Esta é a melhor gravação que já ouvi do Concerto para Orquestra de Bartók, obra que ouço há de quarenta anos. O checo Jakub Hrůša realiza um notável trabalho em torno dos dois Concertos para Orquestra escritos pelos compositores húngaros Bartók e Kodály, que foram amigos e pesquisadores e fundadores da etnomusicologia.
O Ilha Quadrada nos fez o favor de escrever muito bem a respeito do espetacular Concerto para Orquestra de Bartók:
Eu já disse que homem é homem, menino é menino, sinfonia é sinfonia, concerto é concerto, concerto grosso é concerto grosso, sinfonia concertante é sinfonia concertante… e concerto para orquestra, que raios é isso?
Siga a lógica: se concerto é para solista e concerto grosso é para um grupo principal de instrumentistas, o concerto é para orquestra quando esse grupo principal é a orquestra toda. Entendeu? Há algo de “comunismo” nesse conceito – todos os instrumentos são importantes, todos têm frases virtuosísticas e claramente destacadas, todos são de alguma maneira solistas. (Na sinfonia não há isso: a orquestra sempre soa homogênea, “sinfônica”.)
Esse lance todo surgiu no começo do século 20, com os neoclássicos dos anos 1920. Parece que o primeiro a cunhar o termo foi Paul Hindemith. Desde Hindemith dezenas de concertos para orquestra apareceram no repertório. Desses, alguns se estabeleceram: Kodály, Lutoslawski, Carter e, principalmente, o de Béla Bartók, de 1943.
Bartók foi um dos cabras mais machos da história da música. Passou até fome, mas nunca se curvou a nenhum ditador, nunca puxou o saco de ninguém e manteve-se artística e politicamente íntegro até o fim. Sofreu um bocado. Se pensarmos que sua Hungria foi um barril de pólvora constante desde sempre, com a chegada constante de austríacos, fascistas, nazistas, soviéticos, incas venusianos (não, esses não!)…
Quando um regime nazifascista se estabeleceu na Hungria durante a Segunda Guerra Mundial, Bartók, totalmente discordante dele, emigrou para os Estados Unidos. Lá, passou perrengue. Doente e paupérrimo, foi sobrevivendo graças à ajuda de amigos. Um deles foi fundamental: Serge Koussevitzky, regente russo que dirigiu a Sinfônica de Boston por 25 anos.
Koussevitzky foi um dos mais importantes mecenas da música do século 20, encomendando e estreando dezenas de obras. Ele rapidamente estendeu a mão para o necessitado Bartók e encomendou-lhe uma obra para orquestra, “do jeito que você quiser”. Bartók escreveu o Concerto para orquestra, que se tornaria das peças mais populares do século e certamente a sua mais famosa.
Em termos de estrutura, o Concerto para orquestra tem o formato concêntrico, simétrico, clássico de Bartók: cinco movimentos, allegro-scherzo-andante-scherzo-allegro. Como já comentamos, Bartók era fã de geometria e proporções matemáticas. A forma em cinco partes é provavelmente a mais equilibrada de todas – um fit perfeito!
As marcas do estilo de Bartók não se restringem a isso: o movimento central é uma elegia em tudo devedora da típica “música noturna” bartokiana; os movimentos intermediários destacam características de execução (os pares de solistas bem caracterizados no segundo movimento, e a valsa caricata “invadida” no quarto movimento); e o finale que une a música popular húngara a um contraponto mais cerrado.
O que mais chama a atenção, no entanto, é a transparência da orquestração: o título da obra não é à toa. Cada seção da orquestra é destacada claramente, cada instrumentista tem o seu momento de brilhar e de estabelecer diálogos. Em pouquíssimos momentos a orquestra soa “cheia”. A textura é límpida a todo momento. É quase uma sinfonia, é meio um concerto, é totalmente fascinante.
Chega de falar. O momento agora é de ouvir. Toca Bartók!
Bartók / Kodály: Concertos for Orchestra
Zoltán Kodály
1 Concerto for Orchestra, K. 115 16:26
Béla Bartók
2 Concerto for Orchestra, Sz. 116, BB 123: I. Introduzione. Andante non troppo – Allegro vivace 10:28
3 Concerto for Orchestra, Sz. 116, BB 123: II. Presentando le coppie. Allegretto scherzando 6:44
4 Concerto for Orchestra, Sz. 116, BB 123: III. Elegia. Andante non troppo 7:36
5 Concerto for Orchestra, Sz. 116, BB 123: IV. Intermezzo interrotto. Allegretto 4:20
6 Concerto for Orchestra, Sz. 116, BB 123: V. Finale. Pesante – Presto 9:52
Rundfunk-Sinfonieorchester Berlin
Jakub Hrůša
PQP
PQP! Isso sim é um banho de cultura musical. Puro prazer e deleite.
Mais uma vez obrigado a vcs.
Exato, cultura musical é o que se ouve.
Que baita foto !!
Fantástico! Nunca tinha ouvido essa peça de Bartók. Na verdade, comecei a ouví-lo apenas recentemente, graças às publicações dessa grande dádiva para a humanidade que chamamos de PqpBach. Estou completamente atônito com o Segundo Concerto para Violino, esse “Concerto”, dentre outras obras. Como aspirante a compositor, fico me perguntando o que que esses caras tinham na cabeça para serem capazes de criar obras nesse nível!
Tenho uma grande dificuldade de gostar de Bela Bartok. Escuto, mas não me gera grande emoção. Mas, o que nosso amigo Kodaly faz é simplesmente espetacular. Que disco!