Frédéric Chopin (1810-1849): Valsas (Dinu Lipatti)

A pianista brasileira Guiomar Novaes costumava dizer que Chopin exige tudo do intérprete, “que precisa tocá-lo com cabeça, coração, com o pé, com a mão, com tudo”. Entre outras grandes gravações de Novaes (só de Chopin: Concertos, Noturnos, Mazurkas, Sonatas…), são também notáveis as 15 valsas que ela gravou, incluindo 13 publicadas em vida pelo polonês e duas póstumas. Nikita Magaloff, Claudio Arrau e Dang Thai Son gravaram 19 valsas de Chopin, pois incluíram um total de seis valsas póstumas. Mais o mais comum é que a coleção de valsas “principais” fique restrita a 14, foram essas as que gravaram, entre outros, A. Rubinstein, A.G. Barbosa, M.J. Pires, entre tantos outros… e Lipatti.

E aqui eu vou me contradizer: sempre tenho defendido em minhas postagens a importância de se conhecer várias interpretações das grandes obras, para percebermos as nuances e diferentes possibilidades… Mas com essas valsas, vocês vão me perdoar, mas e tenho dificuldades para ouvir qualquer um que não seja o pianista romeno Dinu Lipatti (1917-1950).

A forma como Lipatti executa as valsas de Chopin coloca a melancolia do compositor polonês sempre em segundo plano, como um sentimento presente mas sublimado pela dança. A vida é dura, as doenças, a estupidez e a maldade são dados da realidade, e na música de Chopin não temos a profunda religiosidade de Bach ou Messiaen, não temos tanta certeza da presença de um ser supremo para livrar-nos do Mal, parece que a energia deve ser buscada no fundo de nós mesmos, como mostra Lipatti ao interpretar Chopin: mesmo nas valsas em tom menor, há uma alegria interior, um agridoce e uma vontade irresistível de dançar.

E ao mesmo tempo, estamos falando de gravações do fim da curta vida de um pianista diagnosticado com uma grave leucemia: eu consigo imaginar Lipatti falando o seguinte para a plateia de seu último recital em Besançon, onde ele tocou 13 valsas de Chopin: “não sei se vou durar muito, mas sobretudo não parem de dançar!”

As Valsas de Chopin foram compostas ao longo de quase vinte anos, ao contrário dos Prelúdios ou dos Estudos que foram pensados e publicados em grupos grandes e coesos, com uma ordem bem definida, alternando tons maiores e menores. Por isso, as valsas se prestam bem ao tipo de ordenamento pessoal que fez Lipatti, começando com algumas das mais calmas e sofisticadas e terminando com as duas primeiras a serem publicadas, as mais brilhantes e alegres. Se um pianista fosse seguir a ordem cronológica estrita, seria preciso começar com aquelas que foram publicadas postumamente, algumas das quais ele compôs aos 19-20 anos e não enviou para editoras, apenas dedicando versões manuscritas a amigos e sobretudo amigas, às vezes mais do que amizades… como a “Valsa do adeus” op. posth. 69 nº 1, dedicada primeiro a Maria Wodzińska, polonesa autora do retrato abaixo, e de quem Chopin foi noivo. A família de Wodzińska impediu o casamento e, talvez por isso, Chopin dedicou anos depois a mesma valsa – em manuscritos – a Eliza Peruzzi e a Charlotte de Rothschild. Ambas foram suas alunas: Peruzzi tornou-se um grande nome do piano nos salões de Paris: em 1843 e 44, organizou soirées em que ela e Chopin tocaram os concertos do polonês em versão para dois pianos. A riquíssima Mademoiselle de Rothschild também dava algumas das recepções mais cotadas entre os intelectuais de Paris, recebendo em sua casa artistas como Chopin, Honoré de Balzac, Eugène Delacroix e Heinrich Heine. No “tempo perdido” de Proust, temos descrições de alguns desses salões parisienses sempre comandados por mulheres ricas, que bancavam o jantar e os drinques, reunindo cuidadosamente, como jardineiras, uma flora diversificada de artistas, aristocratas endividados, contadores de piadas, burgueses de gosto conservador e raros burgueses de gosto mais exótico.

Frédéric Chopin (1810-1849):
14 Valses

Dinu Lipatti, piano
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Maria Wodzińska foi a autora desta aquarela, em 1835, ano da Valsa op. 69 nº 1

E para completarmos o momento “túnel do tempo”, trago um outro intérprete da tradição francesa de se tocar Chopin, tradição que inclui também os imensos nomes já citados de Novaes e Magaloff, que estudaram, ambos, com o francês Isidor Philipp. Já Samson François (1924-1970) e Dinu Lipatti, que aliás eram da mesma geração, ambos estudaram com Alfred Cortot. Chopin viveu seus últimos 18 anos em Paris, então tanto Philipp como Cortot conheceram pessoas que conheceram Chopin, se inscrevendo em uma tradição oral e performática de ideias sobre como a música de Chopin devia soar. Nos últimos anos, com o famoso Concurso Chopin de Varsóvia, tem sido mais destacado o lado polonês do compositor, mas não tenho dúvidas de que a metade francesa por adoção é tão importante quanto a metade polonesa de berço.

As mazurkas por Samson François, assim como as valsas por Dinu Lipatti, são sobretudo miniaturas musicais dançantes: não temos aqui a seriedade das interpretações de Michelangeli. O tempo rubato às vezes pode soar um pouco exagerado, como é o caso também nas gravações de Cortot, mas em geral me agrada bastante a forma como François vai se expressando por meio de fraseados elegantes e dançantes. Embora não me faça esquecer totalmente as outras gravações como acontece quando eu ouço um único segundo de Lipatti.

Frédéric Chopin (1810-1849):
Sonates nº 2 & 3
51 Mazurkas

Samson François, piano
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Frédéric Chopin (desenho a lápis por George Sand, 1841)

Pleyel

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  1. Belo texto, Pleyel. Sem exagero, instigou-me a mudar de visão não só sobre a gravação — Lipatti–, como sobre a obra também. E por falar em Proust, tem a esperada nova tradução agora… Veremos.

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