A moda e a modinha são, desde pelo menos o século XVII, testemunhas privilegiadas do complexo movimento de troca cultural entre Brasil e Portugal. Não há certeza sobre sua procedência, apesar das calorosas discussões que até o presente envolvem a questão: uns as declaram portuguesas, outros, brasileiras. Mais importante que a resposta conclusiva, porém, talvez seja a relevância que tiveram na história destes paises, e os acréscimos que ambos lhes fizeram, transformando-as finalmente nas diferentes manifestações da música popular que perduram até hoje.
Vários autores indicam o século XVI como origem do gênero, embora não esclareçam com precisão os mecanismos de transformação ocorridos desde os ancestrais ayres, tonos, tonadilhas, coplas, seguidilhas, xácaras, modos e, especialmente, serranilhas, até a moda e a modinha. Fato é que a diversidade de sua ascendência resultou na variedade da estrutura estrófica e rítmica da modinha, mantendo-lhe a unidade, a “feição e caráter de canção acompanhada, de fundo lírico e sentimental”, segundo Mozart de Araújo.
Mesmo esta unidade não pode ser observada sem que se façam ressalvas que evidenciem as diversas transformações que a modinha sofreu desde suas primeiras manifestações até seu encontro com o lundu que, junto com a modinha, deve ser considerado alicerce sobre o qual se ergueu a música brasileira em suas diversas manifestações.
Viajantes europeus foram a principal fonte de informações sobre o lundu (londu, iandu, lundum, etc.), descendente direto do batuque africano, primitivamente uma válvula de escape para os escravos. Seus relatos descrevem-no como dança à qual a umbigada (movimento em que os pares fazem bater um no outro a região do umbigo) conferiria um caréter lascivo.
No século XVII o lundu teria perdido seu caráter coreográfico, transformando-se em música para ser cantada, que declarava, agora expressamente, seu caráter brasileiro. A umbigada transforma-se então em reverência, e o lundu volta a ser dançado, desta feita nos salões da sociedade. Da mesma forma que a modinha, nascida na Corte e criada em berço abastado, integrou-se com o correr do tempo de
forma definitiva à musicalidade popular, falando então diretamente às classes menos favorecidas, o lundu abandonou aos poucos, pelo seu intenso convívio com as modinhas, o caráter intrinsecamente popular e passou a fazer parte da realidade cotidiano das sociedades cultas.
A modinha, nascida na excelência dos músicos de corte e habitante inicial dos palácios, mistura-se aos poucos ao lundu, emprestando-lhe às vezes o lirismo árcade lusitano e tomando para si o rítmo sincopado afro-brasileiro.
As peças que comentaremos em seguida são exemplos característicos das diversas etapas dessas transformações, sem que no entanto se possa sempre discernir com clareza a modinha popular da mais culta, o lundu africano do lundu-canção, o lírico do satírico.
Guilherme de Camargo, 2004 (extraído do encarte)
Anonyme/M. Lopez de Honrubias, 1657
01. Marizápalos a lo humano
Antonio José da Silva (1705-1739)
02. De mim já se não lembra
Anonyme, Lisbonne (c. 1700-1750)
03. Vilão do sétimo tom
Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830, Rio de Janeiro, RJ)
04. Marília bela/Já que só estou dando ais
05. Se fores ao fim do mundo
06. Os me deixas que tu dás
07. Você se esquiva de mim
Domingos Caldas Barbosa (1740-1800) & Leal Moreira (1758-1819)
08. Os teus olhos e os meus olhos
Thomaz Antonio Gonzaga (Porto,1744-Ilha de Moçambique, 1810), musicada por compositor anônimo da mesma época (Marcos Portugal?)
09. Ah! Marília que tormento/Os mares minha bela
10. Sucede, Marília bela/Já, já me vai Marília
Anonyme (Recueilli par Von Martius entre 1817 et 1820)
11. Landum
12. Acaso são estes
Anonyme (Recueilli par Mário de Andrade, 1930)
13. Lundum para piano
Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830, Rio de Janeiro, RJ)
14. Beijo a mão que me condena
15. Lição 5ª
16. Você trata amor em brinco
J. F. Leal (fins du XVIIIème siècle, début XIXème)
17. Esta noite
Joaquim Manoel Gago da Camara (fin du XVIII siècle, début XIXème. Arrangé pour chant et piano par Sigismond Neukomm)
18. Desde o dia em que eu nasci
19. Vem cá, minha companheira
20. Por que me dizes chorando
21. Estas lágrimas sentidas
Xula carioca
22. Onde vás linda negrinha
Cândido Ignácio da Silva (1800-1838)
23. Lá no largo da Sé velha
O Amor Brazileiro – CD 2 de 2 – 2004
Ricardo Kanji, flûtes
Rozana Lanzelotte, pianoforte
Vox Brasiliensis
.
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
XLD RIP | FLAC 426,3 MB | HQ Scans
BAIXE AQUÍ – DOWNLOAD HERE (com encarte)
MP3 320 kbps – 172,6 MB – 1,2 h
powered by iTunes 9.1
.
.
.
Boa audição.
.
Avicenna
Passei o dia vendo este post sem me ligar no valor dele, Avicenna. Essa compilação é fundamental para se compreender o nascimento de nossa música popular (não a folclórica, a popular urbana mesmo). Vou baixar agora!
Não deixe de ler o encarte, CVL. Ele traz muitas informações importantes sobre cada música e cada autor.
Um abraço!
Caro Avicenna,já faz muito tempo que procuro por uma gravação que tive da única sinfonia escrita por Henrique Oswald,se não me engano,SINFONIA EM SOL.Posso estar enganado,mas acho que era um lp do selo festa com a OSB regida por Edoardo di Guarnieri.Esta sinfonia é muito linda,simples e elegante.
Tive mais de 100 lps de Música erudita brasileira,mas infelizmente a ex-mulher deu sumiço em todos(que saudade! dos discos,não dela, é claro.Se você souber desta gravação por favor de alguma esperança.
Obrigado.
Que disco extraordinário, Avicenna!! Acho que foi o que mais me convenceu como resultado musical, de todo esse trabalho que o Kanji vem fazendo de documentação da história da música no Brasil – embora no mínimo como documento seja TUDO indispensável.
Tive inclusive o enorme prazer de ver que se evitou o excessivo maneirismo italianizante que já estragou outras iniciativas do tipo. A música poder estar maravilhosa, mas aí você ouve “você trrata amorr em brrinco”, e acaba, né? Neste disco inteiro acho que ouvi escapar só UM “r” um pouco artificial – o que nem de longe compromete o conjunto.
O melhor é que acaba sendo um documento não apenas musical mas também lingüístico; atesta p.ex. que o “você” já estava bem estabelecido ainda antes da independência – ou seja: o desprezo ainda de alguns autores do século XX pelo “você” não passava de pedantismo!
Obrigado por mais essa!!
Obrigado, Maestro Ranulfus. Seus comentários equivalem a um certificado de qualidade!
Pronto, NYCTEROI !!!
Este CD é bom demais!
Obrigado![2]