Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Suítes para Violoncelo Solo – Casals

662603_1_fEstreei aqui no PQP Bach com um relato bastante palavroso do meu primeiro contato com estas obras que amei imediatamente – muito embora, como bem apontaram os leitores-ouvintes, a gravação que o acompanhou não fosse lá grande coisa.

Pretendo, aos poucos, redimir-me e postar por aqui todas as gravações que tenho dessas preciosas suítes. Sim: todas, todinhas, com todos os intérpretes e em todos os arranjos que colecionei ao longo dos anos – o que, na justa medida desse amor incomensurável, é um senhor montão de coisas.

Se hoje dispomos de uma carta tão variada de gravações, e se todo violoncelista que se preza inclui as Suítes de Bach em seu repertório, nós o devemos a um cidadão chamado Pau Carles Salvador Casals i Defilló, catalão de nascimento, que ficou conhecido mundo afora como Pablo Casals.

Casals teve uma longa (96 anos!) e prolífica vida. Depois de estudar piano, violino e flauta, seu primeiro contato com o que deveria ser um violoncelo foi ao assistir um músico itinerante tocando um cabo de vassoura com cordas (!!). Depois de muito insistir com o pai, este lhe construiu um instrumento que tinha uma cabaça como caixa de ressonância (!!!). Foi só aos onze anos que viu um violoncelo de verdade, adquiriu um instrumento de criança e começou a estudá-lo a sério.

Aos treze anos, num sebo próximo ao porto de Barcelona, fez a descoberta mais importante de sua vida: uma surrada partitura das Suítes para violoncelo de Johann Sebastian Bach, até então largamente esquecidas e, se tanto, relegadas a meras peças de estudo. Casals passou os treze anos seguintes a estudá-las meticulosamente antes de criar a coragem de tocá-las em público pela primeira vez. Contrariamente ao costume da época, que era o de incluir em recitais apenas movimentos isolados das obras instrumentais de Bach, Casals fez questão de executar as Suítes integralmente, com todas as repetições indicadas pelo compositor. Ciente de que uma execução inteiramente satisfatória de tais obras geniais escapava à capacidade humana, o grande músico catalão relutou em gravá-las, e só o fez, finalmente, em 1936, quando já tinha sessenta anos.

Além da exigente carreira de solista e pedagogo, Casals ainda teve tempo de ser um ativo camerista (especialmente com o Trio Thibaud-Cortot-Casals), um ardente republicano, ferrenho opositor à ditadura de Francisco Franco, e compositor do Hino das Nações Unidas (com letra – vejam só – de W. H. Auden).

Do exílio voluntário, que prometera encerrar somente após a destituição de Franco, organizou um festival anual de música na cidade catalã de Prades/Prada de Conflent, cujos proventos destinou a um hospital para refugiados catalães. Morreu em 1973, dois anos antes de Franco, e foi sepultado em Porto Rico, terra natal de sua mãe, onde vivera seus últimos anos.

Durante sua vida, Casals foi incensado como um músico de estirpe incomparável, acima de qualquer crítica. De fato, parece difícil criticar um cidadão tão talentoso e engajado, de vida tão longa e rica. No entanto, caem de tacape em cima destas gravações, acusando-as de mal articuladas, apressadas e, mesmo, bizarras. Com os ouvidos repletos de versões modernas, ainda mais aquelas em violoncelo barroco que costumam ser as minhas preferidas, meu primeiro veredito também não foi muito favorável. Durante um bom tempo pensei que a gravação de Casals fosse respeitada tão só pela reverência que bem cabia ao grande homem, como nome fundamental não só do instrumento como também da história de performance dessas obras que são o pináculo de seu repertório.

Pretendia, pois, postar esta versão também por reverência, interesse histórico e, dado seu pioneirismo, por achá-la adequada à abertura desta série. Ao escutá-la novamente, enquanto preparo esta postagem, eu me surpreendi ao apreciá-la. Por mais que o som de Casals não seja opulento, e em que pese a tecnologia de quase oitenta anos atrás, achei que a “abordagem rapsódica” alegada pelos críticos carrega também, entre evidentes deslizes, os frutos de muita musicalidade.

Infelizmente, o som deste álbum da EMI não tem a qualidade daquele lançado pela Naxos anos depois e que ouvi na FM Cultura de Dogville (nos tempos, claro, em que a emissora se prestava a radiodifundir algo de Bach). Se algum dia eu conseguir o álbum da Naxos, substituirei os links.

JOHANN SEBASTIAN BACH (1685-1750)

SEIS SUÍTES PARA VIOLONCELO SOLO, BWV 1007-1012

CD 01

SUÍTE NO. 1 EM SOL MAIOR, BWV 1007

01 – Prélude
02 – Allemande
03 – Courante
04 – Sarabande
05 – Menuet I & II
06 – Gigue

SUÍTE NO. 2 EM RÉ MENOR, BWV 1008

07 – Prélude
08 – Allemande
09 – Courante
10 – Sarabande
11 – Menuet I & II
12 – Gigue

SUÍTE NO. 3 EM DÓ MAIOR, BWV 1009

13 – Prélude
14 – Allemande
15 – Courante
16 – Sarabande
17 – Bourrée I & II
18 – Gigue

 

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CD 02

SUÍTE NO. 4 EM MI BEMOL MAIOR, BWV 1010

01 – Prélude
02 – Allemande
03 – Courante
04 – Sarabande
05 – Bourrée I & II
06 – Gigue

SUÍTE NO. 5 EM DÓ MENOR, BWV 1011

07 – Prélude
08 – Allemande
09 – Courante
10 – Sarabande
11 – Gavotte I & II
12 – Gigue

SUÍTE NO.6 EM RÉ MAIOR, BWV 1012

13 – Prélude
14 – Allemande
15 – Courante
16 – Sarabande
17 – Gavotte I & II
18 – Gigue

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Pau CASALS, violoncelo
Gravado em 1936

Gràcies per tot!
Gràcies per tot!

Vassily Genrikhovich

4 comments / Add your comment below

  1. Dá pra adiantar, mais ou menos, quantas versoes teremos nessa série? Conheco as versoes de Fournier, Casals, Ma, Rostropovich e Queyras. Queyras é meu favorito até agora. Nenhuma destas versoes foram executadas em instrumento de época, fato que deixa a minha expectativa ainda maior. Já estou esfregando as maos (ou os ouvidos) de antecipacao.

    1. Na última vez que contei, eram sessenta e sete versões, incluindo transcrições para outros instrumentos – entre os quais flauta-doce, cravo, contrabaixo e viola – e algumas versões já publicadas no PQP cujos links desapareceram.

      1. Pelos deuses, você tem sessenta e sete versões só das suítes para violoncelo de Bach? Tento imaginar o tamanho monstruoso que deve ser sua discoteca inteira!

  2. Gràcies per tot el coneixement que ens has ofert sobre Pau Casals en aquest ‘post’, i també per tota la música que habitualment ens ofereixes a pqpbach. Una matització sobre el teu escrit “cujos proventos destinou a um hospital para refugiados catalães”: no, no van ser destinats a “catalans” sinó a tots els espanyols represaliats pels feixistes de Franco. I un apunt, durant molts, molts anys, Casals va interpretar, com a mètode d’aprenentatge/superació, cada dia una d’aquestes suites després d’esmorzar.

    Obrigado por todo o conhecimento que você nos forneceu sobre Pau Casals neste post, e também por todas as músicas que você geralmente oferece ao pqpbach. Um esclarecimento sobre sua redação “…cujas fontes chegaram a um hospital para refugiados catalães”: não, eles não foram destinadas aos “catalães”, mas a todas aos espanhóis represáliados pelos fascistas de Franco. E um apunte, por muitos e muitos anos, Casals interpretou, como método de aprendizado/superação, uma dessas suítes diariamente após o café da manhã.

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