Feliz na sexta-feira

Na última sexta-feira, P.Q.P. Bach compareceu ao StudioClio a fim de assistir ao quarteto de cordas formado por

Guillaume Tardif e
Rodrigo Bustamante (violinos),
Hella Frank (viola) e
Rodrigo Silveira (violoncelo),

apresentarem um programa como um programa deve ser:

1. Quarteto de Cordas Op. 76 Nº 3 “Imperador”, de F. J. Haydn;
2. Quarteto K. 465 “Das Dissonâncias”, de Mozart e
3. Quarteto Op. 59 Nº 2 “Razumovsky”, de Beethoven.

Em primeiro lugar, analisemos o contexto. Este não é um quarteto que toca regularmente ou que tenha um repertório estabelecido. Não era natural, portanto, a escolha do Quarteto das Dissonâncias e muito menos do massacre representado pelo segundo Razumovsky, uma música dificíl e perigosa para todo quarteto, o que dirá para um recém formado ou formado para apenas uma apresentação. Porém, quando o grupo entrou no pequeno palco do StudioClio, notei aquela eletricidade que muita vontade e alguma raiva — pois três integrantes do quarteto moram numa cidade triste, onde tudo parece ter sido melhor no passado — , criam. Em resposta, a platéia lotava o espaço, desejando que tudo fosse diferente da Orquestra da Desgovernadora, aquela coisa disforme e sem testosterona (desculpe, Hella). Os caras estavam ali para tocar porque são bons músicos e bons músicos preferem a boa música, só desistindo quando veem que a estrutura está ali para fazer com que desistam da música que os tornou músicos, o que os torna deprimidos e sem motivação.

O Haydn foi maravilhoso com Tardif no comando. As Dissonâncias foram ainda melhores com Bustamante no primeiro violino, mas a interpretação do Beethoven foi espantosa, com Tardif de volta ao posto. Cheio de enunciados afirmativos e súbitos silêncios, o primeiro movimento foi levado com absoluto rigor e uma musicalidade raramente ouvida nas gravações que temos em casa. Dou destaque à descoberta de um movimento ao qual não dava grande importância: o segundo (Molto Adagio). Em razão da interpretação cheia de emoção do grupo fui levado a ler a respeito. Sabem o que Beethoven anotou na partitura? Si tratta questo pezzo com molto di sentimento. Esta peça é para ser tratada com muito sentimento. Grande trabalho do violoncelista Rodrigo Silveira. O ritmo do Presto que o segue é para ser russo, mas parece que antes de Mussorgsky e Korsakov era complicado ser autenticamente russo. Se falta Rússia, sobra a música de Beethoven, o que absolutamente não é pouco. O último movimento, cheio de episódios contrastantes, foi levado pelo quarteto já sabendo que a noite estava ganha. Por isso, aqueles diálogos rápidos entre os instrumentos foram feitos com exatidão através de olhares alegres.

O bis veio com a Contraponto Nº 1 de A Arte da Fuga. Bustamante, certamente cansado, entrou meio mole na jogada e desafinou logo na apresentação do tema, talvez no único erro grande cometido; porém, estava todo mundo tão feliz que aquilo apenas fez todo o resto do quarteto e o teatrinho inteiro sorrirem. Minha mulher, ao final do concerto, disse algo curioso:

— Os melhores concertos deveriam terminar sempre com Bach. Não por ser superior, mas por ser marcante, equilibrado, por ser o fundamento. É como o Q.E.D. dos teoremas.

Afirmo, sem medo de errar, que foi o melhor concerto que Porto Alegre assistiu neste ano.

Obs. final: Gosto muito de Hella Frank. Está sempre metida em projetos intessantes, não obstante ser professora universitária.

PQP

14 comments / Add your comment below

  1. Ótimo post como sempre e aproveitando o comentário, gostaria de saber como posso contribuir para que algumas obras do compositor Charles-Valentin Alkan apareçam no site. As opiniões acerca desse compositor são muito divididas, mas o considero como um dos maiores mestres que ja existiram.
    E continue com o ótimo trabalho que faz neste blog.
    Abraço, Rafael

  2. PQP amigo, aproveito que você se encontra em estado de graça pela audição que participou para lembrar que você nos prometeu em junho postar os quartetos de Dvorak. Seria um bom momento esse; mas não se preocupe, compreendo as agruras da vida de administrador de blog. Você tem nos prestado um enorme serviço, a todo o Brasil. Continue sempre com essa garra. Um abraço e boa semana.

  3. sugestão… por que não abrir um tópico ou link “SAC”?
    sim, eu sei que o sac aqui não é um modelo de eficiencia, mas seria util, nem que fosse apenas para rir da cara dos infelizes que acreditam…
    aí pelo menos comentarios especificos sobre um disco nao seriam poluidos por desvios do tipo “voce tem isso”, “voce tem aquilo”…
    é só uma humilde sugestão, dispenso o tubo de pvc batendo na minha cabeça…

    ah!!!
    e por falar nisso… Cecilia Bartoli lançou um disco novo com musicas dos castratti… voce tem isso?

  4. Gostaria que você soubesse que aqui em Porto Alegre, os músicos professores universitários estão sempre metidos em projetos interessantes. Não entendi o seu “não obstante” em relação à excelente Hella.

  5. Tenho que concordar com o Celso. Raramente se encontra professores em cursos superiores de música tao abertos a – e metidos em – novos projetos e idéias como em POA. Infelizmente nao assisti ao concerto (6500 milhas sao longe demais), mas acredito em tudo postado acima, vista a qualidade dos intérpretes.

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