Hephzibah & Yehudi Menuhin: música e ativismo

Yehudi Menuhin e Hephzibah Menuhin.

Dois prodígios musicais, os irmãos Hephzibah e Yehudi Menuhin formaram duradoura parceria, entre gravações e concertos… Nascida em San Francisco, California, Hephsibah era 4 anos mais nova que o célebre violinista, nascido em New York. E tinham na irmã caçula, Yaltah, também uma talentosa pianista…

Em Paris, as meninas se tornaram alunas de Marcel Ciampi, que brincava: “O útero da Sra. Menuhin é um verdadeiro conservatório”… Descendentes de linhagem judaico-lituana de rabinos, o pai, Moshe Menuhin, emigrara para USA, 1913, para concluir estudos na Universidade de New York…

Os filhos, no entanto, tiveram pouca escolaridade formal. E Hephzibah foi considerada inapta para o aprendizado, sendo alfabetizada em casa. Mas, logo revelou notável aptidão musical, tornando-se aluna de Lev Shorr. E, mais tarde, de Rudolf Serkin e Marcel Ciampi…

Hephzibah tinha 13 anos, quando realizou 1ª gravação com Yehudi. Parceria que, ao longo de anos, traria belos resultados – gravações antológicas de Beethoven, Schubert, Franck e outros… Assim, os jovens músicos obtiveram prêmio “Candid” – melhor disco de 1933. E no ano seguinte, estreariam na “salle Pleyel”, Paris, seguindo-se New York e Londres…

Yehudi Menuhim e George Enescu, compositor romeno.

Por seu lado, Yehudi iniciou estudos de violino aos 5 anos, em San Francisco, com Sigmund Anker. E aos 7 anos, foi solista da “Orquestra de São Francisco”… Então, estudou com Louis Persinger e incorporou vasto repertório, entre concertos de Bach, Beethoven e Brahms, se apresentando aos 12 anos, com “Filarmônica de Berlim”, direção de Bruno Walter…

A despeito da afinidade musical e sucesso, Hephzibah e Yehudi também desenvolveram carreiras individuais. Aos 14 anos, a pianista partiria em recitais solo em diversos centros europeus e americanos… E Yehudi, aos 18 anos, estudaria com o romeno George Enescu, realizando turnês pela Nova Zelândia, Austrália, África do Sul e Europa, 1935…

O nome Hephzibah significa “aquela esperada com alegria, portadora da vida”… E as duas crianças, depois adolescentes, tornaram-se fenômenos musicais de sua época, anos 1920/30… Em 1938, voltariam a tocar juntos, a convite de Bernard Heinze, no “Royal Albert Hall”, Londres, quando teriam experiência singular:

– Apresentados aos irmãos Nola e Lindsay Nicholas, herdeiros da farmacêutica “Aspro” e agropecuaristas australianos, em pouco tempo, Yehudi se casaria com Nola; e Hephzibah com Lindsay…

E enquanto Yehudi mantinha intensa agenda, Hephzibah optava por morar numa propriedade rural, na Austrália – “Terrinallum”, uma pastagem de ovelhas. E por 13 anos, priorizaria a educação dos filhos e a vida cultural australiana, reduzindo compromissos internacionais…

Yehud Menuhim em visita à Hospital, 2ª guerra Mundial.

E quando o mundo atravessou terrível conflito – “2a guerra mundial”, Hephzibah permaneceu na Austrália e Yehudi juntava-se a diversos artistas, em apoio às forças aliadas, acolhimento aos sobreviventes dos campos de concentração e, mais tarde, atuando no concerto inaugural das “Nações Unidas”. Intensa atividade, sob impacto do conflito e atento aos desdobramentos do “pós-guerra”…

Na Austrália, Hephzibah dedicou-se às atividades educacionais, onde implementou biblioteca itinerante para crianças e manteve intensa agenda musical. Assim, realizou concertos com as sinfônicas de Sydney e Melbourne, além de turnês de música de câmara, com o “Griller Quartet” e com o próprio Yehudi Menuhin. Apoiou projetos, como “Música viva Austrália”, de Richard Goldner, e realizou estreia australiana do “2º concerto para Piano”, de Bartók…

Também mobilizou-se por músicos e amigos europeus, que emigravam para Austrália, durante a guerra. Por fim, ambos os casamentos terminariam em divórcio… E os dois filhos de Hephzibah, Kronrod e Marston, ficariam com o pai, Lindsay Nicholas…

Cemitério judaico em “Theresienstadt” (“Teresin”), na república Tcheca.

Passada a guerra, Hephzibah participou do “Festival de música de Primavera”, em Praga. E Paul Morawetz, empresário de Melbourne, a levou no campo de concentração de “Theresienstadt”, atual república Tcheca – o que lhe causou profunda impressão, levando a refletir sobre a violência perpetrada e herança judaica…

Gradualmente, a pianista ampliou atividades. A partir de 1951, retornaria à Londres, com Yehudi Menuhin, na abertura do “Royal festival Hall”… E sob impacto daqueles tempos, engajava-se em causas sociais e dos direitos humanos, apoiando a “National music camp Association”. Em 1954, mudou-se para Sydney, deu recitais, abrindo sua residência à comunidade, e estreou “concerto para Piano”, do argentino Juan José Castro, titular da “Vitorian Symphony Orchestra”…

Então, conheceu Richard Hauser, sociólogo “quaker” austríaco. E ambos se divorciaram para se casarem, em 1955. Tiveram uma filha, Clara Menuhin-Hauser, e após dois anos, se mudaram para Londres, onde adotaram Michael Alexander Morgan, criança de origem galesa/nigeriana… E Hephzibah, gradualmente, assimilou princípios e bases filosóficas dos “quakers”…

“Freedom means choosing your burden” (“Liberdade significa escolher o seu fardo”) – Hephzibah Menuhin.

Organização místico/filosófica do sec. XVII, fundada por George Fox, os “quakers” – “Sociedade religiosa dos Amigos” – defendiam o pacifismo e a simplicidade, a solidariedade e a filantropia; a alfabetização como instrumento de liberdade e, gradualmente, abraçaram o abolicionismo… Perseguidos na Inglaterra, emigraram para USA, 1861, liderados por William Penn, estabelecendo-se na Pensilvânia (“floresta de Penn”)…

“Quakers” em protesto pela paz no Vietnan – Washington DC, USA.

Em 1947, receberam o prêmio “Nobel da Paz”, pelo programa “Auxílio Quaker Internacional”… E com egressos de comunidades “hippies”, no Canadá, fundaram o “Greenpeace”, 1971, com base no protesto pacífico e na desobediência civil; além de ensejarem a “Anistia Internacional”…

E numa Europa dividida, Yehudi Menuhin trabalharia com Wilhelm Furtwängler, apesar das críticas ao maestro alemão, que dirigiu a “Filarmônica de Berlim”, durante o regime nazi… Yehudi, no entanto, via em Furtwängler irrestrito amor à música, não afinidade ao regime… E, na busca de conforto e equilíbrio, mergulharia na cultura oriental e prática do “yoga”… No “pós-guerra”, uma geração sofria sequelas do conflito e, como artista, uma fase emocionalmente instável, apesar da técnica magistral…

Yehudi Menuhin e Ravi Shankar.

E a partir de 1955, deixaria os USA para fixar residência na Europa, onde fundou a “Yehudi Menuhin School”, em Londres, e dirigiu os “Festivais Windsor” e “Royal Philharmonich Orchestra”. Além de experiências inusitadas, com o indiano Ravi Shankar e o jazz violinista Stephane Grappelli…

As atividades de Yehudi e Hephzibah seguiram em 1962, quando realizaram turnês pela Austrália, USA e Canadá; além de recitais na Europa, que resultaram em expressiva discografia… Notável foi a admiração dos irmãos Menuhin pela música de Béla Bartók. A quem Yehudi ajudou em momentos difíceis e foi retribuído com a “Sonata para violino solo”…

Em 1979, Hephzibah fez últimas apresentações públicas e, após prolongada luta contra o câncer, faleceu em Londres, 1981, aos 60 anos… Yehudi a homenageou em concerto no “Carnegie Hall” e instituições australianas criaram a “bolsa Hephzibah Menuhin”, para jovens pianistas, administrada pela “universidade de Melbourne” e “conservatório de Sydney”, 1980…. 

Yehudi e Hephzibah Menuhin, na escadaria do “Concertgebouw” de Amsterdam, Holanda.

Como ativistas “quakers”, Hephzibah e Richard Hauser fundaram o “Institute for human rights and Responsibilities”, em Londres. Também organizaram albergue, em casa, que resultou no “Instituto de pesquisas Sociais”… E a musicista se tornaria defensora dos direitos das crianças e mulheres, nomeada, 1977, presidente da seção britânica da “Liga internacional feminina pela paz e Liberdade”… Junto com o marido, escreveram uma reflexão: “The fraternal Society”…

No Canadá, grupo de jornalistas e ecologistas – “hippies e quakers” – decidiram protestar contra os testes nucleares na costa do Alasca, USA. Para tanto, 12 pessoas partiram de Vancouver num barco pesqueiro alugado – o que resultou no movimento “Greenpeace”, 1971.

Após falecimento de Hephzibah, Yehudi prosseguiu agenda internacional. Em 1979, visitou a China e tornou-se 1º professor honorário do “conservatório de Pequim”… Na queda do regime soviético, regeu, em Varsóvia, homenagem à João Paulo II. E ao adquirir cidadania britânica, a monarquia conferiu-lhe grau de “Sir Yehudi Menuhin”, depois “Ordem do mérito do Reino Unido” e, finalmente, título de “barão”, com assento na “casa dos Lordes”…

Yehudi Menuhin e João Paulo II, no concerto de Varsóvia, final do regime soviético.

Após 40 anos, retornaria à África do Sul, 1995, em concerto pelo fim do “Apertheid” e posse de Nelson Mandela. Então, dirigiu “concerto por Sarajevo”, com apoio da Unesco, e viria falecer em Berlim, aos 83 anos, em derradeira turnê com a “Sinfônica de Varsóvia”, 1999…  

As vidas de Yehudi e Hephzibah foram marcadas por trágicos acontecimentos mundiais, que os tornaram vigilantes e proativos… E por diferentes caminhos, trabalharam por um mundo possível, mais justo e fraterno, interagindo através da música e dos movimentos sociais… Duas personalidades simbólicas, pelo ativismo político e brilhantes carreiras musicais… 

  • Download no PQP Bach

Em 2016, ao comemorar-se 100 anos do nascimento de Yehudi Menuhin, a “Warner Classics” lançou extenso acervo… A coleção “The Menuhin century”, com 20 CDs, engloba as gravações realizadas com Hephzibah. Para download no PQP Bach, segue CD n° 8, com as sonatas “Primavera”, op. 24; e “Kreutzer”, op. 47, de Beethoven; além da sonata op. 108, de Brahms.

Capa “Warner Classics” – acervo completo de Yehudi e Hephzibah Menuhin – Box 20 CDs.

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Ludwig van Beethoven: Sonata nº 5, in F Major, Op. 24 – “Spring”
1. Allegro; 2. Adagio molto Espressivo; 3. Scherzo (Allegro molto) and Trio; 4. Rondo (Allegro ma non Troppo)

Ludwig van Beethoven: Sonata nº 9, in A Major, Op. 47 – “Kreutzer”
5. Adagio Sostenuto – Presto; 6. Andante con Variazioni; 7. Finale (Presto)

Johannes Brahms: Sonata nº 3, in D minor, Op. 108
8. Allegro; 9. Adagio; 10. Un poco presto e con sentimento; 11. Presto agitato

Sugerimos também:

1. Vídeo – Piano Trio n° 1, D 898, de Franz Schubert, com Hephzibah Menuhin (piano), Yehudi Menuhin (violino) e Maurice Gendron (cello), Londres, 1964.

2. Audio – Sonata n°3, para violino e piano, “dans le caractère populaire roumain”, op. 25, de George Enescu, com Yehudi Menuhin (violino) e Hephzibah Menuhin (piano), 1967.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

“Homenagem à Ralf Rickli”

“Lamentamos o passamento de Ralf Rickli – apelido ‘Ranulfus’… Seus textos, sensibilidade e reflexões muito contribuíram, pelo que expressamos nossos sentimentos e gratidão. Muita paz e condolências aos amigos e familiares…”  

Alex DeLarge

4 comments / Add your comment below

Deixe um comentário para Alex DeLarge Cancelar resposta