Dmitri Shostakovich (1906-1975): Sinfonias Nos. 2 & 11

A maioria de minhas sinfonias são monumentos funerários. Gente demais, entre nós, morreu não se sabe onde. E ninguém sabe onde foram enterrados. Aconteceu a uma porção de amigos meus. Onde se pode erguer um monumento a eles? Somente a música pode fazê-lo. Estou disposto a dedicar uma obra a cada uma das vítimas. Infelizmente, é impossível. Dedico-lhes, então, toda a minha música.

DMITRI SHOSTAKOVICH

Dentre as sinfonias de Shostakovich, creio que três são as menos populares e raramente são interpretadas. São elas a 2ª, 3ª e 12ª. A 11ª também é pouco tocada, mas…

(A gravação de Gergiev não está entre as campeãs, mas é boa).

Sinfonia Nº 11, Op. 103 – O Ano de 1905 (1957)

Esta sinfonia talvez seja a maior obra programática já composta. Há grandes exemplos de músicas descritivas tais como As Quatro Estações de Vivaldi, a Sinfonia Pastoral de Beethoven, a Abertura 1812 de Tchaikovski, Quadros de uma Exposição de Mussorgski e tantas outras, mas nenhuma delas liga-se tão completa e perfeitamente ao fato descrito como a décima primeira sinfonia de Shostakovich. É minha opinião.

Alguns compositores que assumiram o papel de criadores de “coisas belas”, veem sua tarefa como a produção de obras tão agradáveis quanto o possível. Camille Saint-Saëns dizia que o artista “que não se sente feliz com a elegância, com um perfeito equilíbrio de cores ou com uma bela sucessão de harmonias não entende a arte”. Outra atitude é a tomada por Shostakovich, que encara vida e arte como se fosse uma coisa só, que vê a criação artística como um ato muito mais amplo e que inclui a possibilidade do artista expressar — ou procurar expressar — a verdade tal como ele a vê. Esta abordagem foi adotada por muitos escritores, pintores e músicos russos do século XIX e, para Shostakovich, a postura realista de seu ídolo Mussorgsky foi decisiva. A décima primeira sinfonia de Shostakovich tem feições inteiramente mussorgkianas e foi estreada em 1957, ano de muitas glórias além do quadragésimo aniversário da Revolução de Outubro. Foi o ano em que nasci, para vocês terem uma ideia de sua importância. Contudo, ela se refere a eventos ocorridos antes, no dia 9 de janeiro de 1905, um domingo, quando tropas czaristas massacraram um grupo de trabalhadores que viera fazer um protesto pacífico e desarmado em frente ao Palácio de Inverno do Czar, em São Petersburgo. O protesto, feito após a missa e com a presença de muitas crianças, tinha a intenção de entregar uma petição — sim, um papel — ao czar, solicitando coisas como redução do horário de trabalho para oito horas diárias, assistência médica, melhor tratamento, liberdade de religião, etc. A resposta foi dada pela artilharia, que matou mais de cem trabalhadores e feriu outros trezentos.

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O primeiro movimento descreve a caminhada dos trabalhadores até o Palácio de Inverno e a atmosfera soturna da praça em frente, coberta de neve. O tema dos trabalhadores aparecerá nos movimentos seguintes, porém, aqui, a música sugere uma calma opressiva.

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O segundo movimento mostra a multidão abordar o Palácio para entregar a petição ao czar, mas este encontra-se ausente e as tropas começam a atirar. Shostakovich tira o que pode da orquestra num dos mais barulhentos movimentos sinfônicos que conheço.

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O terceiro movimento, de caráter fúnebre, é baseado na belíssima marcha de origem polonesa Vocês caíram como mártires (Vy zhertvoyu pali) que foi cantada por Lênin e seus companheiros no exílio, quando souberam do acontecido em 9 de janeiro.

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O final – utilizando um bordão da época – é a promessa da vitória final do socialismo e um aviso de que aquilo não ficaria sem punição.

Symphony No. 2:
1 I. Largo – Crochet – Poco Meno Mosso – Allegro Molto 7:18
2 II. Crotchet – Meno Mosso – Moderato 5:26
3 III. Chorus – “To October” 6:40

Symphony No. 11:
4 I. The Palace Square – Adagio 15:10
5 II. The 9th Of January – Allegro 17:17
6 III. In Memoriam – Adagio 10:29
7 IV. Tocsin – Allegro Non Troppo 13:42

Mariinsky Orchestra
Valery Gergiev

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Shostakovich: uma sinfonia estarrecedora
Shostakovich: uma sinfonia estarrecedora

PQP

2 comments / Add your comment below

  1. Obrigado pela postagem, PQP. Estive numa maré de Shostakovich por esses dias e só não ouvi as sinfonias Nos. 2 e 3, que não possuo (bem, baixando essa No. 2 aqui agora), e a No. 15, que não conheço direito e estou deixando pro fim. Concordo com você que a sinfonia No. 11 é grande, pra mim é uma das maiores sinfonias dele. Sempre me emociono ao ouvir.

    Interessante essa fala de Shostakovich que você postou. Às vezes penso nas sinfonias dele como verdadeiros requiems, especialmente as de números 13 e 14. Imagino como poderia ter sido a obra dele caso tivesse vivido em um contexto diferente, menos trágico.

  2. A emblemática sinfonia No. 11 que prefiro com Andris Nelsons na regência, se mostra bem apropriada para o momento. Precisamos tentar entregar uma Carta, algo que impeça o retrocesso do país.

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