Gavin Bryars (1943) : Jesus’ Blood Never Failed Me Yet

MI0000981591IM-PER-DÍ-VEL !!!

Esse é um CDs mais incríveis que ouvi nos últimos tempos. Gavin Bryars o explica e depois dou meus palpites furados:

In 1971, when I lived in London, I was working with a friend, Alan Power, on a film about people living rough in the area around Elephant and Castle and Waterloo Station. In the course of being filmed, some people broke into drunken song – sometimes bits of opera, sometimes sentimental ballads – and one, who in fact did not drink, sang a religious song “Jesus’ Blood Never Failed Me Yet”. This was not ultimately used in the film and I was given all the unused sections of tape, including this one.

When I played it at home, I found that his singing was in tune with my piano, and I improvised a simple accompaniment. I noticed, too, that the first section of the song – 13 bars in length – formed an effective loop which repeated in a slightly unpredictable way. I took the tape loop to Leicester, where I was working in the Fine Art Department, and copied the loop onto a continuous reel of tape, thinking about perhaps adding an orchestrated accompaniment to this. The door of the recording room opened on to one of the large painting studios and I left the tape copying, with the door open, while I went to have a cup of coffee. When I came back I found the normally lively room unnaturally subdued. People were moving about much more slowly than usual and a few were sitting alone, quietly weeping.

I was puzzled until I realised that the tape was still playing and that they had been overcome by the old man’s singing. This convinced me of the emotional power of the music and of the possibilities offered by adding a simple, though gradually evolving, orchestral accompaniment that respected the tramp’s nobility and simple faith. Although he died before he could hear what I had done with his singing, the piece remains as an eloquent, but understated testimony to his spirit and optimism.

The piece was originally recorded on Brian Eno’s Obscure label in 1975 and a substantially revised and extended version for Point Records in 1993. The version which is played by my ensemble was specially created in 1993 to coincided with this last recording.

Gavin Bryars

Este site faz sua descrição:

Como pode estar feliz um homem que nada tem, a não ser a roupa esfarrapada que veste, e uma garrafa de vinho na mão? O compositor britânico Gavin Bryars andava a gravar sons no centro de Londres, em 1971. Ás tantas deu de caras com um sem-abrigo a cantarolar uma quadra popular intitulada “Jesus Blood Never Failed Me”, Nunca me Faltou o Sangue de Cristo. Bryars voltou ao estúdio e quando pôs a gravação a tocar os colegas ficaram profundamente comovidos. Foi então que lhe ocorreu musicar a cantiga do feliz embriagado. No início soa a voz do homem isolada e trémola.

O quadro musical começa a compor-se com a envolvência dum quarteto de cordas.

O tema repete-se vezes sem conta, mas cada vez mais denso, até se escutar uma orquestra completa.

Gavin Bryars pensou, depois, num modo de explorar o tema por partes, criando nuances emocionais, por exemplo, fazendo sobressair as cordas graves da orquestra.

Mais adiante soa a voz do vagabundo rodeada só de sopros.

O ciclo repete-se até entrar o naipe de cordas completo com o chamado glockenspiel, uma espécie de xilofone.

Finalmente, para adensar a interpretação, Gavin Bryars contratou o vocalista Tom Waits, cuja voz se sobrepõe à do vagabundo, sublinhando o imaginário dramático da melodia, com a ajuda dum orgão.

A melodia original, ao fim de 1 hora e 14, vai-se desvanecendo, como se o homem ébrio, às tantas, se afastasse da cena.

Simples e comovente. Parece ter sido esse o intuito de Gavin Bryars ao reproduzir ciclicamente a cantiga dum ébrio. “Jesus Blood Never Failed Me” é a demonstração de que uma repetição não é necessariamente redundante. Porque o repisar duma ideia pode transformá-la. Ao ponto de lhe conferir uma nova carga emocional. Ao fim e ao cabo, a fórmula certa para gerar o máximo efeito com nuances mínimas.

Se o CD tem 75 minutos e o tema cantado pelo mendigo dura 20 segundos, ele é repetido 225 vezes… Porém, esse disco tem o curioso e notável poder de criar emoção através da acumulação. Ela vem em ondas e várias vezes tive alguma vontade de fazer despencar uma lágrima furtiva de meus olhos normalmente secos. A participação de Tom Waits não chega a ser o esperado, mas era absolutamente necessário um dueto com o mendigo.

Gavin Bryars – Jesus’ Blood Never Failed Me Yet (1993)

1. Tramp with Orchestra (string quartet) The Hampton String Quartet 27:09
2. Tramp with Orchestra (low strings) Orchestra 15:17
3. Tramp with Orchestra (no strings) Orchestra 4:48
4. Tramp with Orchestra (full strings) Orchestra 6:06
5. Tramp and Tom Waits with full Orchestra Tom Waits 19:39
6. Tom Waits with High Strings Tom Waits 1:48

Gavin Bryars Ensemble
Michael Riesman, regência

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Gavin Bryars: o mesmo tema, sempre comovente
Gavin Bryars: o mesmo tema, sempre comovente

PQP

24 comments / Add your comment below

    1. Se se descrever essa peça apenas com palavras para alguém, esse alguém terá a impressão de que se trata de algo muito enfadonho. Por isso mesmo é que a música transcende largamente as palavras. Pois esta peça é algo muito belo e profundo. Não a conhecia até hoje. A voz cansada, envelhecida, quase triste que insistentemente canta a canção não é uma ode ou uma súplica, mas um lamento. E esse lamento vai se intensificando com o adentrar das cordas, vai se metamorfoseando num murmúrio de reminiscências. Pois, paradoxalmente, à medida que as cordas e toda a orquestra vão se adensando, mais se evidencia a sensação murmurante. Diria que é uma peça sacra. Não num sentido teológico, mas quanto ao espírito intimista e devoçional. É um velho que canta. Sem escola, sem técnica, e com tanta arte! Esse velho, desde que foi retirado das ruas e colocado num gravador pelas mãos de um artista, não tem nome nenhum, não é um individuo dos proscritos de Londres. Ele agora é um instrumento musical bruto e desmedido. Talvez seja sua inocência que emociona tanto.

  1. Não me fez chorar nem nada perto disso… até aí, nada demais. O que me fez gostar mesmo dessa peça foi o jeito que ele usou a gravação da voz do tiozinho; realmente, muito melancólico e a cada nova orquestração você entra num ambiente novo. “Pesada” a obra, no entanto aquela 1 hora, 14 minutos e 33 segundos (de acordo com o meu Winamp) passou que nem 20 minutos…

    Não conhecia Gavin Bryars, vou baixar as outras coisas dele que tem no blog! Valeu, PQP ;¬)

  2. Francamente, sei não… Quando penso que o nosso amigo P.Q.P. não gosta de Arvo Pärt porque acha chato…
    Mas talvez é que meu “mood” hoje não era o ideal para ouvir bebum com fundo de orquestra, rsrs…
    Aliás nunca achei o Bryars grande coisa, embora reconheço sua importância no movimento inglês “alternativo”, na época… Mas vou olhar o que tem aí dele, quem sabe eu mudo (um pouco) de idéia…
    Aproveito o ensejo para transmitir toda a minha admiração para o autor deste blog, sua rara e imensa cultura musical, e eclétismo sem preconceito, conforme este post o comprove outra vez… Muito obrigado!

  3. Bem, eu estava pensando em fazer outro tipo de comentário, sobre o poder impressionante das coisas simples (como a canção cantada pelo mendigo), mas chamou-me mais a atenção o fato de ser ele aquele que não estava embriagado.

  4. Olha, pensei que essa face “Rene Duchamp” só existisse nas artes visuais… na verdade esse cd me lembrou aquele documentário brasileiro chamado Estamira. Prefiro continuar entendendo muito pouco de música e me bastando no pouco que entendo dos barrocos, clássicos e românticos…

    abs,

    Nilson Soares

  5. Sinceramente, fiquei sem palavras. Meu nível de conhecimento musical e sensibilidade não alcançaram a transcendência e abstração exigida pela peça.
    Confesso que a medida que ouvia a peça, ficava cada vez mais espantado, esperando um êxtase que nunca chegou. Não acreditava no que ouvia e a cada minuto que passava era acometido a uma crise de risos.

    1. Aqui em casa, eu e minha filha adoramos a peça. Já minha mulher — graças ao bom deus não estou mais com ela — esposa simplesmente detestou, sem entender nossa emoção.

      Eu realmente não sei explicar, mas garanto que acho a peça comovente, interessante, linda, etc. Fazer o quê?

  6. Desculpa, Strav. A obra é verdadeiramente comovente. Creio que ela, de repente, possa chocar ouvidos mais acostumados a Ketèlbey por sua rejeição deliberada à forma. Mas a peça tem força e emoção, inegáveis, sem ser piegas. Uma grande descoberta.

  7. A classificação de “IM-PER-DÍVEL” é sempre de considerar por mim. Daí que eu teria feito o download e ouvido. Faria isso se não tivesse lido a introdução à obra.
    Lida a introdução, pareceu-me uma grande exploração, um desrespeito por quem acaba a viver na rua. Só pode gostar quem nunca viveu na rua.
    Bem, eu nunca tive que viver na rua. Felizmente. Felizmente nunca nenhum artista se interessou pela minha vida.
    Fiquei-me por aqui.

    1. Muita tolice em poucas linhas. Quem disse que Bryars está atacando – usando – ridicularizando os homeless? Ele está dando é humanidade e visibilidade a eles. Um comentário muito, mas muito parvo.

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