouvido tá ruim mesmo: o fá é natural, não sustenido. Tive de escrever num editor de notas para ouvir depois e entendi que isso era em dó dórico – que é a segunda escala mais característica nordestina, depois do dó mixolídio.

  5. Caramba!
    Quantas palavras difíceis!!!!
    Meu sonho é entender isso tudo.

    Sobre o post, cara, que sensação estranha a de perceber que um compositor que eu esteja ouvindo é mais jovem que eu (sou de 81).
    Gostei muito dos dois. DO medonho gostei da música; do Aetenus gostei muito, muito, muito… do título. A música mais ou menos.
    Eu faço parte do público que não se dá com a música moderna (na verdade com a arte moderna como um todo).

    A propósito, CLV, tu poderia citar a tua fonte para a tradução de “aetenus”? Não consta no meu dicionário (limitadíssimo, confesso), e não consegui encontrar na net, a não ser em sites em inglês cuja credibilidade desconheço. Tu podia me dar certeza do significado?

  6. Estou tirando onda, Duda: Eatenus quer dizer algo como “muito distante, bem longe”, coisa do tipo, e esses significados podem estar ligados a um conceito abstrato ou não.

  7. Adriano, escrevi essas besteiras todas aí em cima (ou “encima”, como “tá na moda” escrever) pressupondo que você soubesse música. Perdoe-me caso contrário.

  8. Caro C.V.L.:

    Não tem problema! Eu estudei música há 20 anos, tocava sax tenor. Gostaria de voltar a tocar, outro dia achei o meu livro de teoria da música aqui “Pasquale Bona”, mas agora não tenho tempo pra nada, família e trabalho tomam muito tempo, por isso eu sempre estou ouvindo meu MP3, baixando do PQP e ouvindo no MP3!

  9. “Muito distante”??? Prefiro a tradução anterior: “longe pra caralho, na casa de cacha-prego, lá onde Judas percebeu que estava descalço” mesmo.
    Mas o que eu queria saber é como tu conseguisse o significado dessa palavra: dicionário, site ou alguém te falou?

  10. Consultei via Internet mesmo, mas para corroborar ou não pedi ao camarada que me mandou os arquivos que procurasse o compositor pra saber e me dar certeza.

  11. Beleza.
    Vou igar para os meus professores de latim da faculdade pra perguntar também.
    Caso tu confirme, me avisa pelo meu e-mail ([email protected]), por favor. É que eu fico com medo de esquecer de olhar de novo aqui nos comentários e acabar ficando sem saber o significado.
    Valeu, CLV.

  12. Pronto. Recebi a resposta através de meu intermediário:

    “Olá,

    Tudo bem?

    Tenho acompanhado as post no PQP Bach. Confesso que achei curioso esse interesse pelo título.

    […]

    Bom, o significado de Eatenus é “até agora” (encontrei em um dicionário de latim que tinha perdido em minhas coisas).

    Abraço,

    Marcílio”

    Ou seja, corrobora exatamente o que eu disse.

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